Anunciado como a grande salvação da economia brasileira, o Simples Nacional vem cumprindo a tarefa de se tornar o maior buraco das finanças públicas do país, ao beneficiar empresas com pesadas renúncias fiscais e incentivar a evasão e a sonegação tributárias.
Não se desconhece outros rombos que comprometem a capacidade de financiamento e gestão do Estado brasileiro, mas a crise fiscal atual tem neste “regime especial” o seu principal vilão.
Desde o advento da decantada Lei Complementar 123/2006, a renúncia de receitas já atinge cifra superior a 809 bilhões de reais, só em tributos federais. De acordo com a Lei Orçamentária da União, em 2017 o montante é de 87 bilhões de reais.
Mas o problema não para por aí. Em primeiro, porque não se contabiliza a renúncia imposta (inconstitucionalmente) a Estados, Distrito Federal e Municípios. Só para o ICMS estima-se renúncia superior a 300 bilhões de reais, agravada após a edição da Lei Complementar 147/2014, se mantido patamar próximo à renúncia fiscal estimada para o PIS/COFINS, cujas alíquotas médias são bem inferiores.
O montante nacional das renúncias dos últimos onze anos chega, então, a mais de 1,1 trilhão de reais.
O problema aumenta diante dos elevados níveis de inadimplência do Simples, que empurram as perdas de arrecadação para patamares superiores a quinze porcento das renúncias formais. E não há resposta eficiente das administrações tributárias federativas para a cobrança das dívidas, em razão da implementação tardia e complicada do SEFISC (Sistema único de Fiscalização do Simples Nacional) e de Convênios Administrativos para a propositura de execuções fiscais.
O pior, porém, é o incentivo à sonegação e às evasões fiscais. É notório que a multiplicação de empresas aderentes ao regime do Simples se deve, em grande parte, à mera transformação de antigas empresas endividadas e à fragmentação ou terceirização de departamentos de grandes companhias. E mais: quando as micro e pequenas empresas chegam ao teto de faturamento que as excluiria do regime tributário favorecido, elas buscam um “jeito” de fracionar suas receitas, mediante a abertura de outra pessoa jurídica indiretamente controlada pelos mesmos proprietários, mantendo-se todos no gozo da tributação reduzida.
Apesar da pobreza de pesquisas sérias sobre o assunto, pode-se afirmar que o regime não proporcionou a tal explosão de “start ups” e muito menos o desenvolvimento de empresas brasileiras de médio e grande porte. Tampouco se alterou o nível de mortalidade das empresas brasileiras e nem houve impulso a trajetórias de crescimento e internacionalização. Os exemplos de sucesso empresarial nacionais continuam sendo, na sua grande maioria, espécimes de laboratório cultivadas à base de superbenesses fiscais e financeiras estatais.
Portanto, é falsa a afirmação de que o grande número de “novas” empresas registradas é a prova do sucesso do Simples Nacional, como instrumento de desenvolvimento econômico.
Mas o drama fiscal não para por aqui. Há propostas no Congresso Nacional para ampliar o teto máximo de faturamento para fins de enquadramento no regime e até para favorecer empresas do mercado financeiro – o que elevaria a desoneração fiscal a níveis estratosféricos, sem equivalentes no mundo.
O sistema tributário nacional merece mudanças e as políticas de incentivo fiscal e razoabilidade da tributação devem ser instrumentos de estímulo à iniciativa privada e à atração de investimentos. Mas não há no horizonte qualquer proposta de reforma que conjugue razoabilidade, justiça e eficiência tributárias, para o atingimento dos objetivos de desenvolvimento nacional, regional ou setorial. E não será um imposto único que trará a solução para estimular a economia, sem aprofundar a tragédia em curso nas finanças nacionais.
Autor: Ricardo Almeida Ribeiro da Silva – Mestre em Direito Público pela UERJ. Procurador do Município do Rio de Janeiro e Assessor Jurídico da ABRASF – Associação Brasileira de Secretarias de Finanças