Pauta fiscal mínima do ISS para construção civil é ilegal.

por Grupo Editores Blog.

 

A “Pauta Fiscal Mínima”, prevista na Portaria da Secretaria Municipal da Fazenda de São Paulo – SF n. 209/2019 (“Portaria n. 209/2019”), redefiniu a base de cálculo do Imposto Sobre Serviços (“ISS”) incidente sobre a construção civil. Como se sabe, na qualidade de responsáveis tributárias, as empresas que atuam no setor de construção civil devem apurar, reter e recolher o ISS incidente sobre os serviços contratados para uma determinada obra, aplicando a alíquota de 2% a 5%, a depender de suas naturezas.

 

Para tanto, a regra geral determina que o valor a ser utilizado como base para tributação é o próprio preço do serviço (receita bruta), conforme dispõe o art. 7º da Lei Complementar n. 116[1], que regulamenta o ISS e dá outras providências.

 

De acordo com a nova Portaria n. 209/2019, a Prefeitura de São Paulo passou a arrecadar o ISS com base num valor mínimo de mão-de-obra, que se estima ter sido utilizada na construção civil, proporcionalmente ao metro quadrado construído.

 

Isso quer dizer que, em vez de o ISS incidir sobre os efetivos preços dos serviços contratados no decorrer do projeto, ele será calculado com base no “grau de absorção de mão-de-obra”, em valores que variam de R$ 539,70 a R$ 1.349,25, por metro quadrado, a depender do tipo de construção (apartamento; casa térrea; sobrado; conjuntos horizontais de 2 a 300 unidades, ou mais; casas pré-fabricadas; e abrigos para veículos).

 

Diante da alteração legislativa, as construtoras foram surpreendidas com um significativo aumento em seus orçamentos tributários, na medida em que os parâmetros utilizados para atribuir os valores de mão-de-obra por metro quadrado e, consequentemente, a base de cálculo do ISS, nem sempre correspondem ao efetivo preço dos serviços contratados (por exemplo, existem obras que demandam mais investimento em tecnologia do que em pessoal).

 

Em vista disso, as empresas do setor recorreram ao Poder Judiciário e vêm obtendo decisões favoráveis para afastar a aplicação da “Pauta Fiscal Mínima”, fundamentando suas demandas, em suma, nos seguintes pontos: i) a Portaria contaria a própria legislação Federal (Lei Complementar n. 116/2003), pois pretende redefinir a base de cálculo definida como como sendo o preço do serviço (receita bruta); ii) a autoridade fiscal somente tem a prerrogativa de arbitrar a base de cálculo dos tributos, quando as declarações, os esclarecimentos ou os documentos apresentados pelo contribuinte sejam omissos ou não mereçam fé.

 

Nesse sentindo, o entendimento que prevalece na jurisprudência recente[2] é o de que a utilização de “Pauta Fiscal Mínima” só será aplicável quando os preços dos serviços contratados não puderem ser devidamente comprovados, sendo certo que, a aplicação da norma em desacordo com o que dispõe o art. 148 do Código Tributário Nacional[3] configura afronta ao princípio da hierarquia das normas.

 

E não é só em demandas direcionadas contra o Município de São Paulo que os contribuintes do setor vêm obtendo êxito. Outras ações movidas contra as Prefeituras de Campinas[4], Sorocaba[5], São Bernardo do Campo[6] e Araraquara[7] também tiveram desfechos favoráveis no Judiciário.

 

Para piorar ainda mais o contexto da aplicação da norma, algumas Prefeituras estavam condicionando a concessão do Habite-se ao pagamento do ISS com a base de cálculo arbitrada, caso este que também foi levado ao Judiciário e teve desfecho favorável ao contribuinte[8].

 

Neste ponto, vale mencionar que, a despeito de o tema relativo ao ISS ainda não ter sido levado à apreciação dos Tribunais Superiores, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou no passado quanto à Pauta Fiscal do ICMS.

 

Na ocasião, restou sedimentado o entendimento de que a cobrança do ICMS com base no valor da mercadoria, submetida ao regime de pauta fiscal, seria ilegal. É dizer: o tributo não deve incidir sobre um montante pré-determinado pelo Poder Público, mas sim, sobre o efetivo preço da mercadoria comercializada[9].

 

Tanto o posicionamento passado do STF quanto os recentes precedentes do Tribunal de Justiça de São Paulo sinalizam se tratar de uma tese com grandes probabilidades de êxito ao setor, inclusive, para reaver valores indevidamente pagos a título de ISS, com base na Pauta Fiscal Mínima.

 


[1] “Art. 7o A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.”

[2] TJSP; Apelação Cível 1029560-15.2017.8.26.0053; Relator (a): Burza Neto; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 6ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 01/08/2019; Data de Registro: 06/08/2019.

[3] “Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial.”

[4] TJSP; Apelação Cível 1027773-59.2017.8.26.0114; Relator (a): Fortes Muniz; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de Campinas – 1ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 07/02/2019; Data de Registro: 14/02/2019.

[5] TJSP; Apelação Cível 1021772-83.2016.8.26.0602; Relator (a): Eurípedes Faim; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de Sorocaba – Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 08/02/2018; Data de Registro: 15/02/2018.

[6] TJSP; Apelação Cível 1014100-12.2014.8.26.0564; Relator (a): Rezende Silveira; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de São Bernardo do Campo – 1ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 15/09/2015; Data de Registro: 22/09/2015.

[7] TJSP; Apelação Cível 1008391-83.2018.8.26.0037; Relator (a): Raul De Felice; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de Araraquara – 1º Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 29/08/2019; Data de Registro: 30/08/2019.

[8] TJSP; Agravo de Instrumento 2086660-02.2019.8.26.0000; Relator (a): Fortes Muniz; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 8ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 01/08/2019; Data de Registro: 07/08/2019.

[9] Súmula 431 do STJ: “É ilegal a cobrança de ICMS com base no valor da mercadoria submetido ao regime de pauta fiscal.”.

Camila Meneghin Pedroso de Oliveira é especialista em Direito Tributário do Leite Tosto e Barros Advogados.

 

Rodrigo Rigo é especialista em Direito Tributário e sócio do Leite Tosto e Barros advogados.

 

Fonte: Conjur.

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