Parcerias entre os municípios e as startups.

por Grupo Editores Blog.

 

Em flagrante violação ao direito fundamental das pessoas às cidades sustentáveis, que cumpram efetivamente a sua função social, nos termos do art. 182 da CRFB/88. Essa sustentabilidade das cidades deve ser não só ambiental, mas, também, social, econômica e, em especial, tecnológica e digital.

 

Neste contexto, dentre os caminhos possíveis para a superação do atual estado de coisas, apresenta-se inadiável aos municípios a promoção do desenvolvimento tecnológico e inovador na gestão pública municipal, seja para prevenir essas tragédias, quer para promover os direitos fundamentais das pessoas que vivem nas cidades.

 

E ninguém tem mais vocação para a implementação das smarts cities sustentáveis do que os municípios, já que estão mais próximos dos cidadãos e das suas necessidades e interesses.

 

Bem por isso, é responsabilidade constitucional dos municípios promover e realizar os interesses predominantemente locais, nos termos do art. 30, I, da CRFB/88. Esse desenvolvimento tecnológico e inovador pode ser alcançado por meio de parcerias dos municípios com startups, para que as mesmas, a partir de incentivos municipais, desenvolvam tecnologias e inovações de interesse público das cidades.

 

Assim, é certo e sabido que os municípios também têm competência constitucional[1] e legal[2] para disciplinar, por lei, o fomento à inovação tecnológica municipal, inclusive por meio de parcerias administrativas que venham a firmar com startups, observado, por certo, as peculiaridades e o predominante interesse público local.

 

Neste passo, a matriz constitucional estabelece como competência comum, de todos os entes federativos, inclusive os municípios, a promoção dos meios de acesso à tecnologia, à pesquisa e à inovação, tanto na esfera da sociedade civil organizada quanto no âmbito da gestão pública[3].

 

Como também se sabe, existe um debate nacional acerca da criação de um regime geral para a atuação das startups, que se apresentam, como regra, sob a forma de sociedades empresárias, muito embora os limites e possibilidades jurídicas para a configuração e atuação dessas estruturas voltadas à inovação se encontrem em permanente construção.

 

Nada obstante a citada discussão nacional, é certo que os municípios podem tratar e disciplinar juridicamente dessas parcerias, com os olhos voltados para as suas respectivas realidades locais, sem a necessidade de se aguardar uma disciplina nacional e uniforme sobre o tema das parcerias administrativas com entidades de inovação tecnológica, desde que se adotem algumas cautelas jurídicas.

 

Um bom modelo a ser implementado pelos municípios, com as necessárias adequações jurídicas, é o previsto na Lei Complementar estadual nº 929, de 26 de novembro de 2019, do estado do Espírito Santo. Esse marco legal bem poderia inspirar os municípios brasileiros na adoção dos seus próprios modelos de parcerias, estruturando um modelo de governança municipal para se levar tecnologia e inovação para a gestão pública e para a prestação dos serviços públicos e entregas de resultados aos cidadãos que vivem nas cidades.

 

Ou seja, muito embora a normatividade aludida se aplique no âmbito do estado, a LC nº 929/2019 reservou importantes disposições pertinentes aos municípios, que poderão, inspirados nessa normatividade, editar suas respectivas leis e demais instrumentos regulatórios da mesma, como, por exemplo, a edição de Decreto do Chefe do Poder Executivo Municipal disciplinando a estrutura de governança do município para o planejamento, execução e controle de parcerias entre o município e as startups para o desenvolvimento tecnológico e inovador municipal.

 

Bem como os necessários edital de chamamento público, contrato de fomento, contrato de fornecimento, entre outros instrumentos relevantes, tudo de acordo com as realidades e as necessidades de interesse público municipal. Para ilustrar, cite-se o município de Vila Velha, no estado do Espírito Santo, que criou, pela Lei municipal nº 6280/2019, o Programa Tecnovila, voltado à incubação de empresas de base tecnológica no município.

 

Esse tratamento especial se justifica pela importância do município na concretização dos direitos fundamentais dos cidadãos, dada a incontroversa a relevância social e econômica do município na vida dos cidadãos, sobretudo pela sua proximidade do homem comum.

 

Neste sentido, com o advento da Constituição da República de 1988, os municípios brasileiros, mais do que nunca, assumiram um compromisso fundamental com a efetividade da dignidade da pessoa humana, do cidadão municipal, enquanto centro valorativo de preocupação essencial, que deve reger todas as condutas – públicas e privadas – no Estado Democrático de Direito.

 

Logo, os municípios e as respectivas sociedades locais têm um papel fundamental na interiorização e efetivação do desenvolvimento municipal, que se dará a partir da inclusão socioeconômica, participativa e dialogada, dos cidadãos, nos assuntos e decisões locais, de modo que a implementação de tecnologias e inovações na gestão pública municipal, por meio de parcerias com startups, é um necessário e urgente caminho a ser trilhado, sob pena de continuarmos a assistir tragédias como as acima citadas, o que não se pode admitir no século XXI das revoluções tecnológicas e digitais.

 


[1] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Arts. 23, V e parágrafo único c/c 24, IX c/c 24, §§§ 1º, 2º e 3º c/c 218 c/c 219-A.

[2] BRASIL. Lei nº 10.973/2004. Arts. 3º c/c 19 c/c 20.

[3] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 23, V.

HORÁCIO AUGUSTO MENDES DE SOUSA – Procurador do Estado do Espírito Santo. Mestre em Direito Empresarial pela Universidade Cândido Mendes – RJ. Especialista em Economia e Direito do Consumidor pela Universidad Castilla-La Mancha – Espanha. Professor de Direito Administrativo e Econômico da Escola Superior da Procuradoria-Geral do Estado do Espírito Santo.

 

Fonte: Blog do Jota.

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