Ambientes coloridos e com salas de jogos, áreas de convivência para funcionários e centenas de computadores são a face mais visível de uma transformação gradual da matriz econômica de Blumenau. Se no passado a cidade cresceu em torno das grandes fábricas que empregavam mão de obra intensiva, a expansão no presente e no futuro passa também pelo desenvolvimento de novas tecnologias da informação. Mesmo em um cenário de estagnação geral, o mercado local de TI pulsa, seja pela oferta de vagas de emprego nas empresas do ramo, seja pelo fato de companhias multinacionais enxergarem vantagens de instalar unidades de negócio em um dos principais polos de informática do Brasil.
Um recente estudo divulgado pela Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia (Acate) revelou que Blumenau já soma 1.218 empresas do setor. Segundo o Blusoft, uma das entidades que trabalha com ações de fomento ao segmento, a área emprega cerca de 10 mil pessoas direta e indiretamente. O faturamento anual é incerto porque nem todas as companhias abrem seus números. Mas uma estimativa conservadora aponta que a movimentação financeira ultrapassa com facilidade os R$ 500 milhões.
Os efeitos do boom tecnológico também são percebidos nos cofres públicos. A pedido da coluna, a prefeitura de Blumenau levantou a arrecadação de ISS de sete das principais atividades ligadas à tecnologia, incluindo desenvolvimento de sistemas, consultoria, suporte técnico e tratamento de dados. Os números são expressivos. Em um intervalo de 10 anos, entre 2008 e 2018, o volume recolhido passou de R$ 3,1 milhões para R$ 22,4 milhões, um incremento de 622%. A participação do segmento na composição do tributo sobre serviços mais que dobrou nesse período, indo de 6,5% para 15,3%.

Há um certo consenso entre poder público e meio empresarial de que Blumenau precisa se vocacionar cada vez mais para esta área. Isso não significa abandonar a indústria tradicional, que continua tendo sua relevância para a economia local, mas apostar em um segmento que depende menos de infraestrutura logística em relação àqueles que precisam escoar mercadorias. Nos últimos anos, os investimentos fabris feitos na cidade se resumiram basicamente a empresas que nasceram ou já estavam instaladas na cidade. Grandes aportes industriais têm migrado para regiões próximas de portos e abastecidas por rodovias duplicadas, caso do Norte catarinense.
— A tecnologia está em uma crescente na nossa região. Isso é um processo natural, até porque nós não temos aqui muitas plantas ou terrenos disponíveis para a instalação de grandes empresas — observa o secretário de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Empreendedorismo de Blumenau, Moris Kohl.
Muitas das oportunidades do setor passam justamente pela indústria. Na crise, grandes empresas precisaram enxugar custos para se manterem competitivas. Isso acabou contribuindo para a geração de novos negócios no mercado de tecnologia, fornecedor de inovações que ajudam essas companhias a reformular processos. A qualidade de mão de obra encontrada aqui também é um diferencial, inclusive reconhecida externamente.
— Fomos recentemente convidados a participar de eventos de fora de Santa Catarina. A percepção (de fora) é de que somos uma cidade que não faz tanto barulho, mas que entrega. Isso fez com que grandes empresas viessem trabalhar aqui — conta Henrique Bilbao, presidente do Blusoft.
As multinacionais T-Systems e Philips, que mantêm unidades em Blumenau, são dois casos que ilustram como o polo local é bem visto lá fora. Outro exemplo desse movimento, este mais recente, partiu da Ambev. Em fevereiro, a cervejaria anunciou a compra da HBSIS, empresa de soluções em logística que já emprega cerca de 700 pessoas – e planeja chegar a mil funcionários em 2020. O objetivo da dona de marcas como Brahma, Skol, Antarctica e Budweiser é concentrar o desenvolvimento de novas tecnologias na cidade.
— A gente está passando por um processo de transformação digital dentro da companhia e entendemos que uma empresa de tecnologia do porte da HBSIS, com o conhecimento que tem do negócio da Ambev, vai nos ajudar muito — resume Carina Augusto Surge, diretora de Desenvolvimento da HBSIS.
Para Kohl, a vinda de empresas desse porte para Blumenau faz com que a cidade automaticamente se transforme em uma vitrine para novos investimentos na área.
Pioneirismo de meio século
Nem todo mundo sabe, mas Blumenau é um dos berços do mercado de informática em Santa Catarina. O pontapé inicial foi dado em 1969, quando um grupo de indústrias têxteis formou uma sociedade chamada Cetil, criada para atuar como uma central de processamento de dados dos associados. O negócio cresceu, chegou a prestar serviços na América Latina e ajudou a formar os primeiros programadores da cidade, que mais tarde empreenderam com negócios próprios.
Um deles foi Werner Keske, um dos fundadores, em 1984, da WK Sistemas. Autodidata, ele começou a programar com 15 anos. Aos 17, já ajudava a desenvolver sistemas, tudo isso em uma época em que havia pouca informação disponível. Além da bibliografia sobre informática ser escassa – e a maioria do que existia não tinha tradução para o português – e dos computadores serem muito caros – custavam o mesmo que um carro –, havia a reserva de mercado imposta pelo governo federal, que restringia a importação de equipamentos eletrônicos.
— Um notebook trazido na bagagem naquela época ia ser apreendido por causa da reserva de mercado, e não tinha devolução. Acho que era mais fácil trazer uma arma dentro da bagagem do que um computador — lembra Keske, com bom humor.
Hoje as coisas estão mais fáceis, mas o desafio de permanecer inovador e acompanhar as transformações constantes desse mercado persiste.
— A gente vê exemplo de uma série de aplicativos, tipo o Uber, que detonou o mercado de táxis e assim por diante. Sempre existe uma ideia inovadora que deve derrubar alguma coisa, alguma tecnologia ou um modo de comportamento social antigo — acrescenta Keske.
Um centro para acelerar novos negócios
Um dos próximos passos para acelerar a transformação digital de Blumenau é a inauguração do Centro de Inovação, que integra um projeto do governo do Estado. O prédio foi construído dentro do campus 2 da Furb, no bairro Itoupava Seca. Os móveis estão sendo instalados. Faltam resolver algumas pendências burocráticas para que o espaço seja liberado ao público – a expectativa é de que isso aconteça ainda neste ano. A gestão do local deve ficar a cargo do Instituto Gene, única organização que se credenciou em chamada aberta pela universidade para a tarefa. A homologação do resultado é esperada para breve.
Para o presidente do Conselho de Administração do Gene, Udo Schroeder, a estrutura será importante para alinhar todo o ecossistema local ligado à inovação. A ideia é juntar, em um mesmo espaço, poder público, empresas, instituições de ensino e agentes de fomento, criando um ambiente de estímulo de desenvolvimento de pesquisas e soluções inovadoras.
– Hoje já temos um ecossistema instalado e funcionando de forma regular. Se nós conseguirmos alinhar isso, certamente teremos condições de alavancar muito mais negócios – aposta Schroeder.
Presidente do comitê de implantação do Centro de Inovação e da Fundação Fritz Müller, Everaldo Artur Grahl faz coro ao discurso, ressaltando a importância da estrutura e da integração dela com as demais que estão sendo erguidas por Santa Catarina.
— O ecossistema não se sustenta apenas com uma obra física, mas obviamente que uma boa estrutura vai permitir que os agentes locais se encontrem, prospectem projetos e tenham iniciativas de eventos de forma integrada — analisa.
Fonte: Nsctotal.