O SISCOSERV ainda é um sistema desconhecido para muitos contribuintes, mas já tem gerado bastante preocupação. Isso porque, os contribuintes que mantém negócios com residentes no exterior têm sido alvos de autuações lavradas pela Receita Federal do Brasil (“RFB”), sob a acusação de falta de registro das operações no sistema.
Instituído, em 2012, pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (“MDIC”), em conjunto com a RFB[1], o SISCOSERV é um ambiente eletrônico no qual devem ser registradas as transações entre residentes ou domiciliados no País e residentes ou domiciliados no exterior, que compreendam prestações de serviços (incluindo serviços de frete internacional sob a condição FOB), intangíveis e outras operações que produzam variações no patrimônio.
Em regra, estão obrigadas ao preenchimento do sistema: (i) o prestador ou tomador do serviçoresidente ou domiciliado no Brasil; (ii) a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no Brasil, que transfere ou adquire o intangível; e (iii) a pessoa física ou jurídica ou o responsável legal por ente despersonalizado, residente ou domiciliado no Brasil, que realizar outras operações que produzam alterações patrimoniais definidas na NBS[2] do Decreto nº 7.708/12.
A polêmica, no entanto, não é sobre a necessidade de prestar as informações que, diga-se de passagem, já constam em outros documentos de entrega obrigatória à RFB ou ao Banco Central (“BACEN”), mas em relação às pesadas penalidades associadas ao descumprimento do registro das operações no SISCOSERV.
Conforme dispõe o artigo 4º da IN nº 1.277/12, instituído com fundamento no artigo 57 da Medida Provisória nº 2.158-35, os contribuintes que não preencherem as informações no SISCOSERV ou que as tenham feito com incorreções serão chamados pela RFB para prestarem esclarecimentos.
Não sendo tais esclarecimentos satisfatórios, as pessoas obrigadas estarão sujeitas a multas que podem variar: (i) entre R$ 100,00 e R$ 1.500,00, por mês-calendário, para cada contrato não registrado, no caso de entrega, em atraso, após intimados pela RFB; e (ii) entre 1,5 a 3% do valor das operações, no caso de apresentação das declarações com informações inexatas, incompletas ou omitidas. Na hipótese de não atendimento à intimação da RFB, a multa será de R$ 500,00 por mês-calendário, até o devido cumprimento.
A depender do entendimento das Autoridades Fiscais, as penalidades acima descritas poderão ser aplicadas cumulativamente. Esse foi justamente o caso das empresas filiadas ao Sindicado da Indústria da Informação do Estado de Santa Catarina, autor do Mandado de Segurança ajuizado para afastar as autuações dos seus associados e ter declaradas inconstitucionais as multas aplicadas pela inobservância dos registros de informações no SISCOSERV.
A sentença publicada recentemente pela Justiça Federal de Santa Catarina, vinculada ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (“TRF4”), reconheceu a abusividade e desproporcionalidade das multas, afastando a possibilidade de aplicá-las por “mês-calendário”, mas não reconheceu a inconstitucionalidade das penalidades[3]. Muito embora parcialmente favorável, a decisão não enfrentou a questão central sobre o tema: a legalidade das multas aplicadas.
O artigo 57 da Medida Provisória nº 2.158-35 –base legal do artigo 4º da IN nº 1.277/12– trata da aplicação de multas pelo descumprimento das obrigações acessórias, relativas aos tributos administrados pela RFB, exigidas nos termos do artigo 16 da Lei n° 9.779/99.
No entanto, as obrigações acessórias do SISCOSERV atendem a outra finalidade, exclusivamente, econômico-comercial. As informações prestadas nesse sistema são utilizadas pelo MDIC para fins estatísticos, de auxílio à gestão e no acompanhamento dos mecanismos de apoio ao comércio exterior, instituídos no âmbito da administração pública, bem como no exercício das atribuições legais de sua competência.
Esse argumento não foi acolhido pela Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (“TRF3”), no único precedente que se tem conhecimento no TRF3. Na ocasião, o TRF3 reformou a sentença de primeira instância e denegou a segurança pleiteada pelo contribuinte, sob o argumento de que o SISCOSERV faz parte das obrigações acessórias administradas pela RFB, sendo plenamente válida a instituição de multa para o caso da não prestação de informações no sistema.
A discussão, é importante lembrar, está só no começo. Além dos precedentes acima citados, não temos conhecimento de outras decisões proferidas pelos demais Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais Superiores, muito embora o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), em outras oportunidades, já tenha reconhecido a legalidade do artigo 57 da Medida Provisória nº 2.158-35. Naquela ocasião, contudo, a discussão envolvia operações que refletiam o descumprimento de obrigações acessórias, vinculadas a declarações necessárias para a apuração e o recolhimento de tributos, enquanto que a falta de registro de informações no SISCOSERV apenas poderá impactar nas informações prestadas ao MDIC, para fins estatísticos.
De todo modo, a fim de evitar discussões sobre a legalidade e/ou confiscatoriedade das multas, os contribuintes devem ficar atentos a mais essa obrigação acessória, registrando regularmente suas operações no SISCOSERV.
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[1] Instituído pela Portaria Conjunta RFB/SCS nº 1.908/12 com base na IN RFB nº 1.277/12, na Portaria nº 113/12 do MDIC e na Lei nº 12.546/11
[2] Nomenclatura Brasileira de Serviços, Intangíveis, e Outras Operações, que Produzam Variações no Patrimônio
[3] Vale mencionar que a União Federal havia apresentado Agravo de Instrumento visando suspender a aplicação da liminar concedida com conteúdo similar, mas o Tribunal negou o pedido, por entender que não haveria urgência no interesse da Fazenda.
Autores:
Rodrigo Martone – Sócio da Área Tributária do Escritório Pinheiro Neto Advogados
Ricardo Cristiano Buoso – Associado da Área Tributária do Escritório Pinheiro Neto Advogados
Paula Zugaib Destruti – Associada da Área Tributária do Escritório Pinheiro Neto Advogados
Teresa Novais Corrêa Meyer – Associada da Área Tributária do Escritório Pinheiro Neto Advogados