Regulamentação e inovação costumam não andar juntas. Não porque toda regulamentação seja prejudicial à inovação, mas sim porque as regras politicamente aprovadas normalmente refletem os interesses das empresas e trabalhadores que já fazem parte do mercado a ser regulado, os chamados insiders. O papel essencial dos legisladores é também preservar os interesses das partes que não estão diretamente envolvidas na disputa, os chamados outsiders.
No caso do mercado de trabalho, partidos políticos costumam ignorar os interesses dos outsiders, o que segundo a teoria econômica pode implicar em aumento e persistência do desemprego. Pelo lado das empresas, as decisões dos legisladores costumam consolidar benefícios para empresas já estabelecidas, criando barreiras à criação de novos negócios e limitando inovações.
Seria este o caso da legislação e da atuação dos políticos brasileiros? Considere, por exemplo, o último relatório Doing Business (Doing Business 2018, com dados até junho de 2017), do Banco Mundial, que apresenta uma nova queda do Brasil no ranking. Em um universo de 190 países, o Brasil é o 125º colocado (a título de curiosidade, a trajetória recente não é animadora: o país saiu da 116ª posição em 2015 para a 123ª em 2016). Esta piora no ambiente de negócios parece ecoar uma atuação muito mais limitadora da ação empreendedora do que o oposto.
O caso da regulamentação da Uber é apenas mais um em uma grande lista de exemplos, onde os outsiders são os trabalhadores que não atuam como motoristas, mas podem vir a fazê-lo, além dos empresários que, embora não estejam no ramo de transporte particular, poderiam entrar a qualquer momento com uma nova ideia (ou com um novo aplicativo), aumentando a concorrência com a Uber, Cabify, 99 ou mesmo com os taxistas.
A regulamentação de serviços de transporte particular é uma função essencial do Estado, especialmente por este mercado ser repleto de informação assimétrica e potenciais externalidades. Entretanto, as regras deveriam ter como objetivo fundamental o bem-estar da população, e não devem ser feitas com base na disputa por benefícios da inovação apenas entre as partes envolvidas na provisão do serviço.
A boa regulamentação é aquela que não enxerga apenas o curto prazo, mas vislumbra o longo prazo. A diferença é fundamental porque é no longo prazo que surgem inovações que podem, novamente, alterar todo o jogo entre consumidores e empreendedores. Em outras palavras, a discussão não pode ser apenas sobre uma disputa entre Uber, Cabify e 99 de um lado e taxistas de outro. O ponto central é criar um ambiente institucional pró-mercado, que valorize o surgimento de inovações e facilite a entrada (e saída) de novos empreendedores e trabalhadores neste mercado.
Infelizmente, esta perspectiva não parece ter sido a principal nas discussões recentes. Por exemplo, o PL 28/2017, ao exigir do motorista autorização específica emitida pelo poder público municipal ou do Distrito Federal, caminha no sentido contrário à garantia da livre entrada, uma vez que este tipo de autorização pode até ser facilmente obtida por uma empresa tão grande quanto a Uber, mas representaria uma grande barreira ao mercado para novas empresas potenciais. Isto sem considerar que este mercado de autorizações possa ser capturado por políticos e empresários com interesses escusos, como é característico dos chamados capitalismos de compadres (crony capitalismo) que, aliás, não é uma figura estranha aos leitores.
Autores:
Regis A. Ely – Pesquisador do PPGOM-UFPel
Claudio D. Shikida – Pesquisador do PPGOM-UFPel e membro da ABDE