O casal mora num sobrado de dois quartos, um deles ocupado pelo filho pequeno, portador de necessidades especiais. Tudo está aparentemente sob controle nesta estrutura, até que uma nova gravidez chega repleta de incertezas. “Será que é menino; menina? Uma criança com saúde perfeita?
Pede-se então a um engenheiro projeto para adaptar o imóvel às necessidades atuais da família, assim como às futuras, incluindo a chegada do mais nova morador ou moradora dali a alguns meses.
E a resposta chega rápido: Vamos derrubar os 2 quartos atuais e fazer 3 novinhos. Porém, mediante tantas dúvidas, os empreiteiros terão de morar na casa durante uns 10 anos, para adaptar os cômodos, à medida que as novas demandas do dia a dia surgirem.
Absurdo? Pois é justamente isto que estão sugerindo as PECs 45 e 110 (Propostas de Emenda Constitucional) sobre a Reforma Tributária. Seus autores e defensores afirmam estar “calibrando” o novo tributo, conforme a realidade econômica do país se comportar.
Nosso sistema tributário necessita ser simplificado, sim, mas propor que o empresário brasileiro conviva com o modelo atual por mais 5 ou 10 anos e acrescentar a ele mais um tributo, simplesmente beira o sadismo fiscal.
Hoje o Governo possui ferramentas que possibilitam, no prazo exequível de um ano, fazer toda a mudança de um modelo para outro. É por isso que devemos batalhar.
O que está sendo proposto, na verdade, é uma reengenharia e não uma reforma. Senão vejamos. Surgido nos anos 1990, o termo reengenharia propõe uma reinvenção, mudança radical de processos, desenho de um modelo perfeito para implementação, descartando, dessa forma, aspectos de correção e aprimoramento gradual.
Há semelhanças evidentes entre essa estratégia e as Propostas de Emenda à Constituição que sugerem alterações no sistema tributário brasileiro, hoje em tramitação no Congresso Nacional.
Os defensores de ambas as PECs garantem que não, alegando o período de transição entre 5 e 10 anos, com a coexistência de duas formas de tributação.
Entretanto, essa concomitância, por si só, já se configura como uma grande transformação e um enorme desafio para o contribuinte, obrigado a enfrentar uma fase longa de insegurança jurídica, duplicidade de regimes, retrabalho.
Para muitos estudiosos, o grande erro do modelo da reengenharia é o seu paradigma de uma reestruturação drástica, que cria altos custos, grandes barreiras culturais e comportamentais.
O brasileiro sempre conviveu com um sistema tributário oneroso, complexo e instável, ladeado por insegurança jurídica, e merece que as propostas em curso tragam confiabilidade, segurança e simplicidade, ao invés de novos problemas e muita confusão.
Mas, por acaso, existem pesquisas e estudos sobre os custos para empresas e o próprio Governo de um novo sistema de controle e a existência de dois regimes paralelos? E o número de horas trabalhadas para o cumprimento de obrigações acessórias, que impacta diretamente no índice de competitividade do Brasil no mundo, vai aumentar?
Não precisamos ir longe na História para constatar que a falta de planejamento ou a não previsão dos impactos das mudanças podem trazer grandes prejuízos.
Quanto foi investido no sistema e social nos últimos dez anos, por exemplo? Sem entrar no mérito de ter sido acertada ou não a atitude, com a mudança de Governo, em 2019, parte do projeto foi deixada e lado e muito do que foi investido até então, tanto em tecnologia quanto em capacitação, simplesmente se perdeu.
E a cultura de convivência entre o empresariado e o Estado brasileiro, que sempre esteve mais para gato e rato do que uma cooperação efetiva, terá de mudar como em um passe de mágica? O que nos aguarda? Mais penalização? Que avanços poderemos ter nesse relacionamento diante de tantas interrogações? Mesmo entre os entes da federação existe desconfiança dos repasses pretendidos de um tributo único.
Na outra ponta, a palavra “reforma” imprime a ideia de melhoramento, correção, aprimoramento, atribuição de uma forma evolutiva, exatamente o que o Brasil precisa.
Não podemos ficar aguardando por anos a implantação do modelo perfeito para o nosso sistema tributário, precisamos trabalhar melhorias pontuais, claras, objetivas e rápidas, sempre visando o estímulo aos investimentos, a segurança jurídica, a simplificação e o aumento da competitividade internacional.
Artigo por: Jorge Segeti – CEO da Segeti Consultoria, vice-presidente da Associação das Empresas Contábeis de São Paulo – AESCON-SP e diretor técnico da Central Brasileira do Setor de Serviços –CEBRASSE.