A relação entre o Estado e o Cidadão é uma relação de submissão, figurando o primeiro sempre na condição de sujeito ativo, cujas solicitações se dão mediante ordem, devendo os destinatários se curvarem ao mandamento da autoridade pública, sob pena de punição. Não obstante, cumpre assinalar que não é qualquer ordem que é cumprível, posto que sob a égide do Estado de Democrático Direito vigoram os postulados do império da lei e a submissão de todos ao seu comando, em especial o próprio estado.
Na seara tributária vigora o “principio da legalidade objetivo”, cujo escopo impõe à autoridade administrativa o dever de aplicar a lei de ofício, pois, seu próprio ofício, é o de cumprir e fazer cumprir a lei de modo objetivo e desinteressadamente, uma vez que não defende um direito subjetivo e nem resguarda interesse próprio, mas pelo contrário, age para fazer valer a lei em face do interesse público.
Ao cumprir a lei, a autoridade administrativa deve caminhar sob a tutela do devido processo legal, cujo escopo insculpido revela a face das inúmeras garantias individuais do cidadão insculpidas no bojo da magna carta. Seu escopo impõe à Autoridade a necessidade de observar os contornos legais, retirando sua voluntariedade, cercando-a de limites e comandos a serem seguidos sob pena de falência dos atos praticados.
Nesse escorço, ao efetuar o lançamento tributário, sob os rigores do artigo 142 do CTN, a Autoridade Fiscal tem o dever de buscar a conformação do ato segundo as exigências legais (pressuposto de validade), pois a Magna Carta, ao delimitar o universo de tributos a serem arrecadados pelos entes estatais, impõe a máxima observância de inúmeros critérios intrínsecos e extrínsecos intransponíveis, impondo a máxima obrigatoriedade de se cobrar (arrecadar), única e exclusivamente, aquilo que foi estabelecido nas normas instituidoras dos tributos; ou seja, nem mais e nem menos. Quaisquer atos contrários a esses ditames são nulos de pleno direito.
Destarte, o lançamento tributário é procedimento administrativo vinculado, assim entendido aquele para o qual a lei estabelece os requisitos e condições para sua realização, os quais absorvem completamente a liberdade da Autoridade Fiscal, uma vez que sua ação fica adstrita aos pressupostos estabelecidos pela legislação tributária, como condição essencial à validade da exigência do crédito tributário. Assim, sempre que a autoridade fiscal estiver diante de um fato ou ato que configure fato gerador de uma obrigação tributária principal ela dever atuar, investigando seus contornos para, ao final, constituir o crédito tributário, se necessário.
Em que pese a vertical imposição de rigores intransponíveis, há que se observar que inexiste qualquer disposição legal que iniba ou impeça a Autoridade de requerer quaisquer documentos das pessoas (naturais ou jurídicas), para fins de apuração do crédito tributário (“caput” do art. 195 – CNT), devendo apenas se limitar a sua competência ou esfera de atuação.
O referido artigo evidencia a autonomia e independência da autoridade fiscal para o exercício da sua atividade, razão pela qual o legislador apregoou a não limitação do exercício das atividades fiscalizatórias. Ademais, no artigo 148, da citada Lei, determinou que sempre que forem omissos ou não mereçam fé as declarações, esclarecimentos ou documentos expedidos pelo sujeito passivo o quantum devido poderá ser arbitrado, assim como estabeleceu no artigo 197 do mesmo diploma legal que, sempre que intimado, o cidadão deve facilitar, por todo meio ao seu alcance, o acesso à Fazenda Pública e seus Agentes as informações de que disponha sobre situações ou negócios próprios ou de terceiros. Apenas desobrigou da apresentação aquelas pessoas que em razão do seu cargo, ofício, função, ministério ou profissão tenham dever de guardar sigilo. Neste contexto estão, por exemplo, os advogados em relação aos fatos dos seus clientes, os padres em relação as informações obtidas a título de confissão no campo eclesiásticos, dentre outras.
Cabe observar que dentro da ressalva não se encontram aquelas circunstâncias que, por acordo ou contrato, as partes ajustaram como confidencial ou insuscetível de ser divulgado, visto que tal convenção não pode ser oposta contra a Fazenda Pública (artigo 123, do CTN), observando que o Fisco tem o dever de guardar sigilo sobre todas as informações obtidas em razão do cargo ou ofício, sob pena de responsabilidade criminal (artigo 198, do CTN).
À Luz disso, é possível dizer que não restam dúvidas que autoridade fiscal pode solicitar documentos e informações dos Cidadãos, inclusive sobre a obrigação destes de apresentá-los, visto que, em face do interesse público, a atividade de fiscalização é vinculada e obrigatória, motivo pelo qual, no exercício da função, a autoridade fiscal goza de autonomia e inexiste limitação ao direito de examinar livros, documentos, dentre outros, destacando que, em decorrência disto, a Lei Federal nº 5.172/1966 (CTN) impõe a responsabilidade funcional do Agente Fiscal e lhe responsabiliza criminalmente pela divulgação das informações obtidas em razão do cargo.
Informações Sobre o Autor: Miqueas Liborio de Jesus – Auditor Fiscal do Município de Joinville (03/1998), Membro julgador da Junta de Recursos Administrativo-Tributários do Município de Joinville, Professor das cadeiras de Direito Tributário I e II, do Curso de Direito da Associação Catarinense de Ensino (ACE), Bacharel em Ciências Jurídicas (Direito), pela Universidade da Região de Joinville (Univille), aprovado no exame da OAB em 2006 e especialista em direito tributário pela FGV.