O envelhecimento da carga tributária.

por Grupo Editores Blog.

A indústria brasileira vive uma penosa estagnação que já dura mais de uma década. A produção industrial como um todo está, neste momento, no mesmo nível de 2004, sendo que a produção da indústria de transformação situa-se no patamar de 2003. Este fato não é motivo de preocupação apenas para industriais e simpatizantes; ele atormenta também as autoridades, uma vez que cerca de metade da arrecadação tributária nacional vem da taxação de bens e serviços.

O encolhimento da participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) pode explicar, em parte, a queda estrutural da carga tributária ocorrida no país nos últimos anos. Sabe-se que a carga de impostos diminuiu em razão de uma série de fatores, como a forte desaceleração da economia desde 2011 e a profunda recessão dos últimos três anos. Há fortes indícios, porém, de que a estagnação da indústria, iniciada bem antes de 2011, ajude também a explicar o fenômeno.

O economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, e seu colega Kleber Castro calculam que a carga tributária brasileira diminuiu de 34,8% para 32,7% do PIB entre 2008 e 2016 (número ainda preliminar), uma queda, portanto, de 2,1 pontos percentuais. No caso apenas dos tributos federais, o recuo teria sido maior de 2,4 pontos percentuais.

A desindustrialização tornou-se um problema fiscal. Afonso, um dos maiores especialistas do país em finanças públicas, constatou que, no âmbito federal, a arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) contraiu 0,5 ponto percentual dos 2,4 pontos mencionados, entre 2008 e
2016. De 2011 a 2016, da contração de 4,2%, em termos reais, verificada na arrecadação federal, um dos destaques foi a redução de 22% veio das receitas provenientes da indústria de transformação.

Quando se observa o que ocorreu com a contribuição previdenciária, que financia a Previdência Social, a perda de arrecadação, no período mencionado, foi de 2,2% em termos reais, mas o maior recuo (11%), dentro desse tributo, veio também da indústria de transformação fato explicado, parcialmente, pelo desordenado processo de desoneração da folha de pagamento promovido pelo governo Dilma Rousseff.

Há um ano, Lívio Ribeiro, outro pesquisador do Ibre, concluiu que a correlação positiva existente entre variação do PIB e arrecadação tributária no Brasil diminuiu após a crise global de 2008. Fatores como as alterações que reduziram alíquotas, criaram regimes diferenciados e promoveram desonerações e sucessivos programas de refinanciamento de dívidas com o Fisco (Refis); e a redução do ritmo de formalização de trabalhadores explicariam a diminuição dessa correlação.

“A indicação é de que, na melhor das hipóteses, a elasticidade da arrecadação ao PIB não retomará os níveis confortavelmente acima de 1 que caracterizaram a bonança fiscal da década passada. Quando se pensa o futuro das receitas tributárias no Brasil, tanto a curto quanto a médio e longo prazo, o panorama é preocupante”, afirma o diretor do Ibre, Luiz Guilherme Schymura, que trata do tema na Carta da Conjuntura, ainda inédita, da entidade. “Há razões para crer que, se e quando a economia voltar a crescer, a retomada da arrecadação não deve ser exuberante.”

O cenário mais preocupante é aquele em que as mudanças estruturais por que passa a economia brasileira agravarão o problema tributário. Muito provavelmente, a forma como e de quem se cobra imposto no Brasil envelheceu. O sistema tributário brasileiro foi forjado nos anos 60, sob a ideia de que a indústria sempre lideraria o crescimento do país. Esta realidade já não existe há um bom tempo.

O trabalho de José Roberto Afonso revela que os setores de maior incidência tributária sobre a receita são a indústria de  transformação (19,1%), a indústria extrativa (22,5%) e os serviços de utilidade pública (19,1%). As atividades financeiras e o comércio respondem, respectivamente, por 11,9% e 10%, e o agronegócio, setor mais dinâmico da economia na atualidade, por 3,4%.

Hoje, o maior setor da economia nacional é o de serviços, que, na composição do PIB, responde por 63% era 55% em 2004. Esta parece ser uma tendência inexorável de uma economia como a brasileira, que, neste aspecto, se assemelha muito à americana com população grande, de alta propensão ao consumo e níveis acanhados de poupança, em que o setor de serviços prepondera. Em economias como esta, importam-se em grande quantidade capitais, além de bens e serviços.

A indústria, como se sabe, encolheu bastante no Brasil entre 2004 e 2016, de 24% para 18% do PIB, segundo Schymura. No mesmo período, a agropecuária caiu de 6% para 5%, apesar do boom ocorrido no agronegócio, o que também chama a atenção. “A estrutura tributária nacional não acompanhou essa mudança das contas nacionais e seguiu muito dependente da atividade industrial. É importante começar a pensar em redistribuir o ônus de financiar o Estado pelos setores da economia brasileira e também rever as figuras tributárias”, defende Schymura.

O diretor do Ibre lembra que parte dos serviços já é bastante taxada, como os serviços de utilidade pública (telecomunicações e energia, por exemplo), e que não é o caso de se defender coisas do tipo porque, no fim, isso só ajudaria a piorar a situação, uma vez que nivelar a taxação por cima aumentaria ainda mais o custo Brasil.

Afonso, por sua vez, observa que está ultrapassada a velha máxima dos tributaristas, segundo a qual, “imposto bom é imposto velho”. “Na verdade, as mudanças na economia trazidas pela informática e pela internet criam atividades econômicas ‘sem circulação de mercadorias’ e que evadem a própria classificação como ‘serviço’. É o mundo de negócios e facilidades digitais gigantes como Uber, Netflix, Spotify e Airbnb, pouco ou nada tributados. Em alguns casos, essas plataformas se autocaracterizam como de ‘compartilhamento’, escapando do alcance do Fisco”, explica Schymura.

Autor: Cristiano Romero

Fonte: Jornal Valor Econômico.

 

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