Novos prefeitos: oportunidade de acertar mais, arriscar-se, arrepender-se menos e melhor atender à população.

por Editon Volpi

No coração da administração pública, inclusive por lógica determinação constitucional de precedência
(art.37, XVIII), estão os órgãos que operam as finanças. Os recursos por eles arrecadados dão suporte à
prestação de todos os serviços essenciais e às políticas públicas que podem tornar a vida em sociedade
mais digna. É por isso que as questões envolvendo a administração tributária precisam ser bem
entendidas e tratadas com bastante cuidado.

Nesse sentido, o melhor funcionamento dos Fiscos sempre proporciona o crescimento da arrecadação,
em ambiente de justiça fiscal, e essa receita garante todos os serviços públicos imprescindíveis (saúde,
educação, mobilidade urbana, iluminação pública, limpeza urbana, dentre outros), bem como, o
cumprimento da legislação ligada à responsabilidade fiscal e das normas relativas à probidade,
governabilidade e elegibilidade. Até porque, pode ser que “vire moda” essa história de se tirar o chefe
do Poder Executivo por conta de algum artigo, parágrafo, inciso ou alínea dessa legislação fiscal.

E esse cuidado maior que se deve ter com a receita pública – mesmo já sendo exigível com mais força a
partir da publicação da LC 101 em 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal-LRF) – parece ter ficado ainda
mais nítido com as cenas do processo de impedimento (impeachment como ficou conhecido) da
Presidente Dilma.

No caso municipal e quanto à tributação, prefeitos e secretários precisam tomar muito cuidado com
certos artigos da LC 101 (LRF). O art.11, por exemplo, estabelece como requisito essencial de uma
gestão fiscal responsável a instituição, previsão, e efetiva arrecadação de todos os tributos da
competência tributária do Município, fixando, inclusive, em seu parágrafo único, uma sanção de
natureza financeira de não recebimento dos valores das transferências voluntárias (verbas
provenientes de convênios e programas sempre tão importantes para a administração pública local) no
caso de descumprimento da norma constante do artigo.

Observe-se, ainda, que o legislador reforçou duplamente o rigor da responsabilidade quanto à
tributação, na medida em que qualificou o substantivo “requisito” com o adjetivo “essencial” e o
substantivo “arrecadação” com o adjetivo “efetiva”. Ou seja, se “requisito” já é aquilo que se exige para se
conseguir ou se ter direito a alguma coisa, “requisito essencial” é algo que não pode ser dispensado de
forma alguma, é imprescindível mesmo.

Já a palavra “efetiva”, que qualifica “arrecadação”, robustece o sentido de ser obrigado o Município a
arrecadar efetivamente, em sua totalidade, em sua plenitude e não apenas formalmente como, por
exemplo, ocorre nos casos em que se lança o IPTU apenas repetindo lançamentos de vários anos
anteriores, com base em cadastros desatualizados e indicadores de cálculos provenientes de plantas
genéricas de valores incompletas, defasadas ou obsoletas.

E esse reforço aos cuidados com a arrecadação tributária diz respeito, também, à existência e ao bom
funcionamento dos quadros dos Fiscos. Já que a inexistência desses órgãos ou sua estruturação
e funcionamento insuficientes representam, da mesma forma, afronta ao que determina a LRF como
requisito de uma gestão fiscal responsável.

Ou seja, não possuir administração tributária organizada ou tê-la de modo insuficiente
ou desestruturado pode configurar irresponsabilidade na gestão da coisa pública. Naquilo que se
entende como “renúncia presumida de receita”, quando o Município “abre mão” de fiscalizar e arrecadar
e se transforma na “vítima nata” da evasão fiscal.

Esses possíveis descuidos com a receita pública podem trazer – somadas à sanção financeira de não
recebimento das transferências voluntárias, conforme já lembrada acima – consequências nos campos
político, administrativo, civil, eleitoral e penal. É que a própria LC 101 determina, em seu art.73, que as
infrações às normas nela dispostas serão punidas segundo a Lei 1.079 de 1950 (impedimento/perda do
mandato) em conjunto com o Decreto-Lei 201 de 1967, a Lei 8.429 de 1992 (Lei de Improbidade
Administrativa) e o Decreto-Lei 2.848 de 1940 (Código Penal).

No que trata da Lei 8.429 de 1992, por exemplo, seu art. 10, X diz que constitui ato de improbidade
administrativa agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda. Já o art.12 dessa Lei adiciona
às consequências administrativas, civis e penais, o obrigatório ressarcimento integral do dano.

Diante dessas preocupações, uma boa indicação inicial para se tentar acertar mais e em tempo mais
curto é a de se “descer do palanque”, ou melhor, aproximar-se ainda mais da realidade e conhecer, mais
profundamente, os cenários social e econômico local, regional e nacional, focando nas soluções e
evitando os mitos que prejudicam a análise, ofuscam as oportunidades e atrasam as tomadas de
decisões.

Nessa linha, pode-se aproveitar para ir descobrindo, nos primeiros 15 ou 20 dias, os gargalos e as
possibilidades de soluções, para que, durante o mandato, os avanços e as conquistas sejam alcançados.

Nessa fase inicial, servidores efetivos e de quadros específicos como os do Fisco – por conta da
bagagem técnica e da experiência acumulada – podem ajudar e muito.

Como o papel constitucional do Fisco é o de garantir os recursos necessários ao funcionamento do
Município e o momento atual é de dificuldades econômicas, uma boa e producente reunião com o
quadro de servidores da área é mesmo inadiável.

Nesse contato com o quadro, precisam ser conhecidas as condições de trabalho, as experiências dos
servidores e suas ideais para um Fisco mais atuante. Quais medidas resultarão em respostas positivas
nas finanças e em que tempo previsto. É a primeira oportunidade de se perguntar e responder: a) o
quê? b) como? c) quando? e d) quanto?

A realidade tem revelado que a adoção de medidas apenas pensadas por pessoas, até então, estranhas
ao quadro de servidores (secretários e assessores nomeados pelo prefeito) tendem a custar mais
recursos, energias e tempo para ser implementadas; quase nunca alcançam em bom percentual os
objetivos pretendidos; e, em muitos casos, resultam em retrabalhos e desperdícios facilmente evitáveis.

Muitas vezes, o importante fato de os cargos comissionados nomeados pelos prefeitos gozarem de sua
total confiança política e até de terem sido convidados por suas experiências no setor privado ou em
outras áreas do setor público, não garante, necessariamente, já somarem as condições técnicas e as
vivências específicas para um começo de atividades da forma como o chefe do Executivo espera e a
população precisa.

E essa questão, em matéria de tributos, costuma dar ainda mais prejuízos. Porque cada dia que se
espera para uma tomada de decisão ou para a prática de um ato administrativo representa um dia que
corre a favor da decadência tributária, que mata a possibilidade de o Fisco constituir o crédito
tributário (fazer nascer o direito de o Município arrecadar a receita pública).

E arrecadar é, sem sombra de dúvidas, a forma mais inteligente, humana e politicamente positiva de se
melhor conviver com fases de crises como a atual. Mais receita equilibra as contas públicas e mantém o
povo no orçamento. Porque pode até parecer bacana, e sugerir ideia de “seriedade” e “respeito” se
preferir cortar recursos, contingenciar verbas e sacrificar a prestação dos serviços, conforme tenta
dizer a mídia.

Mas, na verdade, na vida cotidiana das pessoas, o bom prefeito mesmo é aquele que entende ser a
fazenda pública um mecanismo de rápida passagem entre o que entra a título de tributos, que precisam
ser arrecadados com eficiência, e o que sai, com o devido zelo na execução do orçamento, para a
satisfação das necessidades da sociedade.

Essa arrecadação, já que é condição fundamental da existência e do funcionamento do Município, pode
contar com a colaboração de todas as secretarias: se vai contratar, procurar saber com o Fisco como
fazer para a venda do produto ou a prestação do serviço alimentarem o erário com tributos; se vai
planejar e executar política de desenvolvimento econômico, ver com o Fisco que arranjos produtivos
podem gerar mais receita e proporcionar mais inclusão social ao mesmo tempo; se precisará de espaços
em estabelecimentos para reuniões, eventos ou treinamentos, procurar saber com o Fisco que
empresas não têm impedimentos para serem contratadas, por estarem em dia com suas obrigações
tributárias.

Não se sabe ainda se trouxe alguma evolução o inconsistente giro linguístico que passou a chamar
prefeito de “gestor”. Prefeito, conforme determinam o ordenamento jurídico e a vida pública, é eleito
para cargo político e deve mesmo agir como político. Deve fazer a política com “P maiúsculo”, ter
elevada sensibilidade social e saber interpretar o que mais importa à população. Procurar identificar a
necessidade do povo, estabelecer prioridades de atuação, dar condições de trabalho à gestão e exigir
dos servidores as soluções rápidas e eficientes com base na boa técnica de cada área.

Há uns 20 anos ou mais, em uma entrevista com o governador de Pernambuco Miguel Arraes, em que
era perguntado sobre ser necessário candidatos a cargos públicos, seja no Executivo ou no Legislativo,
terem formação no ensino médio ou superior, ouviu-se dele uma sábia frase, conforme era sua marca a
sabedoria. A resposta foi mais ou menos assim: se fosse para se escolher, entre os candidatos, os mais
preparados intelectual e tecnicamente, não se faria eleição e sim concurso público.

Carlos Cardoso Filho é presidente da Federação Nacional dos Auditores e Fiscais de Tributos
Municipais – FENAFIM.

Saiba mais aqui.

Você também pode se interessar por:

Deixar um Comentário