A autuação por inadimplência – procedimento ainda adotado por muitas Administrações Tributárias municipais, apesar do que estabelecem os artigos 18 e 25 da Lei Complementar (LC) 123 e a Súmula 436 do STJ – finalmente vai acabar. Pelo menos em relação ao futuro Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
A Lei Complementar (LC) 214, primeira legislação que regulamenta a Reforma Tributária, estabelece, em diversos artigos de seu texto, que os atos declaratórios do sujeito passivo implicam confissão de dívida e constituem o crédito tributário. Isso significa que, a partir da declaração, o crédito tributário passa a ser exigível, permitindo ao Fisco iniciar o processo de cobrança, inclusive a inscrição em dívida ativa.
Essa mudança de paradigma, para muitos Municípios, impõe um reposicionamento na realização de auditorias e no monitoramento fiscal nas atribuições das Administrações Tributárias. Nesse novo cenário, a ciência de dados torna-se uma aliada estratégica. Trata-se de uma área multidisciplinar que reúne conhecimento em diversas áreas. Atualmente, é impensável qualquer processo de tomada de decisão desconectado da análise de dados.
A utilização da análise de dados no contexto de auditoria contábil tributária e a seleção de contribuintes são mais do que uma mera tendência; tratam-se de uma abordagem sólida e imprescindível para a otimização da fiscalização fazendária.
A capacidade de estruturação e análise de dados é potencializada pela sinergia entre um ambiente integrado de desenvolvimento na linguagem Python e as diversas bibliotecas de funcionalidades gratuitas, como Pandas, Sympy, NumPy, Matplotlib, Plotly, Seaborn e Statsmodels.
No centro da análise de dados está a estatística descritiva. Medidas de posição e dispersão podem indicar caminhos a serem seguidos. A média, a mediana, a moda, o desvio padrão e a variância desempenham um papel importante na identificação de comportamentos atípicos ou tendências enganosas nos registros fiscais. Tais medidas, quando aplicadas com maestria por meio das bibliotecas mencionadas, proporcionam uma visão holística das operações financeiras e tributárias de um contribuinte.
Lembramos que a moderna auditoria contábil tributária vai além do exame superficial de documentos; ela exige uma compreensão profunda dos padrões subjacentes aos dados. Nesse contexto, as bibliotecas NumPy e Pandas se destacam por oferecer ao usuário a possibilidade de tratar, limpar e estruturar os dados primários. Ou seja, essas ferramentas permitem aos auditores manipular, filtrar e consolidar informações, possibilitando uma análise mais precisa e detalhada das transações.
A visualização eficaz dos dados é um elemento-chave na compreensão dos cenários complexos de auditoria. Aqui, as bibliotecas Matplotlib, Plotly e Seaborn entram em cena, permitindo a criação de gráficos interativos, histogramas, gráficos de densidade, boxplot e muito mais. Através dessas representações visuais, os auditores podem identificar rapidamente padrões de distribuição, sazonalidades e até mesmo anomalias que poderiam passar despercebidas em análises puramente numéricas.
Contudo, a mera identificação de anomalias não é suficiente. É aqui que a estatística inferencial e preditiva assume um papel fundamental ao possibilitar a criação de modelos estatísticos sofisticados. Por meio de técnicas como regressão linear e machine learning é possível tanto identificar relações de causa e efeito entre diferentes variáveis, como também projetar comportamentos tributários futuros, fornecendo assim subsídios para a tomada de decisões estratégicas.
Vale ressaltar que a utilidade da análise estatística não se limita à auditoria, mas se estende também à seleção de contribuintes para fins de monitoramento, autorregularização e fiscalização. Recorrendo à análise de tendências e da identificação de “outliers”, as Administrações Tributárias podem otimizar a alocação de recursos, concentrando seus esforços nos contribuintes com maior risco de irregularidades.
E não poderíamos esquecer de falar do ContÁgil Lite, software desenvolvido pela Receita Federal que, além de possibilitar a automatização de processos manuais, também permite ao auditor uma análise visual da contabilidade do contribuinte, através do Gráfico de Fluxos Contábeis. Considero essa, hoje, uma ferramenta essencial para o corpo técnico das Administrações Tributárias. Por fim, é fundamental ressaltar que o sucesso na aplicação da análise de dados depende diretamente da capacitação dos profissionais envolvidos. É essencial que os servidores do Fisco possuam um entendimento sólido das nuances tributárias e sejam aptos a interpretar os dados e informações. Em outras palavras, o conhecimento desempenha um papel primordial. As ferramentas são meios para auxiliar o trabalho humano, e não um substituto.
Eduardo Ramos Loureiro:* Gerente de Fiscalização e Administração Tributária de Aracruz/ES. Segundo colocado na categoria Solução Fiscal do 28º Prêmio do Tesouro Nacional e duas vezes finalista do Prêmio Inoves. Programador culposo por circunstância, analista de dados por opção.