(Questão extraída do Livro “ITBI – Perguntas e Respostas”, deste autor)
Alguns comentários às Sociedades de Propósitos Específicos:
As Sociedades de Propósitos Específicos são comuns há muito tempo em vários países, como ocorre nos Estados Unidos, sendo tratadas como variação de uma joint venture, quando empresas ou pessoas físicas se reúnem para atuar em determinado negócio, ou cumprir um projeto específico. Em geral, as SPEs têm prazo determinado de cumprimento de sua atividade, sendo, então, extintas, mas é possível a prorrogação do tempo de sua existência, mediante alteração contratual.
O Parágrafo único do art. 981 do atual Código Civil permite que a atividade estabelecida em contrato de uma sociedade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.
Deste modo, em termos conceituais, a SPE é a sociedade cujo objeto social limita-se a um só fim específico, ou seja, a razão de sua existência é justamente o cumprimento desse propósito específico, findo o qual a mesma será extinta, pois a sua finalidade foi cumprida.
A SPE não difere das demais sociedades típicas, possuindo personalidade jurídica, escrituração contábil própria e todas as demais características comuns às empresas limitadas ou sociedades anônimas. Ao contrário dos consórcios, trata-se de uma sociedade patrimonial, podendo, portanto, adquirir bens móveis, imóveis e investir em participações. São, atualmente, muito utilizadas nas atividades de incorporação imobiliária, quando um sócio ingressa com o imóvel e outro sócio executa a obra.
Assim dizendo, resta claro que o fulcro da questão reside no objeto específico da SPE. Se este objeto social estiver relacionado à compra e venda de imóveis, locação imobiliária e arrendamento mercantil de imóveis evidencia-se uma exceção à regra imunitória estabelecida na Constituição Federal. O § 2º do art. 156 da CF dita o seguinte:
§ 2º – O imposto previsto no inciso II:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
Deve-se registrar que em nenhum momento a norma constitucional delegou à lei complementar poderes de disciplinar a regra prevista. Mas, ainda se cumpre exigência indicada na Emenda Constitucional n. 18, de 1965, ao tempo que o imposto era estadual. Apesar dessa aparente incoerência, as regras do CTN que definem a preponderância da atividade continuam em vigor.
Como foi visto, para que haja imunidade do ITBI, a atividade preponderante do adquirente não pode ser a compra e venda de bens ou direitos, a locação de bens imóveis ou o arrendamento imobiliário. Os termos do art. 37 do CTN são claros neste sentido.
Ora, por evidência cristalina, fala-se em preponderância quando o objeto social da pessoa jurídica conter objetos variados e de naturezas diversas. Surge daí a necessidade de aguardar tempo para calcular a preponderância. Contudo, quando a sociedade define clara e objetivamente sua finalidade, não há que falar em preponderância. A exemplificar: se o objeto social da empresa for ‘açougue’ e nada mais, por que examinar a preponderância se o negócio pretendido nada tem a ver com compra e venda de imóveis, suas locações ou arrendamentos? A imunidade está antecipadamente definida. Todavia, se o objeto social for ‘incorporação imobiliária’, ou ‘compra e venda de imóveis’, por que examinar a preponderância se o negócio identifica claramente a atividade imobiliária?
Pois bem, as Sociedades de Propósitos Específicos têm evidentemente propósitos específicos. Pode até o seu objeto social conter atividades paralelas ou atividades meio, mas não podem tais sociedades fugir da essencialidade prevista no seu objeto. Se assim fizer, já não será uma Sociedade de Propósito Específico.
Um modelo padrão de SPE com objeto de incorporação imobiliária:
Cláusula Segunda – A presente sociedade terá como objetivo social específico realizar o desenvolvimento e a implantação do empreendimento imobiliário a ser erigido no imóvel constituído pelos lotes nº ____, ____, ____, da quadra ____, do bairro _________, situados em ____________/___, e matriculados sob os nºs ________, ________, ________, respectivamente, perante o Cartório do ___ Ofício de Registro de Imóveis de ______________/___, compreendendo, inclusive, a compra e venda de imóveis próprios, podendo a Sociedade participar de outras sociedades na qualidade de quotista ou acionista.
No exemplo acima, verifica-se que a sociedade terá, também, como objetivo ‘participar de outras sociedades na qualidade de quotista ou acionista’. Ora, a participação prevista terá que ser direcionada ao seu propósito específico, isto é, participar em empreendimentos imobiliários, por ser esta a sua atividade própria. Caso contrário, a sociedade poderia ser confundida com uma ‘holding’ e não mais de propósito específico, conforme acentua a redação contratual.
Nada impede, no entanto, que o objeto social inclua, por exemplo, ‘estudo e elaboração de projeto construtivo’, ‘intermediação de financiamentos a mutuários’, ‘elaboração de cadastros’, ‘corretagem de imóveis’ e tantos outros serviços, mas todos inter-relacionados com o propósito maior. Portanto, seriam atividades meio e não atividades fins.
Neste teor, a recente decisão do STJ dirime a questão relativa às receitas provenientes de participações em outras sociedades:
(…)
6. A atividade preponderante se caracteriza quando mais de 50% da receita operacional da adquirente, nos dois anos anteriores e nos dois anos subsequentes à aquisição, decorre de transações imobiliárias, de modo que, quaisquer transações imobiliárias que gerem receitas à adquirente, próprias ou não, devem ser levadas em consideração para efeitos da análise da atividade preponderante, não se restringindo às transações realizadas pela própria adquirente.
7. Conforme constou da decisão recorrida, a fiscalização concluiu que em 2004 e 2005 mais de metade do faturamento da empresa, nos dois períodos, resultou de atividade imobiliária, além de, em 2006 e 2007, ter receitas preponderantes de participação no resultado de controladas, cujos objetivos sociais são as mesmas atividades impeditivas ao reconhecimento da imunidade.
8. Portanto, a atividade preponderante restou evidenciada, diretamente e mediante participação em empresas controladas, com atividades da mesma natureza, o que impede a concessão da imunidade.
REsp 1336827/RS – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJ 27/11/2015.
Deste modo, nos casos de SPEs instituídas com a finalidade de execução de projetos imobiliários, mesmo que o objeto social inclua atividades relacionadas ao objeto específico, inclusive participação em outras sociedades de mesma finalidade, torna-se totalmente dispensável aguardar prazo para avaliar a preponderância da receita se esta provém exclusivamente de transações imobiliárias. A cobrança do ITBI é incontinenti.
Autor: Roberto A. Tauil – Setembro de 2020.