A temática do transporte público, embora essencial para o entendimento da lógica do desenvolvimento urbano contemporâneo, pode ser também bastante polêmica, servindo por exemplo, de estopim para movimentos que antecederam um impeachment presidencial. Estando intimamente ligada à ideia de “direito à cidade”, essa temática concretiza-se como peça fundamental de discussão para a mobilidade urbana de pequenos, médios e grandes municípios.
Neste sentido, o transporte público foi alçado à categoria de direito social dos cidadãos em 2015, equiparando-se à moradia, saúde, educação, entre outros direitos fundamentais. Ainda assim, a grande maioria dos municípios enfrentam dificuldades para implementar um serviço minimamente qualificado, mesmo que custeado por meio do pagamento da passagem pelos usuários. Por outro lado, alguns países, como é o caso da Estônia, possuem transporte público gratuito em todo o território nacional. Importante também sinalizar que, no contexto nacional, quatorze cidades brasileiras garantem o benefício da gratuidade à sua população. Todavia, tratar da gratuidade completa do serviço é extremamente delicado e até mesmo pouco plausível no amplo contexto nacional.
O tema aqui no Brasil é muito polêmico, pois está sempre pautado em apenas dois vieses, os que acreditam que o serviço deve ser gratuito e a parcela que não enxerga a possibilidade de o poder público “pagar a conta”. Contudo, uma terceira via pode ser pensada, uma via que agregue alguém pagando a conta e a população tendo seu direito garantido.
A possibilidade de redução do valor da tarifa e até uma possível isenção varia de cidade para cidade, devido às diferenças estruturais e exploratórias, entretanto, em uma cidade média, do porte de Araraquara, interior de São Paulo, por exemplo, algumas medias poderiam ser tomadas nesse sentido, sendo elas: Maior taxação de Estacionamento Rotativo Municipal, pensando o transporte público no âmbito da mobilidade a partir do incentivo ativo de uma passagem mais barata ou até mesmo gratuita, custeada por aqueles que optarem por utilizar o transporte particular, que consequentemente pagarão o estacionamento rotativo e arcarão com a oneração de sua conveniência; Explorar economicamente os terminais de integração e baldeação, fomentando negócios adjacentes que em troca serão taxados pela sua localização privilegiada no fluxo populacional, além da venda de publicidade direcionada nos pontos de ônibus espalhados pela cidade; Cobrar diretamente das empresas que devem garantir o deslocamento de seus colaboradores de casa até o serviço, diminuindo os custos da estrutura de cobrança, bem como estrutura fiscalizatória e de operação desnecessárias e demais estruturas física e de pessoal dispendiosas que existem apenas para a atividade meio; Redução ou extinção do custo com Cobrador; Alternativas à frota própria, ou aos contratos de concessão, onde o poder público pode locar apenas os veículos e motoristas, por exemplo; Acordos com o comércio; Maior racionalização do serviço no geral, afim de promover maior eficiência na relação de recursos gastos/aproveitados, pensando na possibilidade do emprego de menos ônibus ou ônibus menores em linhas e horários de pouco movimento, entre outras práticas que podem ser aplicadas. Algumas dessas foram de sucesso em um trabalho que realizamos no ano de 2017, na região metropolitana de Belo Horizonte, onde o foco do foi reduzir custos para investimento em melhoria.
Além dessas medidas, outras ações indiretas trariam benefício, como a redução dos carros nas ruas, que além da questão ambiental, com a consequente diminuição do trânsito, os ônibus concluiriam o ciclo de forma mais rápida, evitando atrasos. A possibilidade de fazer com que as pessoas das regiões mais periféricas frequentem o centro das cidades com mais facilidade, contribui com o consumo e consequentemente o giro da economia que aquece a renda da cidade.
Claro que essas mudanças devem ser efetuadas com bastante cautela, pautada em um amplo diálogo e um excelente plano de gestão, estruturado a médio prazo, pois o conflito de interesses é muito grande, tanto por parte do poder público que não pode prejudicar nenhuma classe envolvida no processo, quanto pelas grandes transportadoras que geralmente detém este monopólio e carecem de alterações contratuais.
Enfim, esses instrumentos podem ser aplicados em sua totalidade, ou por partes, a depender da realidade de cada município. Além do mais, podem ser utilizados também para gerar recursos para investimento na ampliação e modernização da própria frota e linhas, para tornar contratos viáveis em época de pandemia e pouca circulação, ou ainda buscar apenas uma redução nos valores das tarifas ou isenção apenas para a parcela da população que não tem acesso à cidade, por ser mais socioeconomicamente vulnerável e morar em locais muitos periféricos.
Autor: Charles Vinícius é Administrador Público formado pela UNESP, Consultor em Gestão e Presidente do Sindicato dos Administradores de Araraquara.