Prisão provisória.

por Grupo Editores Blog.

Lendo sobre a decisão do STF que soltou José Dirceu me deparei com a manchete do Jornal ValorPrecedente aberto pode afetar 90 prisões. Em 2014 eu concluí meu mestrado na Fundação Getúlio Vargas cujo trabalho de conclusão foi: Aperfeiçoamento da política pública penal no Brasil: a inserção da audiência de custódia no processo penal, em coautoria com os amigos Diogo e Leandro. Resolvi reler o trabalho…

O clima de ódio e agressões que tomam as redes sociais está sendo a tônica para a tomada de decisão, mas ainda me assusto com a atuação intelectualmente desonesta de alguns. Além dos chiliques no FACEBOOK, me chamou a atenção um trecho da referida reportagem do Valor, publicada em 3 de maio. Em determinado momento a reportagem faz alusão a um post do procurador da Lava Jato em uma rede social, em que ele teria dito: a decisão do STF frustrou a esperança dos cidadãos ao dar espaço para que políticos presos há mais tempo que José Dirceu deixem a cadeia.

Pronto!!! A fagulha necessária para se instalar o clima de filme de bang-bang. Eu não entendo essa tara, quase que sexual, da imprensa em escolher mocinhos e bandidos e alimentar o cenário novelesco. Na verdade, entendo, trata-se de motivação puramente comercial e desprovida de qualquer ética profissional.

O cenário do sistema prisional do país é pavoroso quanto às garantias processuais. Apenas em São Paulo, 35% dos presos, cuja custódia é responsabilidade do Estado, não possuem condenação em definitivo(Dados de 2013). Em Estados como Sergipe, 78% da população carcerária sob guarda do Estado não tiveram condenação em definitivo. Esses dados fazem parte de uma análise macro em que não foi possível avaliar problemas outros na defesa desses presos pelos defensores públicos, entre outros.

Vale destacar que aos presos em prisão provisória não são extensíveis todos os direitos facultados aos que se encontram em regime fechado, como exemplo, não lhes é lícito a formulação de benefícios legais como progressão, livramento condicional, indulto e comutação de penas e é aqui que se encontra ponto fulcral da política pública analisada.

Outro dado alarmante é que mais de 80% dos presos em flagrante aguardam seu julgamento reclusos, em um país que a constituição só permite a prisão em casos especiais como ameaça à sociedade, risco de fuga, possibilidade de destruir provas. Outro dado, o julgamento deste preso leva, em média, 215 dias, ou seja, mais de sete meses para ter o primeiro contato com o juiz que determinará sua sentença em primeira instância. Isso quer dizer que se um indivíduo é preso em flagrante fumando maconha na rua poderá ficar preso, em média, sete meses.

Além disso, após julgamento, um percentual significativo de sentenças definem penas mais brandas que o regime fechado – regime semi-aberto, por exemplo – ou seja, o cidadão preso em flagrante cumpre em média sete meses em uma pena mais dura do que a justiça estipularia em um julgamento mais célere. Justiça? Mesmo??

Em relação a Lava Jato, em que pese o avanço institucional que demonstra a aplicação da lei indiscriminadamente a ricos e pobrespoderosos ou não, lançar mão de abusos não é justiça. Não é razoável que a replicação da lei em seus abusos “aos poderosos” seja tratado como  um avanço institucional, ao contrário, é a institucionalização de um estado autoritário, aplicando a máxima de que aos amigos tudo, aos inimigos, os rigores da lei.

A legislação penal brasileira é deveras garantista e deve ser modernizada para que torne o processo penal mais célere e reduza o poder discricionário do juiz. Óbvio que é ofensivo à sociedade centenas de milhares de presos (pobres) permanecerem encarcerados enquanto os poderosos, através do conhecimento do processo penal e de sua influência, conseguem sua soltura. A Folha de São Paulo aponta essa contradição em algumas reportagens do dia 3 de maio.

Entretanto, a discussão não pode ser pessoal ou reduzida ao tom novelesco proposto pela mídia. Não é porque uma injustiça reside na aplicação da lei para os mais pobres que sua aplicação aos mais ricos significará justiça social. Não é porque essa agenda só se tornou central agora que não existem grupos de interesse pressionando para revisá-las há muito tempo.

O clima do FACEBOOK tem determinado – infelizmente – as políticas públicas e a tomada de decisões enquanto entidades como o IDDD, Instituto Sou da Paz, DDH, a Rede de Justiça Criminal deveriam estar pautando e debatendo o tema, com a finalidade de sanar as injustiças do processo penal. Infelizmente, enquanto formos pautados pelo marketing das redes sociais, os justiceiros de plantão prevalecerão.

Autor:

Daniel Leão Bonatti
DLBONATTI@gmail.com

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