OS MUNICÍPIOS E A LC 175: PROVIDÊNCIAS PARA VIABILIZAR A EXIGÊNCIA DO ISS

por Grupo Editores Blog.

 

Contextualização:

A incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN ou ISS) nas atividades de planos de saúde, leasing, administração de fundos, de consórcios e de cartões, não é novidade. A previsão consta da Lista de Serviços anexa à LC 116/2003 desde a sua publicação original, conforme itens 4.22, 4.23, 5.09, 15.01 e 15.09[1]:

 

A LC 175 de 23 de setembro de 2020 veio efetivar mudança no critério espacial do imposto devido sobre os serviços listados, determinando que o produto da sua arrecadação seja direcionado ao município do domicílio do tomador.

 

A modificação do critério da origem para o destino já havia sido aprovada pela LC 157/2016, porém foi suspensa em março de 2018 por liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5835.

 

A nova lei tenta agora suprir as falhas que motivaram a suspensão da eficácia da medida. Para tanto, busca melhor delimitar o conceito de tomador dos serviços, permitindo o afastamento de dúvidas deixadas pela redação dos questionados dispositivos da LC 157/2016.

 

A alteração do critério, no entanto, não será imediata, observando regras de transição até o final de 2022. Somente a partir de 2023, o produto da arrecadação do ISS pertencerá integralmente ao Município do domicílio do tomador dos serviços, conforme incisos I a III do Art. 15 da LC 175:

 

Períodos de Apuração ocorridos em:

Município do Estabelecimento Prestador

Município do

Domicílio do Tomador

2020

100%

0%

2021

33,5%

66,5%

2022

15%

85%

2023

0%

100%

 

 

Qual o impacto da alteração do critério espacial nos termos aprovados pela LC 175/2020 para os Municípios?

 

Em termos de arrecadação, haverá uma redistribuição da receita do ISS entre os municípios, com redução para os municípios-sede dos prestadores dos serviços e crescimento para aqueles onde domiciliados os tomadores. Os mais beneficiados serão sem dúvida os menores, por não sediarem grandes prestadores de serviços de planos de saúde, arrendadoras e administradoras de cartões e fundos de investimentos.

 

Muitos municípios não têm hoje nenhuma arrecadação com estas atividades. É difícil, no entanto mensurar o tamanho do impacto financeiro. A CNM elaborou em 2017 uma estimativa com consulta individualizada por município, ainda disponível no endereço <https://www.cnm.org.br/index.php/institucional/iss_2017>.

 

Podemos analisar ainda que alguns municípios terão aumento da arrecadação em alguma(s) atividade(s) e perda em outra(s), reduzindo ou neutralizando os efeitos. É o caso dos polos regionais que usualmente sediam prestadores de serviços da área de planos de saúde para diversas cidades ao entorno, porém não têm em seus cadastros arrendadoras e administradoras de cartões, de consórcios e de fundos de investimento, empresas que usualmente estão sediadas em grandes capitais, as quais, certamente, serão as mais prejudicadas pela alteração no critério.

 

Para ficar mais claro, vejamos a definição de tomador dos serviços conforme a LC 175, que no Art. 14 inseriu ao Art. 3º da LC 116/2003 os §§ 5º ao 12, estabelecendo no primeiro uma regra geral, exceções e especificações nos demais. Segue quadro orientativo:

 

Item da Lista de Serviços

Tomador / Domicílio do Tomador

Art. 3º LC 116

4.22 – Planos de medicina de grupo ou individual e convênios (…);

4.23 – Outros planos de saúde (…);

TOMADOR = pessoa física beneficiária vinculada à operadora por meio de convênio ou contrato de plano de saúde individual, familiar, coletivo empresarial ou coletivo por adesão.

Nos casos em que houver dependentes vinculados ao titular do plano, será considerado apenas o domicílio do titular.

§§ 6º e 7º 

5.09 – Planos de atendimento e assistência médico-veterinária;

TOMADOR = o contratante do serviço.

 

§ 5º 

15.01 – Administração de fundos quaisquer, de consórcio, de cartão de crédito ou débito e congêneres, de carteira de clientes, de cheques pré-datados e congêneres;

CARTÕES 1. Serviços prestados diretamente aos portadores de cartões de crédito ou débito (anuidades e demais taxas cobradas dos usuários de cartões): TOMADOR = primeiro titular do cartão.

CARTÕES 2. Serviços relativos às transferências realizadas por meio de cartão de crédito ou débito prestados ao tomador, direta ou indiretamente, por: I – bandeiras; II – credenciadoras; ou III – emissoras de cartões de crédito e débito. TOMADOR = estabelecimento credenciado (pontos de venda (lojas) que efetuem vendas através de cartões de crédito ou débito)

FUNDOS E CLUBES DE INVESTIMENTO: Serviços de administração de carteira de valores mobiliários e dos serviços de administração e gestão de fundos e clubes de investimento. TOMADOR = cotista (pessoa física ou jurídica detentora de cotas de fundos e clubes de investimento)

CONSÓRCIOS: serviços de administração de consórcios. TOMADOR = consorciado (pessoa física ou jurídica detentora de cotas de consórcio).

§§ 8º, 9º, 10 e 11 

15.09 – Arrendamento mercantil (…)

TOMADOR = o arrendatário, pessoa física ou a unidade beneficiária da pessoa jurídica, domiciliado no País. Quando o arrendatário não for domiciliado no País, o tomador será o beneficiário do serviço no País.

§ 12 

LC 116 Art. 3º (…) § 5º Ressalvadas as exceções e especificações estabelecidas nos §§ 6º a 12 deste artigo, considera-se tomador dos serviços referidos nos incisos XXIII, XXIV e XXV do caput deste artigo o contratante do serviço e, no caso de negócio jurídico que envolva estipulação em favor de unidade da pessoa jurídica contratante, a unidade em favor da qual o serviço foi estipulado, sendo irrelevantes para caracterizá-la as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas.

 

Faz-se necessário então buscar respostas a algumas questões. Vamos a elas: De que forma está projetada a mudança? Quais as ferramentas criadas pela lei para a distribuição dos recursos?

 

Para viabilizar as mudanças, a LC 175/2020 adotou duas providências principais:

 

  • criou padrão nacional de obrigação acessória do ISSQN;
  • instituiu o Comitê Gestor das Obrigações Acessórias do ISSQN (CGOA), a quem compete, com o auxílio de grupo técnico que terá a participação de representantes dos contribuintes, regular a aplicação do padrão nacional, inclusive definindo o leiaute, o acesso e a forma de fornecimento das informações.

 

No padrão nacional de obrigação acessória do ISSQN, aplicável especificamente para os serviços em análise, o imposto será apurado pelo contribuinte e declarado por meio de sistema eletrônico de padrão unificado em todo o território nacional com as seguintes características:

 

  • será desenvolvido pelo contribuinte, individualmente ou em conjunto com outros contribuintes sujeitos às disposições da LC;
  • seguirá leiautes e padrões definidos pelo CGOA;
  • cada contribuinte acessará o sistema apenas em relação às suas próprias informações;
  • o contribuinte deverá franquear aos Municípios acesso mensal e gratuito ao sistema;
  • os municípios terão acesso ao sistema em relação às informações de suas respectivas competências;
  • na falta da declaração das informações relativas a determinado Município, o contribuinte ficará sujeito à multa prevista no município prejudicado.

 

O sistema projetado parece similar ao criado pelas instituições financeiras em parceria com o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) no pequeno período em que as mudanças da LC 157 estiveram em vigor. Na época o sistema foi chamado de Declaração Padronizada do ISS (DPI)[2].

 

 

O que o município pode/precisa fazer para se adequar à nova legislação e receber os recursos do ISS incidente sobre serviços tomados de planos de saúde, leasing, administração de fundos, de consórcios e de cartões.

Cabe aos municípios:

  1. Alteração da legislação com:
  2. a) previsão do novo critério quanto ao local de recolhimento do ISS. Embora a LC 175/2020 seja vigente e aplicável em âmbito nacional, o ISS é da competência municipal, portanto, as normas de incidência devem estar previstas na legislação de cada ente, sob pena de alegação de inexistência ou insuficiência da lei instituidora do tributo;
  3. b) a modificação deverá se preocupar especialmente em prever as alterações, acréscimos e revogações efetuadas na LC 116/2003 e que são repetidas nas leis municipais;
  4. c) em relação ao Comitê Gestor das Obrigações Acessórias do ISSQN (CGOA) não há o que a legislação municipal se ocupar, bem como sobre as regras do padrão nacional de obrigação acessória do ISSQN que será regulado pelo CGOA a partir da disciplina da lei nacional;
  5. d) poderá a lei municipal estabelecer multa específica pelo descumprimento da obrigação de declarar de acordo com as regras do padrão nacional e a definição de tomador dos serviços, considerando que a multa será aplicada pelo município prejudicado pela declaração incorreta (Art. 3º, Parágrafo único);
  6. e) conforme previsão do Art. 15 § 2º, o município do domicílio do tomador do serviço poderá atribuir às instituições financeiras arrecadadoras a obrigação de reter e de transferir ao município do estabelecimento prestador do serviço os valores correspondentes à respectiva participação no produto da arrecadação do ISSQN.
  7. Fornecer as informações seguintes diretamente no sistema eletrônico de padrão unificado, conforme definições do CGOA:

I – Alíquotas, conforme o período de vigência;

II – Arquivos da legislação vigente no Município que versem sobre os serviços;

III – Dados do domicílio bancário para recebimento do ISSQN.

Prazo: até o último dia do mês subsequente ao da disponibilização do sistema de cadastro (Art. 4º). Para esta ação deverão ser observadas orientações que serão emitidas pelo CGOA.

  1. Observar as seguintes vedações:
  2. a) imposição de qualquer outra obrigação acessória, inclusive inscrição nos cadastros municipais ou de licenças e alvarás de abertura de estabelecimentos para os prestadores dos serviços dos subitens 22, 4.23, 5.09, 15.01 e 15.09 não estabelecidos no território municipal;
  3. b) exigência de notas fiscais dos prestadores dos serviços dos subitens 15.01 e 15.09 (Art. 5º e 6º).
  4. Firmar convênio, ajuste ou protocolo observando as orientações do CGOA para fins da partilha do produto da arrecadação do ISSQN;
  5. Na ausência de convênio, ajuste ou protocolo o município do domicílio do tomador do serviço deverá transferir ao Município do local do estabelecimento prestador a parcela do imposto que lhe cabe até o 5º (quinto) dia útil seguinte ao seu recolhimento (Art. 15, § 1º).

A realização destas ações embasa a atuação das Administrações Tributárias Municipais para a adaptação de suas rotinas à mudança de critério da origem para o destino nos serviços de planos de saúde, leasing, administração de fundos, de consórcios e de cartões (subitens 4.22, 4.23, 5.09, 15.01 e 15.09 da Lista de Serviços) conforme aprovação da LC 175/2020.

 

Lembra-se que a nova legislação não é unanimidade, é alvo de diversas críticas e poderá a qualquer tempo ser objeto de novas ações judiciais, restando inclusive dúvidas sobre os suspensos dispositivos da LC 157, que não foram revogados.

 

Por outro lado, a instituição do padrão nacional de obrigações acessórias demandará a edição de normativas pelo CGOA, as quais os municípios deverão observar para dar efetividade às ações propostas.

 

[1] 4.22 – Planos de medicina de grupo ou individual e convênios para prestação de assistência médica, hospitalar, odontológica e congêneres; 4.23 – Outros planos de saúde que se cumpram através de serviços de terceiros contratados, credenciados, cooperados ou apenas pagos pelo operador do plano mediante indicação do beneficiário; 5.09 – Planos de atendimento e assistência médico-veterinária; 15.01 – Administração de fundos quaisquer, de consórcio, de cartão de crédito ou débito e congêneres, de carteira de clientes, de cheques pré-datados e congêneres; 15.09 – Arrendamento mercantil (leasing) de quaisquer bens, inclusive cessão de direitos e obrigações, substituição de garantia, alteração, cancelamento e registro de contrato, e demais serviços relacionados ao arrendamento mercantil (leasing).

[2] Para saber mais, acesse <https://www.cnm.org.br/index.php/biblioteca/exibe/3249> Acesso realizado em 25/09/2020.

 

Se desejar download modelo de PL, clique aqui.

 

Autora:

MÁRCIA ZILÁ LONGEM – Advogada, sócia da Longen & Nascimento Advogados Associados. Assessora de Tributação na Associação de Municípios do Médio Vale do Itajaí AMMVI. Consultora da empresa Gove Digital na área da tributação municipal.  Atuou durante vinte e um anos Auditora Fiscal Tributária do Município de Blumenau/SC na fiscalização e lançamento dos tributos municipais, elaboração de projetos de legislação tributária municipal, análise de consultas tributárias e demais processos e procedimentos pertinentes à Administração Tributária Municipal, integrando de 2002 a 2019 a estrutura do contencioso administrativo tributário como julgadora de processos, alternando entre Unidade de Julgamento Singular em primeira instância e Conselheira do Conselho Municipal de Contribuintes em segunda instância. Graduada em Direito e Ciências Econômicas. Pós-Graduada Gestão Pública; Gestão Tributária Municipal e Especialização lato sensu em Administração de Recursos Humanos. Autora de artigos publicados em revistas científicas. Palestrante em congressos e seminários na área de Administração Tributária Municipal.

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