O Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu, recentemente, duas decisões muito relevantes com relação à cobrança de ITBI pelos municípios brasileiros. Tais deliberações da Corte constitucional implicaram, por assim dizer, a redelimitação do campo dentro do qual o poder público pode exercer sua competência quanto ao mencionado tributo.
A primeira decisão, RE nº 796.376, alçado a Tema de Repercussão Geral sob o número 796, aborda o alcance da imunidade do ITBI nos casos de transmissão de bens imóveis em operações societárias. O STF entendeu que referido “benefício” não acoberta o valor que excede o limite do capital social a ser integralizado por meio de bens imóveis.
A segunda decisão, ARE nº 1.294.969, alçado a Tema de Repercussão Geral sob o número 1124, tratou de questão envolvendo o momento em que o ITBI é devido, ou seja, o seu fato gerador. Isso particularmente nas operações de cessão de direitos referentes a compromisso de compra e venda de imóvel. Mencionados julgamentos tendem a produzir efeitos práticos de alta relevância no âmbito das operações imobiliárias, conforme se passa a demonstrar.
Com relação à primeira decisão (imunidade tributária), a pretexto de resolver a questão central debatida no caso (valor dos bens que excede a quantia a ser integralizada a título de capital social), o STF foi muito além.
A Corte firmou entendimento de que a imunidade constitucional quanto ao aludido tributo só pode ser condicionada ao não exercício de atividade preponderantemente imobiliária em casos de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica. No que se refere, porém, às transferências de imóveis decorrentes de integralização de capital social em empresas, tal “restrição” não é aplicável.
Na prática, isso significa que, por exemplo, se uma empresa de atividade imobiliária já existente recebe bens imóveis a título de realização de capital; ou se o contribuinte decide criar uma empresa de atividade imobiliária e, para tanto, integraliza o capital social com bens imóveis, então, nessas hipóteses, há direito à imunidade tributária quanto ao ITBI.
E tal imunidade independe, frise-se, de análise da atividade preponderante da empresa que recebe os bens. Aqui o STF se posiciona claramente no sentido de que as leis municipais que, até hoje, majoritariamente, não reconheceram a imunidade de ITBI para as operações de integralização de capital social em pessoas jurídicas de atividade preponderantemente imobiliária estarão, a partir de agora, em conflito com o que preceitua a Constituição Federal.
Em outras palavras, poder-se-á sustentar a inconstitucionalidade destes dispositivos de lei municipal e questionar os atos administrativos de cobrança deste tributo nas operações de integralização de capital social.
Embora a Tese de Repercussão não tenha efeitos vinculantes imediatos à Administração Pública, todo órgão do Poder Judiciário que vier a receber o tema para apreciação deverá seguir este novo entendimento. Logo, a fim de evitar disputas judiciais desnecessárias, o precedente judicial tende a induzir mudança de comportamento por parte do poder público nesse tocante.
Ademais, atos normativos municipais, tais como o Parecer Normativo da Secretaria Municipal da Fazenda nº 1/2021, de São Paulo, que contrariarem tal entendimento devem ter sua aplicação afastada pelo Poder Judiciário.
Por outro lado, com relação à segunda decisão do STF (momento do fato gerador do ITBI), o tribunal reafirmou seu entendimento, aqui também em benefício do contribuinte. Veja-se que a decisão da Corte suprema foi no sentido de que é indevida a cobrança de ITBI nos casos de cessão de direitos de promessa de compra e venda não levada a registro na matrícula do imóvel. Segundo o STF, o fato gerador do aludido tributo somente ocorre com a efetiva transferência de direitos reais, a qual só se perfectibiliza mediante o registro.
Na prática, essa decisão produz, pelo menos, dois efeitos principais. O primeiro deles diz respeito à atuação dos oficiais de registro de imóveis e dos tabeliães. Ao realizarem atos tendentes à transmissão de imóveis, referidos agentes não deverão mais exigir que o adquirente prove ter recolhido e/ou recolha o ITBI relativamente às diversas cessões de direitos de promessa de compra e venda que antecederam à transmissão final do bem.
Como se sabe, essa prática de os oficiais de registro de imóveis e tabeliães exigirem a quitação do ITBI nesses casos é comum. Todavia, com a nova decisão do STF, tal exigência não deve mais ser aceita pelo contribuinte.
O segundo efeito que a referida decisão judicial tende a produzir é o seguinte: os contribuintes que pagaram o ITBI por ocasião de cessões de direitos de promessa de compra e venda não registrados podem, agora, pedir devolução do tributo recolhido indevidamente. Isso mediante requerimento administrativo ou, se o município se negar a restituir o tributo indevido, mediante demanda judicial. Vale destacar que o prazo para que tal pedido de restituição seja feito é, de acordo com o art. 168 do Código Tributário Nacional, de 5 (cinco) anos.
Por fim, em face dessas novas decisões judiciais, os municípios brasileiros terão de mudar de postura. O âmbito material dentro do qual eles poderão exigir o ITBI foi reduzido. Leis municipais deverão ser objeto de revisão. Isso para dar segurança jurídica ao servidor do município responsável pela apreciação do pedido de declaração de não incidência do tributo, sempre exigido para a celebração de escrituras públicas ou requerimento de registro de atos societários no Registro de Imóveis.
Da mesma forma, deverão ser revisados os atos normativos aplicáveis aos Cartórios, de tal modo que seus agentes se sintam seguros para não exigirem o recolhimento do ITBI. Agir diferentemente disso é descumprir o que o STF decidiu. Vale dizer, é agir ao contrário do que a CF/88 estabelece.