Foi publicada uma nova Decisão Normativa CAT nº 04, de 20.09.17[1] (Fisco Estadual Paulista) em que as autoridades fiscais estaduais de São Paulo confirmam o entendimento[2] de que, na visão deles, as operações que envolvem a utilização de software na nuvem (Saas) estão sujeitas à incidência do ICMS.
Essa Decisão foi editada em resposta à recente manifestação do Fisco municipal (por meio do Parecer Normativo No. 1/17) que classifica essas mesmas operações como um serviço de licenciamento de software sujeito ao ISS conforme previsão do item 1.05 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03.
Essas manifestações das autoridades fiscais estaduais e municipais acerca da interpretação e alcance das normas existentes são cada vez mais comuns e por um motivo simples.
O desenvolvimento do mercado e das novas tecnologias se dá em um ritmo cada vez mais intenso e essa evolução no formato em que os produtos e serviços são oferecidos ao público não é acompanhado na mesma velocidade pelo Poder Legislativo.
Como resultado, as situações descritas nas normas como hipóteses de incidência de determinados tributos, especialmente no caso do ICMS e do ISS, não mais refletem as operações que são realizadas no dia a dia pelas empresas e consumidores.
Não faz muito tempo, os softwares eram adquiridos nas prateleiras dos supermercados. Mais recentemente, o acesso aos programas de computador passou a se dar pela internet por meio da transferência direta para os computadores dos usuários. E cada vez mais tem crescido o volume de operações em que o acesso aos softwares se dá diretamente na “nuvem”, na modalidade chamada de Software as a Service (SaaS), sem que o consumidor tenha que sequer realizar o download do programa de computador.
A legislação, entretanto, não define a natureza jurídica dessas operações e SaaS e não explicita qual a tributação aplicável. Ao contratar o SaaS, o cliente utiliza o software por meio da internet, na “nuvem”, e paga um valor por esse uso. O fornecedor do Saas, por sua vez, é responsável pela manutenção de toda a estrutura necessária para que o software contratado possa ser utilizado (manutenção, atualização, suporte técnico, disponibilidade etc).
Essa operação deve ser tratada como uma venda de mercadoria tributada pelo ICMS ou como um serviço sujeito ao ISS?
É nesse contexto que manifestações como a Decisão Normativa CAT nº 4/17 e o Parecer Normativo nº 1/17 são editadas.
A Decisão Normativa CAT nº 4/17, se valendo da jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal em 1998, divide os softwares em software por encomenda e software de prateleira para afirmar que, com relação aos últimos, estamos diante de uma mercadoria comercializada em operações de natureza mercantil.
Na visão do Fisco estadual, o formato de comercialização dos softwares de prateleira (seja por meio físico ou em meio digital) não tem o condão de descaracterizar a natureza de produto desse tipo de software, que deve sempre ser tratado como uma mercadoria.
Ainda, as autoridades fiscais estaduais indicam que mesmo que a utilização do software se dê “na nuvem” por meio de internet, a natureza jurídica da operação é de comercialização de software pronto, sujeita, portanto, ao ICMS.
Apesar da Decisão Normativa esclarecer que o ICMS não será exigido nesses casos até que fique definido o local de ocorrência do fato gerador para determinação do estabelecimento responsável pelo pagamento do imposto, o Fisco Estadual foi claro ao se posicionar no sentido de que mesmo nos casos em que não há a transferência nem ao menos temporária de uma cópia do programa de computador ao usuário, as operações estão sujeitas à incidência do ICMS.
Antes disso, mas não muito tempo atrás, as autoridades fiscais municipais editaram o Parecer Normativo nº 1/17 para tratar da incidência do ISS sobre essas mesmas operações com softwares conhecidas como SaaS.
A posição das autoridades municipais de São Paulo manifestada por meio desse Parecer é de que as operações com softwares, qualquer que seja a forma de contratação e operacionalização, estarão sujeitas ao ISS no item já mencionado acima.
Além disso, no Parecer Normativo nº 1/17 há o reconhecimento da natureza híbrida da operação e da consequente possibilidade de fragmentação dos contratos para que parte da contratação esteja enquadrada nos itens 1.03 (“processamento, armazenamento ou hospedagem de dados, textos, imagens, vídeos, páginas eletrônicas, aplicativos e sistemas de informação, entre outros formatos, e congêneres”) e 1.07 (“suporte técnico em informática, inclusive instalação, configuração e manutenção de programas de computação e bancos de dados”) da Lista de Serviços.
Diante desses dois diplomas normativos fica evidente o conflito de posicionamento entre o Estado e o Município de São Paulo já que os dois entes entendem ter competência para cobrar tributos sobre as operações de SaaS.
Anos deverão se passar até que esse conflito seja solucionado por meio de manifestação do Poder Judiciário ou por meio da edição de nova legislação federal sobre o assunto.
E o contribuinte, no meio desse conflito, está em uma situação em que tem que optar por um dos dois caminhos e se preparar para uma futura, e praticamente certa, disputa com um dos entes federativos acerca da tributação aplicável.
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[1] DOE de 21.09.17.
[2] Essa mesma posição do Fisco estadual já havia sido manifestada por meio da Resposta à Consulta nº 15093/2017, de 18 de abril de 2017.
Autora:
Ana Carolina Carpinetti – Formada em Direito pela Universidade de São Paulo e mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogada associada de Pinheiro Neto Advogados.