O argumento de que a política precisa de mais gestores, menos políticos culminou em uma série de ações arbitrárias e, até mesmo, desumanas por parte de gestores públicos e pela população.
Gestão é uma atividade que impulsiona a organização em direção a seus objetivos e metas. Para que esses objetivos sejam alcançados, a gestão envolve a busca de sinergia entre os recursos financeiros, físicos e recursos humanos.
A gestão, de certa forma e como tem sido entendida pelo debate, parece estar voltada para dentro da organização, de forma que atenda um determinado nicho do mercado, tendo o fator externo como uma variável a mais para consolidação do planejamento. A matriz SWOT– instrumento de planejamento – por exemplo, auxilia o gestor a partir de suas forças e fraquezas, posicionar sua organização frente a oportunidades e ameaças no mercado.
O setor público, ao contrário, a gestão é um movimento de fora para dentro, pois, não há como definir o nicho de mercado do Estado para que atue em determinado segmento, apenas. Trata-se de uma organização que deverá trabalhar com a totalidade desse mercado.
Uma definição de objetivo como “acabar com a Cracolândia” poderia funcionar se o seu “nicho” de mercado fossem apenas os que assistem a miséria humana causada pelo crack. Ações de dispersão da concentração dos usuários de drogas desta ou daquela região apenas tornam menos visível o problema, em outras palavras, varre o problema para debaixo do tapete.
A administração pública, em geral, adotou, recentemente, o planejamento participativo como parte importante da definição da política pública. Esse instrumento permite a construção da gestão “de fora para dentro”, contemplando os diferentes impactados pela política pública.
Como não há “nicho de mercado” para o Estado, a identificação de todos atores impactados pela política pública não é óbvia. A política pública pode ter um público alvo, mas terá vários impactados, portanto, antes de definir a política pública, identificar esses atores que serão impactados pela ação do Estado é fundamental – e pré-requisito. Na sequência, a principal diferença para o mercado, é que haverá uma escolha dos que serão favorecidos pelo Estado e dos que “perderão”.
Geralmente uma política pública é um jogo de soma zero, seja na distribuição dos recursos orçamentários, seja na política per se. Para acusar um exemplo fácil sobre essa distinção, o uso obrigatório de bilhete único – ou similar – pode facilitar a vida do cidadão, mas poderá causar desemprego, afinal, milhares de cobradores se tornariam desnecessários. Neste exemplo, além da ação em benefício do “nicho” usuários de transporte público, ações realocação dos cobradores no mercado de trabalho é essencial.
O exemplo ajuda a ilustrar, mas não representa a realidade de uma política pública como o combate ao uso de drogas. Além dos públicos envolvidos – usuários, traficantes*, moradores dos bairros, população da cidade – teorias sobre o tratamento dos usuários divergem e o político tem que fazer uma opção.
A literatura de políticas públicas acusa maior sucesso em políticas de redução de danos, como era o programa de braços abertos, entretanto, a atual gestão paulistana e paulista tem aderido a tese do tratamento clínico. O debate está posto, a escolha parece ter sido feito pelos gestores, e, consequentemente, tem causado conflito com os remanescentes da gestão antiga e com os defensores de programas que apoiam a redução de danos.
Em suma, para cada ação do Estado, além dos interessados (stakeholders) ainda existem teses e opções de atuação do “gestor” que deverá contemplar e escolher perdedores e ganhadores.
Por fim, não se trata de ter um gestor a frente do poder executivo, precisa se de um político. O grande desafio dos dias de hoje não é identificar soluções para o problema, mas conciliar uma sociedade e gestores em prol de um objetivo. Precisamos entender que política não se trata de corrupção ou decidir sobre como os outros devem viver a partir de sua concepção de vida, mas tomar a decisão para que os outros possam viver bem a partir da concepção de vida de cada um.
*Tratar os traficantes como público é necessário para prever ações e reações às ações do governo.
Daniel Leão Bonatti
DLBONATTI@gmail.com