O Código Tributário Nacional – CTN – em seu artigo 156 indica as modalidades de extinção do Crédito Tributário, que são: pagamento, compensação, transação, remissão, prescrição, decadência, conversão de depósito em renda, pagamento antecipado, consignação em pagamento, decisão administrativa irreformável, decisão judicial e, por fim, a dação em pagamento de bens imóveis, esta última introduzida em 2001, por via da lei complementar federal nº 104.
A grande pergunta a ser feita é: o que seria a dação em pagamento de bens imóveis?
Antes de avançarmos, importante destacar que o direito tributário se serve de inúmeros conceitos de outros ramos do direito, em especial, privado, como forma de definir ou delimitar as competências tributárias, não podendo tais institutos ser modificados, devendo ser estudados e interpretados na acepção como é empregado no respectivo ramo (artigos 109 e 110 – CTN).
Segundo a doutrina especializada, o instituto da “dação em pagamento” assenta-se no direito das obrigações e provem do latim “datio in solutum”. Referida expressão exprime a possibilidade de o devedor realizar a quitação da obrigação com algo diverso daquilo que foi originariamente estabelecido. Em outras palavras, o credor aceita que o devedor substitua o objeto da prestação por coisa diversa. Exemplificativamente falando, permite que substitua o dinheiro por outra coisa ou bem.
Os estudiosos do direito tributário devem recordar que a obrigação tributária principal (art. 113, §1º – CTN) se traduz no dever de dar dinheiro ao poder público, por via dos tributos ou das multas, cuja satisfação não pode se dar por outros meios, posto que são obrigações pecuniárias compulsórias e que devem ser satisfeitas em dinheiro (pecúnia), sendo vedada sua quitação por via da entrega de bens ou serviços (art. 3º – CTN). Diante deste paradigma devem estar questionando sobre o que seria o instituto da “dação” e sobre sua regularidade, como forma de extinção do crédito tributário?
Antes de aprofundarmos a questão, vale lembrar que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 146, estabelece que cabe à lei complementar, de caráter nacional, dispor sobre normas gerais atinentes a tributação, cujo conteúdo se impõe aos entes políticos de forma inafastável. Na mesma linha, importa esclarecer que a lei federal nº 5.172/1966 (Código Tributário Nacional – CTN) é a lei complementar a que alude o artigo 146, retro mencionado, a qual, por força do artigo 34, §1º, Dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), foi recepcionada e elevada ao status de norma complementar.
Na qualidade de norma complementar de caráter geral, o CTN, em seu artigo 141, estabelece que o crédito tributário somente pode ser extinto por via de uma das hipóteses descritas no próprio CTN, no caso, aquelas previstas no artigo 156. Oportuno destacar que, originariamente, o CTN não previu a possibilidade da entrega de bens imóveis, como forma de satisfação do dever de dar dinheiro.
Em que pese a ausência de previsão legal, nos idos dos anos 90, os Entes Políticos (União, Estados, Distrito Federal ou Município), interpretando o escopo da competência tributária, assentado no bojo constitucional, legislaram e autorizaram os Sujeitos Passivos extinguirem o crédito tributário por via da entrega de bens imóveis (dação).
Dado seu caráter controvertido, especialmente por colidir com as disposições do CTN, o assunto foi parar às portas do Supremo Tribunal Federal (STF), o qual, ao julgar a Medida Cautelar na ADI 1.917, considerou inconstitucional a lei do Distrito Federal que permitia a dação em pagamento com bens móveis. Alegou-se, na ocasião, haver reserva de lei complementar, de caráter nacional/federal, para tratar das hipóteses de extinção do crédito tributário.
Em que pese a referida decisão, o STF ao apreciar outro caso semelhante, em sede da ADI 2.405-MC, decidiu em sentido inverso e considerou válida a lei do Estado do Rio Grande do Sul, a qual dispunha do instituto civil em epigrafe. Neste caso, o STF se posicionou pela possibilidade de o Estado-membro estabelecer regras específicas de quitação de seus próprios créditos tributários, ou seja, foi favorável à dação em pagamento com bens móveis, tese esta, defendida por doutrinadores à época.
Cabe ressalte que as referidas decisões foram em caráter precário, visto que apreciou pedidos de concessão de medidas cautelares ou de liminares. Todavia, quando a Suprema Corte apreciou o mérito da ADI 1.917, a decisão foi no sentido de que lei de determinado ente federado não pode estabelecer a dação em pagamento de bens imóveis, como forma de extinção do crédito tributário:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUICIONALIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LICITAÇÃO (CF, ART. 37, XXI). I – Lei ordinária distrital – pagamento de débitos tributários por meio de dação em pagamento.
II – Hipótese de criação de nova causa de extinção do crédito tributário. III – Ofensa ao princípio da licitação na aquisição de materiais pela administração pública. IV – Confirmação do julgamento cautelar em que se declarou a inconstitucionalidade da lei ordinária distrital 1.624/1997.
(STF, ADI 1.917/DF, Plenário, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Julgamento em 26/04/2007)
Disto resultou o entendimento que novas hipóteses de extinção do crédito tributário é matéria afeta à lei complementar nacional/federal, vedado aos Entes Políticos legislarem unilateralmente sobre o tema. Somente por via da alteração do CTN, por intermédio de outra lei complementar, poder-se-ia empregar o instituto da dação em pagamento de bens imóveis. Foi assim que, por via da LCF nº 104/2001, o referido instituto ingressou na seara tributária.
Contudo, importa destacar que da leitura do inciso XI, do art. 156, do CTN, há um pequeno detalhe ao final: há necessidade de que a implementação do aludido instituto deve ser por meio de lei especifica de cada ente. O que isso significa? Ora, cada ente tributante (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) que queira aceitar bens imóveis, como forma de pagamento de tributos, deve editar uma lei própria e específica, assim como ocorre com o instituo da transação (artigos 156, III e 171 – CTN). Em outras palavras, a mera previsão no Código Tributário não autoriza o emprego do instituto em comento, a exemplo do que ocorre com a prescrição e a decadência, cuja observância se impõe independente da vontade ou previsão legal especifica.
Eis o motivo pelo qual a União publicou a Lei n° 13.259, de 2016, a qual nunca foi aplicada, de acordo com a própria PGFN, por ausência de regulamentação. Se desejar ler a Lei n° 13.259, de 2016, clique aqui.
Recentemente a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), editou a Portaria nº 32, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que detalha em 11 artigos os procedimentos para esse tipo de operação, caso deseje ler a portaria na integra, clique aqui.
Apesar de a dação estar prevista na Lei n° 13.259, de 2016, nunca foi aplicada, de acordo com a própria PGFN, por ausência de regulamentação. Se desejar ler a Lei n° 13.259, de 2016, clique aqui.
A lei determina sem seu Art. 4º O crédito tributário inscrito em dívida ativa da União poderá ser extinto, nos termos do inciso XI do caput do art. 156 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, mediante dação em pagamento de bens imóveis, a critério do credor, na forma desta Lei, desde que atendidas condições descritas nessa lei.
Cumpre destacar que vários pedidos administrativos de contribuintes interessados em oferecer imóveis como forma de extinguir o débito fiscal têm sido negado, sob o argumento da ausência de critérios para a avaliação do bem.
De acordo com o artigo 5° da Portaria nº 32/PGFN, o devedor deverá apresentar requerimento de dação em pagamento em unidade da PGFN, acompanhado, dentre outros documentos, de laudo de avaliação elaborado por bancos oficiais – como Caixa Econômica Federal (CEF) -, no caso de imóveis urbanos, ou emitidos pelo Incra, para imóveis rurais.
Caso o débito esteja sendo discutido judicialmente (artigo 4º), o devedor será obrigado a desistir das ações judiciais que tenham por objeto os débitos que serão quitados. A PGFN vai disponibilizar na internet a relação de bens imóveis ofertados pelos devedores para consulta pelos órgãos públicos federais interessados.
Agora, ficam as indagações:
Será que essa forma de extinção do crédito tributário será disseminada Brasil afora?
Há interesse público na substituição da obrigação de entregar dinheiro pela dação de bem imóvel?
Qual o interesse público do Estado em amealhar bens imóveis, já que ele exerce uma atividade financeira, cujo escopo implica em captar recurso financeiro, gerir e aplicar na consecução das finalidades definidas no texto constitucional?
Ao receber um bem imóvel, por via da dação em pagamento, qual o custo que o poder público assumirá para mantê-lo ou levá-lo a leilão?
E será que haverá esses elementos de controle, conforme a PGFN apresentou em sua PORTARIA, para que essa forma de extinção não seja praticada com abusos pelo agente político de plantão?
Afinal, a avaliação do imóvel pode ser subjetiva se não houver regras claras para esse balizamento e principalmente agentes financeiros oficiais que possam auxiliar.
Autores: Miqueas Liborio de Jesus e Editon Volpi Gomes, Editores Blog.