Desde o início das culturas, o desenvolvimento de tecnologias molda sociedades e afeta a forma como indivíduos se relacionam. Não é exagero, portanto, dizer que o Direito, enquanto balizador de relações sociais, também se inclui nesse contexto de mudanças. Por sua vez, advogados, juízes, promotores e outros profissionais jurídicos, treinados para a resolução de adversidades e para a proposição de soluções aos conflitos cotidianos, enfrentam desafios tecnológicos no desenvolver de suas profissões. Entretanto, o momento é outro.
Atualmente, o desenvolvimento tecnológico é mais acelerado – e isso é notadamente desafiador. Se por um lado a tecnologia se expande enquanto ferramenta para a prática jurídica, por outro a mesma evolução cria rapidamente contextos que devem ser enfrentados por tais profissionais. Sendo assim, como se preparar para essa nova realidade.
A resposta, muitos diriam, poderá ser encontrada nas faculdades de Direito. Não é novidade que cursos jurídicos seguem o tradicional formato aluno-professor em sala de aula; algumas disciplinas ainda conseguem inovar com práticas dinâmicas, mas o ensino jurídico é composto, em sua grande maioria, por técnicas didáticas convencionais. Há uma diária e crescente urgência pela adequação das instituições à chamada “nova” profissão jurídica.
Mercado e academia demandam. Fala-se muito em competências do novo profissional e como o ensino do Direito não mais é capaz de preparar alunos para além das portas das universidades. Há algumas experiências, inclusive, de disciplinas completamente inovadoras (como técnicas de programação, por exemplo) que foram testadas – e aprovadas – por alunos e instituições tradicionais. Em paralelo, alguns professores reinventam-se utilizando ferramentas tecnológicas e métodos participativos. Logo, se há um tema que faz parte da agenda de qualquer educador atualmente é como incorporar o conhecimento tecnológico em sua grade curricular e proporcionar ao corpo discente uma melhor percepção da realidade.
O grande desafio, contudo, é outro. É relativamente fácil adaptar cursos de Direito à temática da tecnologia. Com um pouco de determinação e investimento, é possível trazer especialistas no tema, apostar na interdisciplinaridade e promover mudanças transversais em grades curriculares (trazer novas disciplinas e atualizar as tradicionais aos temas tecnológicos).
A grande questão é que a barreira é muito menos tecnológica do que se pensa.
O Direito se transformou, sim, mas muito menos do que as pessoas que o praticam. Conflitos geracionais e habilidades socioemocionais, por exemplo, são recorrências na profissão da atualidade que são pouco – ou nada – abordadas pelas instituições.
Os trabalhos de Michele DeStefano, professora da Universidade de Miami que enfrenta as questões da inovação no mercado jurídico há algum tempo, demonstram que as mudanças no perfil do profissional vão muito além da incorporação de novas habilidades. Ao propor a chamada “pirâmide das habilidades do advogado”, DeStefano coloca competências e conhecimentos jurídicos tecnológicos como importantes, mas abaixo de aspectos subjetivos como inteligência emocional, empatia, diversidade, entre outros.
O que DeStefano quer dizer é que, para além de conhecimento e competências – que até então eram as principais demandas aos profissionais do Direito, as subjetividades ganham um papel importantíssimo na formação destes novos operadores. Na ausência de características comportamentais, no jargão da atualidade chamadas de soft skills (ou competências suaves), é impossível se diferenciar na prática do Direito.
Seja para que um advogado possa entender os problemas do ponto de vista de um cliente, seja para um juiz julgar empaticamente uma demanda complexa, só para citar exemplos, o atual momento da profissão jurídica encontra desafios pouco tecnológicos e muito relacionados à humanidade e à pessoalidade.
No fim do dia, toda profissão envolve pessoas. E com o Direito, mesmo tão impactado pela tecnologia, não seria diferente.
O problema é que habilidades e competências não podem ser ensinadas – e sim desenvolvidas. É aí que se encontra o principal desafio dos cursos de Direito da atualidade, pois não há disciplina curricular que resolva questões comportamentais de uma turma inteira. Se são individualidades, como instituições podem atentar a cada aluno e ajudá-lo a desenvolver características tão sensíveis como tolerância a erros e empatia, por exemplo? Como corresponder às expectativas e ensinar o Direito a pessoas que já nasceram imersas na tecnologia (principalmente considerando que encontrarão, fora das faculdades, pessoas que não a viveram da mesma forma)?
A situação é agravada quando lembramos da existência de uma miríade de realidades enfrentadas pelos profissionais do Direito no Brasil – algo que é refletido, inclusive, nas diferentes realidades também enfrentadas pelas instituições. Algo em comum a toda essa diversidade, no entanto, é que todas envolvem o mesmo curso: bacharelado em Direito. Em outras palavras, temos as mesmas diretrizes e exigências para uma enorme gama de profissões que emergem do Direito e uma igualmente gigantesca variedade de perfis de instituições e professores.
O futuro das faculdades de Direito, no entanto, é individual. Ainda que a tecnologia tenha promovido uma colaboração e uma massiva evolução da profissão em conjunto, as respostas para os macroproblemas serão encontradas em microssoluções. Não adianta tentar buscar uma fórmula que prepare o melhor profissional para a atualidade – nem mesmo uma fórmula aplicável a todas as instituições, de maneira uniforme. Se grade curricular e ajustes metodológicos são importantes, está na adoção de uma visão humanizada, personalizada e empática a principal atualização que o ensino do Direito ainda não começou a praticar.
Fonte: Blog do Jota.