A lei 11.638/2007, disciplina à elaboração e divulgação de demonstrações financeiras. Essa legislação marca o início do processo de alinhamento das normas brasileiras de contabilidade às normas Internacionais de Contabilidade – IFRS.
A convergência tem como objetivos primordiais: convergência internacional das normas contábeis, com vistas a redução de custo na elaboração de relatórios contábeis, minimizar riscos e custo nas análises e decisões e reduzir o custo de capital; centralização na emissão de normas dessa natureza, visto que no Brasil, diversas entidades o fazem; representação e processo democráticos na produção dessas informações (produtores da informação contábil, auditor, usuário, intermediário, academia, governo).
O elemento fundamental de todo esse processo, resumidamente, seria auxiliar aos destinatários das demonstrações financeiras uma maior comparabilidade dos números das empresas estabelecidas no Brasil com aquelas sediadas no exterior, por via da equivalência das bases das informações contábeis.
Importante, neste ponto, destacar que cabe ao Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), órgão autônomo e formado por membros indicados por diversas entidades (ABRASCA; APIMEC NACIONAL; BOVESPA; Conselho Federal de Contabilidade; FIPECAFI; e IBRACON), nos termos da Resolução Resolução CFC nº 1.055/05:
[…] o estudo, o preparo e a emissão de Pronunciamentos Técnicos sobre procedimentos de Contabilidade e a divulgação de informações dessa natureza, para permitir a emissão de normas pela entidade reguladora brasileira, visando à centralização e uniformização do seu processo de produção, levando sempre em conta a convergência da Contabilidade Brasileira aos padrões internacionais.
Exemplificativamente, tem-se os seguinte pronunciamentos técnicos contábeis, emitidos pelo referido Comitê: CPC 00 – Estrutura Conceitual para Elaboração e Divulgação de Relatório Contábil-Financeiro; CPC 01 – Redução ao Valor Recuperável de Ativos; CPC 02 – Efeitos das Mudanças nas Taxas de Câmbio e Conversão de Demonstrações Contábeis; CPC 03 – Demonstração dos Fluxos de Caixa entre outros.
Com vista à convergência, um dos princípios alterados com esse alinhamento é o da prevalência da essência sobre a forma – como meio de prestigiar a real intenção dos agentes em detrimento do instrumento utilizado – tornou-se um verdadeiro paradigma para a contabilidade brasileira. A nova legislação contábil ascendeu uma luz que antes era pouco percebida ou exigida na escrituração contábil brasileira, no que se refere a necessidade de se obter dados reais através das demonstrações financeiras, com o propósito de agilizar e facilitar o processo decisório nas empresas ou entidades.
A primazia da essência sobre a forma se traduz num princípio basilar, cujo escopo é demonstrar dados mais próximos à realidade, ou seja, torna os demonstrativos contábeis e financeiros iguais com o propósito de demonstrar a realidade econômica das empresas, facilitando a gestão e a tomada de decisão, não se preocupando em meramente demonstrar sua “forma legal” (aspectos legais).
Em que pese este novel paradigma os Fiscos brasileiros tem caminhado em sentido oposto. Sejam na esfera federal, estadual ou municipal, há resistência às mudanças estabelecidas pelas normas contábeis internacionais, principalmente pelo receio da redução de sua arrecadação.
Sob este paradigma, uma pergunta há de ser feita: Pode o aspecto tributário permanecer desalinhado com as novas normas contábeis? Certamente que não, Prezado Leitor.
É preciso relembrar que alguns conceitos contábeis são bases fundamentais para o fenômeno da tributação e devem caminhar alinhados às normas de incidência tributária. Exemplificativamente falando, a receita de uma empresa é fundamental para cálculo de diversos tributos como PIS, COFINS, IRPJ e CSLL, assim como no regime tributário do Simples Nacional, o qual envolve na sistemática de apuração o ICMS e o ISSQN que são administrados pelos Estados e Municípios, respectivamente.
E entre os inúmeros pronunciamentos técnicos há o CPC 47, que trata de receita de contrato com cliente. Este CPC entrou em vigor em 01.01.2018, e estabelece uma série de normas sobre o reconhecimento de receitas, precipuamente sobre o momento de seu reconhecimento. A norma contábil impõe o reconhecimento da receita no momento em que houver o controle do ativo pelo cliente e destaca a necessidade de separar a receita de acordo com a obrigação de desempenho.
Há diversas legislações federais, por exemplo, a Lei nº 12.973/2014, que trata dos reflexos das novas normas contábeis nos tributos federais, sendo certo que aplica, para determinados casos, a neutralidade tributária e, para outros, regulamenta a incidência tributária de acordo com os novos preceitos contábeis. Porém, nas esferas estaduais e municipais não há o mesmo movimento de adequação das normas contábeis àquelas de ordem tributária. Esta inércia impõe uma série de dúvidas ao contribuinte e gera insegurança jurídica.
Com isso, as prescrições do CPC 47, principalmente aquelas decorrentes da separação das obrigações de desempenho, podem acirrar a guerra fiscal entre Estados e Municípios. Algumas operações nas quais a receita era reconhecida de acordo com a entrega da operação principal e a natureza desta dava ensejo à competência tributária do ente federativo, passaram a ser reconhecidas a cada obrigação de desempenho. Sob essa ótica, a natureza de cada uma das obrigações de desempenho pode ser entendida como um fato isolado e dar ensejo à incidência ora do ICMS e ora do ISSQN.
A pessoa jurídica deve reconhecer receita sempre que cumprir a obrigação estipulada no contrato firmado com o cliente ou quando fizer a tradição completa do bem?
Dúvidas como essa, nos leva a tentar compreender que a entrega do bem pode ser feita de uma única vez e, consequentemente, o reconhecimento de receita refletirá apenas um lançamento contábil, ou pode se dar por meio de entregas contínuas, hipótese em que o reconhecimento de receita deverá ser feito em cada uma das etapas em que ocorrer o cumprimento da obrigação de desempenho.
Mas como deve ocorrer o reconhecimento da obrigação de desempenho? Essa é uma grande questão.
A separação por obrigação de desempenho, para uma grande maioria de contratos, o reconhecimento individualizado de receita não traz qualquer dificuldade, como, por exemplo, na venda de um carro por uma Concessionária. Neste caso, o reconhecimento da receita ocorre com a entrega da mercadoria para o cliente, normalmente coincidente com a emissão da nota fiscal, o que faz incidir o ICMS. Porém, para outras operações de maior complexidade, o reconhecimento de receita não é tarefa fácil e implica em uma maior dedicação do profissional contábil. Nestes casos, uma operação de compra e venda ou de prestação de serviços pode conter mais de uma operação que se traduz em obrigação principal.
As operações que comportam o “fatiamento” do objeto do contrato em várias obrigações de desempenho, a norma contábil determina o reconhecimento da receita a cada operação entregue ao cliente. Assim, sempre que o cliente possa usufruir do bem ou do serviço independentemente do outro ainda não ter recebido, e ambos – serviço e bem – possam ser identificados separadamente no contrato, restará identificada individualmente a obrigação de desempenho.
Neste aspecto é que a nova regra de reconhecimento de receita poderá trazer consequências danosas ao contribuinte, pois o dito “fatiamento” de receita implicará no reconhecimento de operações que, isoladamente, são fatos geradores de tributos distintos (ICMS ou ISSQN).
As inovações trazidas pelo CPC 47 fomentam à guerra fiscal entre Estados e Municípios, uma vez que as operações continuadas restarão sujeitas ao julgo das autoridades tributantes, as quais poderão exigir tributos em operações cuja competência tributária seja de outro ente federativo.
A chave para a aplicação do CPC 47 está na interpretação do contrato de venda e compra de mercadorias ou prestação de serviços. Por essa razão, uma especial atenção na redação de suas cláusulas pode ser um bom começo para mitigar a insegurança jurídica da guerra fiscal entre Estados e Municípios.
A redação de cláusulas diretas e sem detalhamento excessivo evitará, na maioria das vezes, a identificação de diversas obrigações de desempenho, o que evitará que operações acessórias se sobressaiam à operação principal. Para tanto, a assistência de um profissional do Direito capacitado será crucial para percorrer os meandros causados pelo CPC 47.
O pronunciamento contábil 47 entrou em vigor 01.01.2018 e todas as empresas devem, a partir desta data, reconhecer suas receitas de acordo com a obrigação de desempenho. Os Estados e Municípios estarão ávidos a incrementar suas receitas com as transações contabilizadas de forma individualizada.
Vamos aguardar as cenas dos próximos capítulos!
Autores: Editores do Blog.