Corrupção e desenvolvimento sustentável: o mundo acompanha o retrocesso no Brasil

por Grupo Editores Blog.

 

Enquanto quase 200 países se reúnem no Fórum Político de Alto Nível da ONU para mostrar seus avanços em relação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável[1] e ao controle da pandemia, a CPI da Covid no Senado Federal segue expondo meandros do modus operandi do governo federal que chamam cada vez mais atenção na comunidade internacional. Depois de ter gasto apenas 9% do orçamento destinado à pandemia em 2020, agora o próprio presidente se encontra mergulhado em escandalosas negociações de compra de vacinas, um esquema de corrupção que sapateia sobre mais de meio milhão de pessoas perdidas para o caos instalado no país.

 

As evidências públicas do desmantelo nacional reforçam as denúncias feitas pelas organizações da sociedade civil em diversos fóruns e não é por acaso que crescem as tensões nas relações externas, políticas e comerciais do país, tendência que se intensifica na medida em que o Brasil, além de desacreditado, torna-se um ambiente inseguro para negócios, com governança cada vez mais opaca e incapaz de responder à pandemia e ao conjunto de crises que enfrenta.

 

O compromisso que o Brasil assinou na ONU prevê, em seu Objetivo 16, a promoção do Estado de Direito, a redução substancial da corrupção e do suborno em todas as suas formas, o desenvolvimento de instituições eficazes, responsáveis e transparentes, a tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis e o acesso público à informação e proteção às liberdades fundamentais. E, em todos esses quesitos, o Brasil retrocedeu gravemente, como mostrará o V Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Agenda 2030 no Brasil, do GT Agenda 2030, no dia 12 de julho, às 10h, em audiência pública no Congresso Nacional.

 

O Relatório, único documento que analisa o status nacional frente à Agenda 2030, apresenta a fotografia de um país cada vez mais distante do desenvolvimento sustentável. Aqui quase todos os mecanismos que viabilizavam o funcionamento das instâncias de controle social e o arcabouço de participação da sociedade civil nos processos de formulação, implementação, acompanhamento e fiscalização de políticas públicas, foram enfraquecidos ou eliminados com a edição do Decreto 9.759/2019 que extinguiu, inclusive, a própria Comissão Nacional dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), criada em 2016 no governo Michel Temer.

 

Tais estruturas são pilares da democracia participativa e o país vinha, notadamente desde Fernando Henrique Cardoso, avançando via políticas e práticas que nos tornaram referencial para o mundo. Isso explica por que, até bem pouco tempo, não aventávamos a possibilidade de uma norma como essa que também revogou o Decreto 8.243/2014, instituidor da Política Nacional de Participação Social (PNPS) e que afetou todas as políticas publicas nacionais. Esses fatos são gravíssimos diante de uma Constituição que garante a participação popular (parágrafo único do art. 1º; art. 194, inciso VII) e, para a comunidade internacional, também diante da Agenda 2030 que reforça a participação social no ODS 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes e em várias das suas metas.

 

Outros retrocessos brasileiros apontados no Relatório Luz 2021 são a baixa transparência e a ausência de dados, que comprometem tanto o acesso público à informação quanto a própria análise e formulação de políticas eficazes, colocando em xeque o ODS 16 como um todo. Além disso, também impacta no controle social, já que o processo de monitoramento dos três  poderes, seja em esfera municipal, estadual ou federal, depende do acesso aos dados, atividades e orçamentos, o que vem sendo sistemática e estrategicamente destruído pelo governo Bolsonaro, por exemplo, com a desregulamentação dos sistemas de fiscalização ambiental, violações da Lei de Acesso à Informação, o cancelamento e posterior corte drástico nos recursos do censo demográfico e os problemas na base de dados do Sistema Único de Saúde (SUS).

 

Uma arquitetura de dados e informações acessíveis à população e às instituições de pesquisa é parte fundamental do Estado democrático de direito e é gravíssimo que no Brasil o governo persiga cientistas, negue evidências e que, quando cobrado por profissionais da imprensa, responda de forma abusiva e violenta.

 

E, finalmente, no contexto internacional, pesam e muito os retrocessos brasileiros no combate à corrupção, um tema cada vez mais tensionado na esfera global. A esse respeito, em um seminário realizado recentemente pela Frente Parlamentar Mista de Apoio aos ODS e pelo GT Agenda 2030, o pesquisador Fernando Forattini mostrou como a corrupção afeta a sociedade de forma integral e é ela mesma a maior responsável por mortes no mundo, depois das guerras, num ciclo vicioso que gera, na população, um sentimento de injustiça e impunibilidade e que leva à descrença na Justiça, nas instituições como um todo.

 

Assim, além de intensificar a narrativa de que, para acabar com a corrupção, não é preciso deslegitimar o Congresso, o Executivo, tampouco o Judiciário, o discurso anticorrupção deveria ser propositivo e reforçar a importância do papel das instituições democráticas, exatamente o oposto do que vem acontecendo no Brasil. Como frisou Barbara Krysttal, gestora de políticas públicas, no referido evento, temos um verdadeiro arsenal de ferramentas tecnológicas modernas e eficientes que podem ser utilizadas em todas as etapas de controle interno (auditoria, controladoria, ouvidoria e corregedoria) e em todas as fases das políticas públicas, não apenas no ciclo final, quando se busca identificar culpados.

 

Evidentemente, a corrupção é assunto complexo, mas precisa ser enfrentado de maneira responsável. E, ao lado do controle interno, o controle social ajuda nessa tarefa e por isso precisa ser restabelecido de forma plena, por meio da participação social legítima em colegiados e do acesso transparente aos dados governamentais. Não porque precisamos nos apresentar melhor frente à comunidade internacional no que diz respeito ao ODS 16, mas porque não há outra maneira de retomarmos o caminho de desenvolvimento sustentável que o Brasil parece estar abandonando, como mostra o Relatório Luz 2021 a ser divulgado na semana que vem.

 

Referência

[1]  Os ODS são o plano operativo da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, pactuada em 2015 por 193 países-membros da Organização nas Nações Unidas (ONU), incluindo o Brasil, que liderou a construção da Resolução A/70/2015, não por acaso completamente alinhada aos princípios da Constituição Federal de 1988.

 

Fonte: https://congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/opiniao/corrupcao-e-desenvolvimento-sustentavel-o-mundo-acompanha-o-retrocesso-no-brasil/

 

Alessandra Nilo (@AlessaNilo) é co-fundadora e Coordenadora Geral da Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero, ONG criada em 1993, em Recife (PE). É jornalista, especializada em Saúde, com pós-graduação em Diplomacia e acompanhou ativamente toda a negociação da Agenda 2030.

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