Uma lei para ser válida tem que possuir eficácia. Pode até ter sido aprovada com todos os requisitos indispensáveis à sua validade, mas, não tendo efeito eficaz, tal validade se perde, pois não tem condições sólidas de pertencer ao Sistema Jurídico. Este é um raciocínio ousado e atrevido da minha parte. Os nossos grandes mestres não chegam a tirar tal conclusão, assim, de forma tão radical, porém, em termos práticos, aproximam-se dessa definição.
O Professor Paulo de Barros de Carvalho estuda a eficácia da lei sob três ângulos: eficácia jurídica; eficácia técnica; e eficácia social. Perde eficácia jurídica quando se traduz numa autêntica impossibilidade lógico-semântica a realização do seu fato jurídico, na conformidade de norma vigente, sem que se propaguem os efeitos correspectivos, segundo explicação do mestre. Perde eficácia técnica quando o preceito jurídico não puder juridicizar o evento, inibindo-se o desencadeamento de seus efeitos, ou pela falta de outras regras de igual ou inferior hierarquia, ou, ao contrário, na hipótese de existir no ordenamento outra norma inibidora de sua incidência. Perde eficácia social quando a comunidade não responde aos mandamentos de uma ordem jurídica historicamente dada. Não sendo seguida pelos destinatários, não satisfaz os anseios e as expectativas do legislador. “Toda vez que a conduta estipulada pela norma for reiteradamente descumprida, frustrar-se-ão as expectativas, inexistindo eficácia social”, explica o emérito Professor.
Segundo Hans Kelsen, citado por Souto Maior Borges, “a eficácia do direito quer dizer que os homens se comportam na forma em que, de acordo com as normas jurídicas, devem comportar-se, ou seja, que as normas são realmente aplicadas e obedecidas. Enquanto a validade é uma qualidade do direito, a eficácia e uma qualidade da conduta real dos homens e não como parece sugerir o uso linguístico, uma qualidade do próprio direito”. No seu clássico livro, “Lei Complementar Tributária”, José Souto Maior Borges assevera que “a lei pode ser, valer e não ter eficácia”.
Mas, mesmo assim, apesar da posição contrária dos grandes mestres, minha modesta opinião é de que lei ineficaz perde sua validade, ou melhor, lei sem eficácia é inconstitucional ou sofre de ilegalidade por condição jurídica, técnica ou social, seguindo a tríade de condições do Professor Paulo de Barros Carvalho. Se for condição jurídica, é inconstitucional; se for condição técnica, a regra é ilegal ou contém vício insanável até que se ajuste a um novo modelo; se for condição social, pode ser inconstitucional ou sofrer de vício insanável.
Lei ineficaz é canhão sem bala. De nada serve, a não ser incomodar pela presença em razão de sua deselegante figura, a ocupar um espaço que não deveria ocupar. Lei ineficaz é o elefante branco do arcabouço jurídico.
Esse breve introdutório sobre a eficácia das leis torna-se necessário para ajudar na elucidação de questão tão intrincada como é o local de incidência do ISS em relação aos serviços prestados nas atividades de cartão de crédito ou de débito.
Vamos trabalhar esse assunto tentando aplicar a lógica do detetive Hercule Poirot: seguir com método e tentando usar as células cinzentas que ainda insistem em sobreviver no meu cérebro.
Os prestadores de serviços de cartão de crédito/débito
Os serviços relacionados com cartões eletrônicos de crédito ou débito são prestados por um conjunto de prestadores, cada qual executando a sua parte, e sem essa união de esforços o resultado prático do serviço restaria incompleto. Observe: somente pelo conjunto de prestadores a obrigação de fazer é adimplida. Tal afirmativa é de extrema importância, a dizer que um só prestador nada cumpriria para o serviço ter sucesso. Um prestador precisa de outro, pois os serviços são encadeados, cada um executando sua parte.
Dentre tais prestadores, citam-se os principais:
A – Administradora ou Operadora:
É a pessoa jurídica que credencia Estabelecimentos Comerciais para aceitação dos cartões como meios eletrônicos de pagamento na aquisição de bens ou serviços e que disponibiliza soluções tecnológicas e meios que permitam a conexão aos sistemas dos Estabelecimentos Comerciais, para fins de captura e liquidação das transações efetuadas por meio dos cartões.
B – Emissor:
É o responsável pela emissão do cartão. São os bancos e as empresas prestadoras de serviços que emitem e gerenciam o cartão de crédito/débito. O emissor é quem, de fato, financia o crédito do cartão e, portanto, estabelece a taxa de juros, assim como os limites de crédito. O Emissor não deixa de ser o administrador de controle dos usuários de cartões.
C – Bandeira:
É a pessoa jurídica que oferece a organização e normas operacionais necessárias ao funcionamento do sistema de cartão. A bandeira licencia o uso de sua logomarca para cada um dos Emissores e Operadoras, a qual está indicada nos Estabelecimentos Comerciais e impressa nos respectivos cartões, e viabiliza a liquidação dos eventos financeiros decorrentes do uso dos cartões e a expansão da rede de Estabelecimentos Comerciais no País e no exterior.
Esses três seriam os principais prestadores do serviço de cartão de crédito/débito, mas não os únicos. Temos, também, o Banco destinatário (onde serão depositados os valores dos Estabelecimentos), empresas de manutenção dos terminais, as processadoras (empresas que detêm os sistemas e processam as operações em nome das Administradoras ou Operadoras), locadoras de terminais, seguradoras, empresas de marketing e tantas outras.
Ao que importa ao presente artigo, centralizaremos nossa discussão em torno dos prestadores: Banco Emissor, Operadora e Bandeira.
Volta-se ao tema já batido: de nada adianta a Operadora credenciar Estabelecimento se não houver portador de cartão emitido pelo Banco Emissor. E vice-versa. De nada adianta cartão emitido sem que haja operacionalidade de funcionamento do sistema de cartão, serviço prestado pela Bandeira. Em suma, estamos tratando de serviços solidários e tal fato não pode ser esquecido quando concluirmos sobre a incidência do ISS.
Os tomadores (adquirentes) dos serviços de cartão de crédito/débito
Os principais tomadores de tais serviços são:
A – O usuário ou portador do cartão, podendo ser pessoa jurídica ou física;
B – O Estabelecimento, ou seja, o ponto comercial ou de serviço que efetua vendas ou presta serviços aceitando cartão de crédito/débito como meio de pagamento, podendo o seu titular ser pessoa jurídica ou física. E não esquecer que, atualmente, temos “maquinetas móveis”, não fixadas no Estabelecimento, podendo circular até o local onde o cliente estiver e ali aplicar o seu cartão. E, também, os aplicativos instalados em aparelhos celulares.
Os serviços prestados
A – Contrato Banco Emissor x Portador do cartão
Trata-se de contrato de adesão, pelo qual uma pessoa física ou jurídica adere ao chamado Sistema de Cartões do Banco Emissor. O responsável pela liberação do cartão é o Banco Emissor, a quem compete a análise do cadastro da pessoa que receberá o cartão e, também, a liberação de um limite de crédito para uso do portador.
O Conselho Monetário Nacional permite que os Bancos Emissores possam cobrar dos portadores as seguintes tarifas de serviços:
Anuidade;
Segunda via do Cartão;
Saque em terminal eletrônico;
Pagamentos de contas;
Avaliação emergencial do limite de crédito.
A contabilização dessas receitas é feita nas seguintes contas:
COSIF – 7.1.7.99.00-3 – Rendas de Outros Serviços
Nomenclatura usual:
Emissão e renovação de cartão magnético;
Cartão salário – emissão/manutenção;
Cartão múltiplo adicional – internacional – confecção de cartão
Cartão múltiplo adicional – nacional – confecção de cartão;
Cartão múltiplo – confecção de cartão para débito, saque e consulta;
Cartão múltiplo – anuidade do contrato;
Renovação de Cartão Magnético – Tarifa – Registrar as receitas de tarifas pela emissão e/ou renovação de cartões magnéticos, que constituam renda efetiva da instituição.
Ainda decorrente de cartão de crédito, podemos ter:
7.1.7.95.00-7 – RENDAS DE TARIFAS BANCÁRIAS – PF
7.1.7.95.01-4 – Confecção de Cadastro
7.1.7.95.02-1 – Renovação de Cadastro
7.1.7.95.03-8 – Fornecimento de 2ª Via de Cartão Magnético com Função de Débito
7.1.7.95.04-5 – Fornecimento de 2ª Via de Cartão Magnético de Conta de Poupança
7.1.7.95.13-1 – Fornecimento de Extrato Mensal ou de Período
7.1.7.98.00-4 – RENDAS DE TARIFAS BANCÁRIAS – PJ
7.1.7.98.01-1 – Cadastro.
Em geral, as tarifas de tais serviços já são tributadas pelo ISS, isso no Município onde estiver localizada a agência do Banco Emissor que aprovou a emissão do cartão. Todavia, o Banco Emissor repassa um percentual das receitas de tarifas cobradas dos usuários a favor da Operadora. Esse percentual é de, mais ou menos, 48%. E a Operadora, por sua vez, repassa também um percentual (geralmente, 4%) a favor da Bandeira, pela cessão de direito de uso da logomarca. Em termos gerais, temos, então: 48% pertencente ao Banco Emissor; 48% pertencente à Operadora; e 4% pertencente à Bandeira.
Aspecto importante: se o Banco Emissor repassa como custo as parcelas da Operadora e da Bandeira, deve recolher o ISS pelo valor total recebido em tarifas (custo não se deduz da base de cálculo do ISS). Ocorre, porém, que é comum o Banco lançar como sua receita somente o valor líquido, sem recolher, assim, o ISS da parcela repassada.
B – Contrato Operadora x Estabelecimento
Através de um contrato de adesão, o Estabelecimento contrata a Operadora para que esta administre as liquidações dos pagamentos efetuados por meio de cartão eletrônico, além de ser o agente de integração do Banco Emissor no sistema, para que este realize a cobrança nas contas bancárias dos respectivos portadores dos cartões.
A prestação de tais serviços é remunerada pela cobrança das seguintes tarifas:
I – Taxa de Comissão, em função do volume de negócios efetuados com cartões eletrônicos;
II – Taxa de Cadastro, no início e nas atualizações;
III – Taxa de afiliação/anuidade, na adesão e anualmente;
IV – Taxa por inatividade, quando ficar três meses sem operar;
V – Taxa de emissão e envio de extrato em papel;
VI – Taxa de emissão de documento em segunda via;
VII – Taxa de conectividade, pela conexão de cada terminal (mensal);
VIII – Taxa de liquidação dos valores das transações no domicílio bancário (sobre cada liquidação);
IX – Taxas operacionais, por qualquer controle anormal ou extraordinário nas transações efetuadas.
E temos também o pagamento da locação pela posse e uso dos terminais instalados no Estabelecimento. Pode ter, também, um contrato de manutenção das máquinas com uma empresa do grupo da operadora, sendo este o que chamaríamos de ‘serviço terceirizado’.
O percentual da Taxa de Comissão oscila bastante, a depender da importância do Estabelecimento. Gira em torno de 0,5% a 5% do valor total auferido nas operações com cartão.
C – Contrato Banco Emissor x Estabelecimento
Algo que pode passar despercebido é o vínculo obrigacional existente entre o Estabelecimento e o Banco Emissor. O contrato de adesão entre Operadora e Estabelecimento estende a contratação do Emissor do cartão pelo Estabelecimento, para que aquele realize a cobrança do valor da transação junto ao portador. Como comprovação de tal relação, abaixo a cláusula 18ª do contrato de adesão de uma das mais importantes Operadoras do país:
Cláusula 18ª – O ESTABELECIMENTO reconhece que a sua adesão ao SISTEMA (XXX) implica na contratação da (Operadora) para administrar a liquidação, e também na contratação do EMISSOR do CARTÃO para que este realize a cobrança do valor da TRANSAÇÃO junto ao PORTADOR, devendo tal valor ser repassado ao ESTABELECIMENTO no prazo acordado com a (Operadora), desde que a TRANSAÇÃO tenha sido realizada de acordo com este CONTRATO, e depois de deduzidas a COMISSÃO, taxas e encargos aplicáveis.
Parágrafo Primeiro – Quando do recebimento pelo EMISSOR do valor da TRANSAÇÃO em pagamento do valor devido pelo PORTADOR, o EMISSOR poderá deduzir e reter a parte que lhe for aplicável da quantia correspondente à COMISSÃO.
Verifica-se que o Estabelecimento também contrata o Banco Emissor para que realize a cobrança junto ao portador, efetuando o débito correspondente na conta bancária do seu cliente. Neste sentido, o Emissor pode efetuar o débito na conta do portador e repassar ao Estabelecimento o valor da transação, porém, já deduzida da Taxa de Comissão e outras tarifas e encargos, inclusive o aluguel dos equipamentos terminais.
A Cláusula 25ª do mesmo Contrato registra o seguinte:
Cláusula 25ª – Em decorrência da afiliação e serviços previstos no CONTRATO, o ESTABELECIMENTO pagará uma COMISSÃO, da qual uma parte remunerará os serviços prestados pelo EMISSOR do respectivo CARTÃO ou MEIO DE PAGAMENTO e a outra parte remunerará os serviços prestados pela (Operadora).
Parágrafo Único – O valor da COMISSÃO será abatido automaticamente do valor bruto da TRANSAÇÃO e poderá ser diferente em função do tipo de TRANSAÇÃO, tipo de MEIO DE PAGAMENTO, segmento de atuação do ESTABELECIMENTO, e/ou forma de captura de dados, se eletrônica ou manual (maquineta).
Sendo assim, a remuneração do serviço, mediante o pagamento da Taxa de Comissão, já é abatido automaticamente do valor bruto da transação. Ou seja, o Estabelecimento recebe o valor líquido, aspecto importante no estudo da possibilidade de determinar a retenção do ISS pelo Estabelecimento. Se o recebimento já vem deduzido do valor relativo ao pagamento do serviço, impossível seria a retenção do imposto na fonte pagadora, levando em conta o sistema operacional atualmente adotado.
Não vamos tratar aqui do Contrato de Cessão de Recebíveis entre o Estabelecimento, a Operadora e o Banco Destinatário, pois o assunto não diz respeito ao ISS de cartão de crédito/débito.
Temos, então, em resumo o seguinte ‘modus operandi’ dos principais atores nos negócios de cartão de crédito/débito:
Operadora
A Operadora recebe remuneração, chamada Comissão, ou “taxa de desconto” (% sobre o valor dos negócios efetuados), e determinadas tarifas. O valor é recebido através do Banco Emissor, Instituição que detém uma parcela para si própria. A taxa de desconto ou Comissão é debitada do valor a receber pelo Estabelecimento, que, assim, já recebe um valor líquido. Recebe, também, do Banco Emissor um percentual das tarifas cobrados dos portadores de cartão, e um valor de locação dos terminais, além das tarifas já mencionadas.
Banco Emissor
Além da parcela da taxa de desconto (Comissão), o Banco (emissor) recebe dos usuários remuneração sobre a emissão, uso e renovações do cartão. Deste valor, remunera a operadora (mediante um percentual do recebido).
Bandeira
Recebe um percentual de 4% relativo ao valor da taxa de desconto (Comissão), relativo à cessão de direito de uso da sua logomarca. Pagamento efetuado pela Operadora, mas deduzido da receita do Estabelecimento, pois o valor está englobado no percentual previamente acertado com o Estabelecimento.
Enquadramento na lista de serviço da Lei Complementar n. 116/03
Receita da Operadora:
Subitem 15.01 – Administração de fundos quaisquer, de consórcios, de cartão de crédito ou débito e congêneres, de carteira de clientes, de cheques pré-datados e congêneres (grifamos).
Discute-se a tributação pelo ISS em relação à locação das maquinetas. Na verdade, o subitem 15.03 descreve minuciosamente tal serviço como tributável, conforme se vê:
“15.03 – Locação e manutenção de cofres particulares, de terminais eletrônicos, de terminais de atendimento e de bens e equipamentos em geral (grifamos)”.
Receita do Banco Emissor:
Além de parcela relativa à Taxa de Desconto, ou Comissão, temos as tarifas inseridas no subitem 15.14: “Fornecimento, emissão, reemissão, renovação e manutenção de cartão magnético, cartão de crédito, cartão de débito, cartão salário e congêneres”.
Receita da Bandeira:
Enquadra-se no subitem 3.02 – “Cessão de direito de uso de marcas e de sinais de propaganda”. Cabe lembrar decisão do STF sobre a matéria:
“A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento a agravo regimental em reclamação na qual se alegava não ser devido o Imposto sobre Prestação de Serviço (ISS) sobre contratos de cessão de direito de uso de marca. Reputou-se que a decisão paradigma invocada na reclamação não abrangeria o auto de infração cuja manutenção e inscrição na dívida ativa seria o ato reclamado. A Turma concluiu que, por se tratar de cessão de direito sobre uso de marca, não poderia ser considerada locação de bens móveis, mas serviço autônomo, como previsto na Lei Complementar nº 116/2003. Assim, não haveria a incidência da Súmula Vinculante 31, que estabelece ser “inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis.””
(Fonte: STF, em 9/3/2011).
O local de incidência do ISS
A Lei Complementar n. 157/2016 promoveu importantes alterações na Lei Complementar n. 116/2003. Ao que nos interessa ao assunto presente, vamos observar o seguinte:
“Art. 3º. O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXIII, quando o imposto será devido no local:
(…)
XXII – do domicílio do tomador do serviço no caso dos serviços prestados pelas administradoras de cartão de crédito ou débito e demais descritos no subitem 15.01”;
Diz ainda:
“§ 4o No caso dos serviços prestados pelas administradoras de cartão de crédito e débito, descritos no subitem 15.01, os terminais eletrônicos ou as máquinas das operações efetivadas deverão ser registrados no local do domicílio do tomador do serviço”.
No caso dos serviços descritos no subitem 15.01, quando se referir a cartões de crédito/débito, o tomador do serviço é o Estabelecimento. Sendo assim, conforme descreve a lei, o ISS será devido no Município onde estiver localizado o Estabelecimento tomador do serviço. A redação disposta no § 4º acima descrito é uma tentativa de tornar eficaz a regra estabelecida, a imaginar o legislador que tudo se revolve através do registro dos terminais e maquinetas no Fisco do Município local.
A questão é muito mais intrincada. Exemplo: o Município A, de pequeno porte, tem dois mil Estabelecimentos que aceitam cartões de crédito como forma de pagamento de suas operações. O Fisco local fez o serviço de casa: criou uma obrigação acessória (dever instrumental) e os Estabelecimentos inscreveram os seus terminais na Fazenda Municipal. Além disso, o Fisco foi além: exigiu a entrega de cópia dos extratos mensais fornecidos pelas Operadoras aos Estabelecimentos, através dos quais toma conhecimento do montante de operações e o valor da Taxa de Desconto deles debitado. O Fisco tem assim a base de cálculo da Taxa de Desconto, ou Comissão. Até aí, tudo bem, mas, e agora? Como cobrar da Operadora se esta não tem estabelecimento de nenhuma espécie naquele Município? E a parcela do Banco Emissor e da Bandeira? Como lançar e cobrar?
Provável solução está prevista em lei: atribuir a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador, a responsabilidade pelo crédito tributário. Ou seja, atribuir ao Estabelecimento a posição de Responsável pelo pagamento do imposto. Tal responsabilidade poderia ser meramente de retenção na fonte pagadora, ou de substituição.
Ocorre que, como já visto, o Estabelecimento recebe o valor líquido, com a parcela da Taxa de Desconto já deduzida. Neste aspecto, merece atenção os termos do art. 123 do Código Tributário Nacional:
“Art. 123 Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes”.
Ao comentar este artigo, o ilustre Sacha Calmon Navarro Coêlho diz o seguinte: “O que predica este artigo – com dose adequada de pragmatismo – senão o que se disse nesse exato momento? Expressa ele a ideia de que os particulares podem pactuar o que quiserem, mas que jamais poderão elidir contratualmente o dever de pagar tributos na qualidade de sujeitos passivos diretos ou indiretos”.
O grande mestre Aliomar Baleeiro comenta o seguinte: “Ninguém se escusa às prestações decorrentes de obrigação tributária, indicando pacto celebrado para substituir-se por outrem. Nenhuma convenção entre particulares pode ser oposta ao Fisco para modificar a definição do sujeito passivo”.
No presente caso, na verdade, a intenção das partes não foi a de modificar o sujeito passivo, mas a operacionalidade aplicada parece impedir que o Fisco local possa lançar e cobrar o imposto do prestador, isto é, da Operadora. Neste sentido, lei municipal deveria atribuir a responsabilidade ao Estabelecimento e que o contrato seja alterado, a permitir que o Estabelecimento possa repassar ao Fisco o tributo devido pela Operadora.
Há, porém, mais uma questão a ser resolvida: a parcela da Taxa de Desconto auferida pelo Banco Emissor e pela Bandeira. Neste caso, talvez o único caminho fosse a lei municipal estabelecer expressamente a solidariedade entre a Operadora, Emissor e Bandeira, pois os três se encontram no mesmo polo da relação jurídica, sem esquecer que os três têm interesse comum na situação que constitui o fato gerador.
Constituída a solidariedade, poderia o Fisco Municipal cobrar da Operadora o imposto devido pelos três.
Bem, de qualquer modo, não há dúvida que o dispositivo contido na Lei Complementar n. 157/2016 sofre de patente ineficácia. Esta pode até ser resolvida por meio da legislação municipal e das tentativas de reparar o dano. Mas que o assunto será decidido pela Justiça, não temos dúvida.
Autor: Roberto A. Tauil – Setembro de 2020. (publicado originalmente em Setembro de 2017).