A reforma tributária de Modi.

por Grupo Editores Blog.

A entrada em vigor do “Good and Service Tax” (GST) no início de julho é mais um passo do governo de Narendra Modi na concentração de recursos e de poder no governo central da Índia.

 

Trata-se um imposto sobre valor adicionado típico, com incidência nas sucessivas fases da produção e que permite a cada contribuinte abater, do seu imposto a pagar, o imposto embutido no preço que ele próprio pagou ao comprar os produtos que beneficiou ou distribuiu.

 

Uma vantagem do tributo é transformar o contribuinte potencial de cada etapa em interessado direto no cumprimento das regras tributárias para abater o tributo pago na etapa anterior do seu próprio imposto a pagar.

 

O Brasil foi um dos primeiros países a implantá-lo, na reforma de 1966. O caso brasileiro iria mostrar, porém, a complexidade desse tipo de tributo em países federativos, pelo problema de distribuir os créditos entre etapas ocorridas em diferentes unidades federadas, com o direito que essas unidades julgam possuir de estabelecer a alíquota das etapas realizadas em seus limites. São conhecidos nossos problemas de multiplicidade de regras, guerra fiscal e ineficiência.

 

A longa experiência com o IVA pelo mundo gerou consensos sobre a simplificação desse sistema, de forma a aumentar sua eficiência, e sobre como contornar os problemas de competência tributária entre governo central e unidades subnacionais.

 

O IVA indiano acompanha algumas dessas recomendações ao instituir dois tributos, cobrados de forma simultânea: um, da União, incide em transações entre Estados; e outro, dos Estados, ligado a transações internas dentro dos limites estaduais. Espera-se reduzir os custos de arrecadação e unificar a legislação a ser observada pelas empresas.

 

Outro ponto relevante é o princípio do destino, a cobrança final no local de consumo, o que reduz os riscos de “guerra fiscal”. Os Estados produtores receberão uma transferência por dois anos para compensar suas perdas.

 

Em outros aspectos, o GST indiano se afasta das recomendações gerais. Foram criados seis níveis de tarifas, desde isenção para bens essenciais, como grãos e vegetais, até 28% para bens de luxo, sendo que em alguns desses casos pode haver taxação adicional para compensar possíveis perdas dos Estados nos bens de consumo de massa.

 

A dispersão de tarifas aumenta o custo de arrecadação e de fiscalização, pelo incentivo a manipular a classificação de atividades e produtos, e abre espaço para distorções, mas é justificada pelo governo para permitir isenções e redução de preços de diversos itens. É o caso dos combustíveis, tema sensível na Índia devido à forte dependência de importação de petróleo e ao uso ainda intenso de lenha em regiões rurais.

 

Em paralelo com a reforma monetária, a unificação tributária procura reduzir a informalidade, a baixa utilização do sistema bancário, a facilidade no uso de dinheiro para financiamento de atividades terroristas e a escassez de recursos do governo central.

 

Propostas de reforma do complexo sistema tributário da Índia são discutidas há mais de trinta anos. A criação do IVA foi decidida em 2005, mas ficou a cargo de cada Estado, o que não permitiu eliminar os tributos “em cascata” ao longo da cadeia produtiva.

 

A proposta de unificar as tarifas enfrentou grande resistência dos Estados, principalmente daqueles com grandes programas sociais e influentes partidos regionais, como Tamil Nadu e Kerala, pelo peso da tributação indireta na composição de seus recursos. Modi apelou para sua popularidade e jogou com a maioria que conseguiu na Lok Sabha, a Câmara baixa, o que facilitou a obtenção de acordos com partidos regionais.

 

A partir de 2016 e 2017, Modi conseguiu aprovar os mecanismos jurídicos para a introdução do GST, inclusive a internalização jurídica pelos Estados (com exceção da Caxemira). A aprovação desses instrumentos vinha sendo protelada nos governos anteriores pela forte oposição, muitas vezes comandada pelo BJP, partido de Modi, que ainda como ministro chefe de Gujarat se mostrava contrário à proposta.

 

Para muitos analistas, o GST será um marco para a economia indiana e acrescentará dois pontos percentuais ao crescimento anual do PIB. O otimismo considera a redução das imensas filas de caminhões nas divisas entre Estados, a elevação da arrecadação tributária, a redução da informalidade e o aumento da segurança dos negócios, já que todas as empresas deverão ser cadastradas em um sistema eletrônico simplificado.

 

A celeridade na introdução do projeto, contudo, gerou reclamações de falta de tempo para as empresas se prepararem adequadamente para mudança dessa magnitude.

 

A implantação do GST ocorre na sequência da reforma monetária do início de 2017, anunciada menos de sessenta dias antes, que determinou a troca compulsória das cédulas de rúpias mais utilizadas.

 

Apesar dos vaticínios de caos econômico, pelas dimensões gigantescas do processo, a troca se realizou sem tumultos e parece ter atingido seus objetivos, ao menos no essencial, embora haja controvérsias sobre a extensão do impacto negativo que teria causado sobre atividades muito dependentes de pagamentos com moeda manual.

 

Nos dois casos fica evidente a persistência de Modi em modernizar e fortalecer a gestão econômica da Índia. A maior concentração de capacidade fiscal no governo central quer aprimorar o federalismo complexo que constituiu o país desde a Independência. Além disso, e em paralelo com a reforma monetária, a unificação tributária procura reduzir problemas como a informalidade, a baixa utilização do sistema bancário, a facilidade no uso de dinheiro para financiamento de atividades terroristas e a escassez de recursos do governo central para os ambiciosos planos de desenvolvimento do país.

 

Críticos apontam que Modi deveria liberalizar a legislação trabalhista e privatizar empresas e bancos antes de medidas como essas, de forma a reduzir o que chamam de ineficiência do Estado. A direção parece ser outra, mais “asiática”:modernizar e aumentar a eficiência de um Estado grande, em um momento em que a Índia está empenhada em aumentar sua presença diplomática na Ásia e no mundo.

 

Autores:

 

João Paulo Nicolini Gabriel é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (PUCSP, Unesp e Unicamp).

 

Carlos Eduardo Carvalho é professor da PUCSP, departamento de Economia e Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas.

Você também pode se interessar por:

Deixar um Comentário