A INSTITUIÇÃO DE ESTADO DE CALAMIDADE OU SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA NO MUNICÍPIO.

por Grupo Editores Blog.

 

O tema está em voga e serve para uma boa prosa entre nós, os confinados.

Para início de conversa, a Constituição Federal não trata de forma direta do estado de calamidade e situação de emergência. A Constituição prevê tão somente o Estado de Defesa (art. 136) e o Estado de sítio (art. 137).

Todavia, o art. 21, XVIII, atribui à União a competência de “planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações”. Neste sentido, nada a estranhar que o assunto seja regulado por decreto da União.

Ainda tratando da Constituição, ao examinar os termos do art. 136, a decretação do Estado de Defesa pode ocorrer por dois motivos:

I – a existência de grave e iminente instabilidade institucional que ameace a ordem pública ou a paz social;

II – a manifestação de calamidade de grandes proporções na natureza, que atinjam a ordem pública ou a paz social.

O inciso II deixa claro que não seria qualquer calamidade a motivar a decretação do Estado de Defesa. Teria que ser em tal proporção que viesse a causar grave perturbação à ordem pública ou à ordem social. A sua decretação seria uma medida de exceção com o propósito de restabelecer a ordem pública ou a paz social. Ou seja, o objetivo seria o de solucionar o efeito, e não a causa.

Vamos nefastamente supor uma tragédia de um terremoto violento, cujo resultado provoque graves transtornos à ordem pública (saques, invasões, conflitos). O decreto teria por objetivo reprimir a violência e trazer de volta a ordem pública.

Instituir o Estado de Defesa não precisa de lei; faz-se por decreto do Presidente da República. E tal medida cabe somente ao Presidente da República. Os Governadores e Prefeitos não têm competência constitucional de aprovarem Estado de Defesa.

O Presidente da República, porém, precisa da prévia audiência do Conselho da República (artigos 89 e 96 da CF) e do Conselho de Defesa Nacional (art. 91 da CF). Somente após a manifestação desses dois Conselhos, tanto faz se favorável ou contrária à medida, o decreto poderá ser assinado pelo Presidente.

O decreto de Estado de Defesa determina o tempo de sua duração, delimita as áreas a serem abrangidas e estabelece as medidas coercitivas que vigorarão.

Já o Estado de sítio pode ser decretado nos seguintes casos:

I – comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;

II – declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.

Estado de sítio é medida mais grave do que estado de defesa. O Estado de sítio suspende temporariamente os direitos e garantias fundamentais do indivíduo. A sua decretação exige também a prévia audiência dos Conselhos da República e de Defesa Nacional, mas meramente opinativas, e solicitar ao Congresso Nacional sua autorização.

Da mesma forma que a decretação do Estado de Defesa, o Estado de Sítio é de competência única do Presidente da República.

Como se vê, Estado de Defesa e Estado de Sítio nada têm a ver com Estado de Calamidade e Situação de Emergência. Vamos, então, deixar um pouco de lado a Constituição para tratarmos desses casos.

A base legal que dá suporte à instituição da Situação de Emergência ou Estado de Calamidade é, portanto, infraconstitucional. Os dispositivos em vigor são os seguintes:

– Decreto Federal n. 7.257, de 4 de agosto de 2010 (com algumas alterações posteriores);

– Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) sobre aspectos essencialmente fiscais. E podemos citar, também, a Lei Federal n. 12.608, de 10 de abril de 2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Nacional.

Ainda temos o Decreto n. 7.616, de 17 de novembro de 2011, que dispõe sobre a declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional – ESPIN, e institui a Força Nacional do Sistema Único de Saúde – FN-SUS.  A declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional – ESPIN ocorre em situações que demandem o emprego urgente de medidas de prevenção, controle e contenção de riscos, danos e agravos à saúde pública. O assunto, portanto, é de grande importância, mas vamos guardá-lo de lado para que o nosso comentário não saia do seu objeto básico.

O Decreto n. 7.257/2010 indica o apoio do Governo federal aos Estados e Municípios que estejam em situação de emergência ou em estado de calamidade, nos seguintes termos:

“Art. 1o  O Poder Executivo federal apoiará, de forma complementar, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios em situação de emergência ou estado de calamidade pública, provocados por desastres”. 

Nestes termos, entende-se que compete aos Governadores e Prefeitos, no alcance de suas competências, instituírem situação de Emergência ou Estado de Calamidade, podendo, em tais situações, contar com o apoio complementar do Poder Executivo Federal. O referido Decreto define o que vem a ser situação de emergência e estado de calamidade:

Situação de Emergência – situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento parcial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido;

Estado de calamidade pública – situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido.

Cabe destacar que o Tribunal de Contas da União, pelo Aviso n. 1.028, de 17 de julho de 1947, adotou como definição de calamidade pública o seguinte enunciado:

“Como calamidade pública, só pode ser considerada, em tese, além das secas prolongadas e devastadoras, dos grandes incêndios e inundações e de outros flagelos semelhantes, a invasão súbita do território de um Estado por moléstia contagiosa ou pestilencial, suscetível de grande extensão epidêmica e disseminação rápida e de alta letalidade…”. O TCU seguiu a definição do grande mestre Amaro Cavalcanti, expedido no Relatório do Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Imprensa Nacional, 1987, p. 271.

A Lei Federal n. 12.608/2012 dá competência aos Municípios para declarar situação de emergência e estado de calamidade pública:

“Art. 8º Compete aos Municípios: (…)

VI – declarar situação de emergência e estado de calamidade pública”;

Decretada situação de emergência ou estado de calamidade, o que seria permitido aos Municípios? O art. 65 da Lei Complementar n. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) diz o seguinte:

Art. 65. Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembleias Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios, enquanto perdurar a situação:

I – serão suspensas a contagem dos prazos e as disposições estabelecidas nos arts. 23, 31 e 70;

II – serão dispensados o atingimento dos resultados fiscais e a limitação de empenho prevista no art. 9o.

A entender, portanto, que a calamidade pública, por se tratar de um caso fortuito, que não poderia ser prevista ou adivinhada, suspende a contagem dos prazos para cumprimento das metas contidas nos artigos: 23 (redução da despesa de pessoal); 31 (redução da dívida consolidada); e 70 (redução do excesso de despesa de pessoal) os três da citada Lei de Responsabilidade Fiscal. Além disso, de ter a dispensa de atingir o resultado fiscal programado para aquele exercício e não ser obrigatório o cumprimento do limite de empenhos, conforme estabelece o art. 9º da mesma Lei.

Embora o art. 65 da LC 101/2000 fazer referência exclusivamente ao estado de calamidade, nada há de impróprio acrescentar a situação de emergência como caso de exceção. Desta forma, por exemplo, o entendimento do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina que, em forma de manual, explica os requisitos que podem ser descumpridos com a decretação de situação de emergência e estado de calamidade.

Diz o TCE-SC:

1 – Caracterizada a situação de emergência ou o estado de calamidade pública, as contratações de serviços e as compras podem ser realizadas mediante dispensa de licitação, com base no artigo 24, inciso IV, da Lei nº 8.666/93.

2 – De acordo com o Prejulgado 1252 do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, estariam fora da vedação constante do artigo 21, parágrafo único, da Lei de Responsabilidade Fiscal, os atos que visam exclusivamente à solução dos problemas causados pela situação emergencial ou calamitosa.

3 – De acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal, artigo 5º, a situação de emergência ou o estado de calamidade autorizam a utilização da reserva de contingência – Prejulgado 1147, do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina.

Como se verifica, a legislação não autoriza expressamente a concessão de benefícios fiscais para os contribuintes, em nenhuma situação genérica ou específica. Assim, o fato de o Município estar em situação de emergência ou calamidade pública não seria motivo suficiente para liberar ou atenuar as obrigações tributárias de seus munícipes.

Haveria, portanto, necessidade de lei especial para aprovar qualquer tipo de benefício, como isenção (mesmo temporária), remissão, anistia, redução de base de cálculo, moratória e qualquer outro tipo de abrandamento dos encargos. Esta, aliás, é uma questão a exigir cuidados extremos, pois se de um lado as despesas públicas avultam, principalmente na área de saúde e de novas construções, e, ao mesmo tempo, de outro lado, tomar medidas para redução da carga tributária, tudo entremeado com a queda brusca do movimento econômico global, tal momento cruciante vem a exigir ampla compatibilização com o interesse conjunto da sociedade, a evitar, pelos gestores, desatinos e violações ao plano ético e moral. 

 

Fonte: Roberto A. Tauil – abril de 2020.

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