A arbitragem e mediação envolvendo a Administração Pública tomou novos rumos recentemente. Foi publicada no dia 05 de junho de 2017 a Lei 13.448/2017. Além de estabelecer as diretrizes gerais para prorrogação e relicitação dos contratos definidos pela Lei nº 13.334/2016 (PPI) nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário no âmbito da administração pública federal, trouxe relevantes novidades no que tange à resolução extrajudicial de controvérsias envolvendo entes públicos.
Dentre as novidades da lei, podemos destacar o uso da arbitragem como um requisito obrigatório nos casos de relicitação. Isso porque, prevê o inciso III, do artigo 15 que, a relicitação do contrato de parceria será condicionada à celebração de um termo aditivo, do qual deverá constar obrigatoriamente, entre outras questões, um compromisso arbitral entre o ente público e o parceiro privado. Por meio deste compromisso, as partes se submeterão à arbitragem (ou a outro mecanismo de resolução de conflitos, como a mediação), para resolver questões referentes ao cálculo das indenizações pelo órgão ou pela entidade competente.
Além disso, o caput do artigo 31 da nova Lei apenas reforça o §1º do artigo 1º da Lei de Arbitragem, e não deixa qualquer margem para que seja questionada a legalidade da administração pública utilizar-se da arbitragem para dirimir as controvérsias oriundas dos contratos dos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário.
O §4º do artigo 31 também é enfático no que tange à questão da definição dos direitos patrimoniais disponíveis e delimita as matérias que podem ser submetidas à arbitragem. Segundo o referido dispositivo, para os fins da Lei, apenas podem ser discutidas em arbitragem questões relativas (i) à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos; (ii) o cálculo de indenizações decorrentes da extinção ou transferência de contratos de concessão; e (iii) ao inadimplemento de obrigações contratuais por qualquer uma das partes.
No que se refere ao instituto da arbitragem, outro ponto da nova lei também merece destaque. O §1º do artigo 31 possibilita que os contratos em vigor que não tenham cláusula arbitral, possam ser aditados para que seja incluído o referido dispositivo e assim, as controvérsias, após decisão definitiva da autoridade competente, possam ser submetidas à arbitragem ou a outros mecanismos alternativos de solução de controvérsias.
Embora sejam inegáveis os avanços trazidos pela Lei 13.448/17 no âmbito da arbitragem e mediação envolvendo a Administração Pública, em contrapartida, existem alguns dispositivos que causaram desagrado. Neste aspecto, pode-se destacar a questão do credenciamento das instituições arbitrais, previsto no §5º do artigo 31. Segundo este dispositivo, um ato do Poder Executivo regulamentará o credenciamento das câmaras arbitrais aptas para os fins da lei, ou seja, significa que o ente privado deverá se submeter, obrigatoriamente, a uma das câmaras arbitrais escolhidas pela Administração Pública.
No entanto, ao atrelar a escolha das instituições arbitrais única e exclusivamente à Administração Pública, além de gerar uma burocracia desnecessária, restringe um dos grandes pilares da arbitragem, pois fere a autonomia das partes de escolher, de forma livre e consensual, qual a câmara arbitral que irá coordenar o procedimento.
A escolha pré definida das instituições de arbitragem também pode gerar desconfianças por parte dos investidores, eis que exclui a possibilidade do investidor de optar por uma câmara de sua preferência e confiança e, com isso, enfraquecer os investimentos no setor.
O credenciamento de câmaras arbitrais também gera dúvidas no que tangem os critérios a serem utilizados para a escolha das instituições, pois como é possível mensurar se uma entidade é qualificada ou não sem a existência de critérios objetivos previamente estabelecidos? A administração Pública levará em consideração o corpo de árbitros de determinada câmara? A quantidade de procedimentos arbitrais em curso? Que agente do Poder Público fará o credenciamento? Estes são questionamentos frequentes quando se analisa essa questão, e que ainda estão sem resposta, pois até o momento não foi disponibilizada a tal lista de câmaras idôneas (assim por dizer) para os fins da Lei 13.448/17.
Outro aspecto da nova legislação que também causou desconforto para o ente privado, diz respeito ao pagamento das despesas com o procedimento arbitral. Se em uma arbitragem habitual os custos são normalmente repartidos de forma igualitária entre as partes durante o procedimento, no âmbito da Lei 13.448/17 quando for instaurada a arbitragem, a responsabilidade pelo pagamento das custas será de responsabilidade do parceiro privado.
Mesmo com a previsão de possibilidade de restituição das custas, caso assim for deliberado na sentença arbitral, obviamente, que a obrigação de antecipar a integralidade das despesas causou um enorme desconforto para o setor privado, pois como bem se sabe, o valor das custas podem atingir patamares muito elevados em um cenário econômico tão conturbado, ainda mais em se tratando de matéria atrelada ao reequilíbrio econômico-financeiro de contratos públicos, situação na qual, via de regra, o parceiro privado já esta afetado negativamente do ponto de vista financeiro e econômico.
Por outro, mesmo diante das ressalvas aqui feitas sobre os aspectos mais polêmicos da nova lei, é indiscutível que ela deve ser considerada como um grande marco na tão almejada ampliação do uso da arbitragem envolvendo controvérsias e o Poder Público.
Além disso, a Lei 13.448/17 preenche uma lacuna diante da não adesão do Brasil à Convenção de Washington (1965), pois a nova legislação funciona como um estímulo para investidores estrangeiros, que veem na arbitragem um instrumento de segurança jurídica, e uma garantia de imparcialidade e rapidez na solução de eventual conflito. Diante de uma má impressão do Poder Judiciário Brasileiro no mercado, o investimento é atraído pela possibilidade da utilização da via arbitral, sendo que a arbitragem funciona até mesmo como um imperativo para os investidores.
Portanto, se havia alguma lacuna no ordenamento jurídico que pudesse gerar insegurança por parte do mercado e dos operadores do direito no que tange à aplicabilidade do instituto da arbitragem nos contratos público, ela não existe mais após o advento da Lei 13.448/2017.
A arbitragem como forma de solução alternativa de conflitos com a administração pública, algo que ainda era visto com ressalvas e insegurança, agora assumiu um papel de protagonismo em detrimento da cláusula de eleição de foro.
Autores:
Ane Elisa Perez – Sócia do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados
Carolina Smirnovas Quattrocchi – Advogada do escritório