Muito tem se falado na crise econômica que assola o País nos últimos três anos. Temerários com os rumos da economia brasileira os empresários e investidores têm desacelerado os investimentos e a principal conseqüência recai sobre a arrecadação dos três níveis de governo. Percebendo o esvaziamento arrecadatório, os Entes Federativos têm tomado medidas para incrementar a receita pública, com vistas ao equilíbrio das contas.
Inúmeras são as soluções encontradas e implementadas pelas Administrações Tributárias da União, dos Estados e dos Municípios. Dentre elas evidenciam-se o aprimoramento e intensificação da fiscalização tributária, a busca de receitas extras orçamentárias, a melhoria da cobrança pela via judicial e extra judicial da dívida ativa, incluindo o protesto das certidões de divida ativa. Contudo, os Estados e Municípios têm utilizado, exaustivamente, programas de recuperação de crédito, com a finalidade de arrecadar aqueles créditos tributários lançados e inadimplidos. Para tanto, têm se servido do instituto do parcelamento e, não raro, concedendo remissão de multas e até juros.
Recentemente alguns Entes tem adotado o instituto da transação tributária. Nesse cenário, destaca-se o Estado da Bahia como um dos primeiros a inovar e promulgou uma lei autorizando a celebração de transação de débitos do ICMS em processos de execução fiscal, autorizando inclusive o parcelamento dos valores com redução de multas e acréscimos moratórios.
É importante pontuar, nesse quesito, que parcelamento não se confunde com transação tributária. O primeiro é hipótese de suspensão do crédito tributário, enquanto que a segunda é causa de extinção do crédito tributário, conforme preconiza o Código Tributário Nacional em seus artigos 151, VI e 156, III.
O instituo da transação é oriundo do direito privado e se acha estribado no Código Civil de 2002 (artigos 840 a 850). Seu escopo é regular a relação entre particulares e, em síntese, versa sobre a possibilidade de celebração acordo ou ajustes entre as partes com a finalidade de prevenir ou terminar um litígio mediante concessões mútuas.
A transação tem natureza contratual, é sempre bilateral e seu propósito é por fim ao litígio, evitando-se o prolongamento da demanda, podendo ser realizado dentro do processo judicial ou fora dele. O dito instituto se aperfeiçoa por intermédio de concessões recíprocas, com vantagens e proveitos para ambos.
Em face destas características o acerto realizado possui força cogente, visto exteriorizar a vontade dos transatores.
Destaca-se que, originalmente, a transação não se aplica nas relações estabelecidas entre o Poder Público e os cidadãos, em face da supremacia do interesse público e da indisponibilidade do mesmo.
Aqui surge uma inquietante preocupação: saber se o instituto de transação é ilícito ou contraria o ordenamento jurídico tributário? Não, caro leitor! Há expressa previsão do referido instituto no Código Tributário Nacional – CTN, artigo 156, III e, especificamente, no 171, que assim dispõe:
Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário.
Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso.
Destaca-se que, diferentemente do que ocorre na transação civil, onde as partes livremente transacionam, na relação tributária o agente público que realiza a transação não tem liberdade dispor do crédito tributário, reduzindo seu valor. Primeiro, como já alertamos, vigora no direito público o princípio da indisponibilidade do interesse. Segundo, no direito tributário a atividade arrecadatória é vinculada e obrigatória, impondo a máxima observância das disposições legais.
Disto decorre a orientação do artigo 171 sobre transcrito, no sentido de que deve agente público se ater, única e exclusivamente, ao preconizado na lei. Tal disposição confere validade à transação ao facultar, nas condições que estabeleça, a celebração de ajuste que, mediante concessões mútuas, importe em fim do litígio e consequente extinção do crédito tributário. Para tanto, a lei indicará a autoridade competente para realizar a transação.
Neste ponto há de se fazer uma pergunta: Como um instituo predominante privado pode balizar a relação entre Estado e particulares para permitir que crédito tributário seja extinto?
O grande mestre Aliomar Baleeiro preleciona que o artigo 171, do Código Tributário Nacional, conceitua transação, empregando o vocábulo no sentido jurídico e não vulgar de negócio qualquer, (…) mas com o conteúdo de ato jurídico específico no qual um litígio entre os interessados pode ser regulado e extinto mediante ajustes e concessões recíprocas.
Esses ajustes, no caso da transação tributária devem ser especificados claramente na lei, como o fez a lei baiana ( LEI 13.586 DE 10 de novembro de 2016), nos seguintes artigos:
Art. 2º – A transação de créditos tributários do ICMS, exceto quando originado de débito declarado pelo contribuinte, poderá ser celebrada até 16 de dezembro de 2016 e resultará em concessão, por parte do Estado, de redução da multa por infração e dos acréscimos moratórios nos seguintes percentuais:
I – 70% (setenta por cento), na hipótese de pagamento em parcela única até o dia 16 de dezembro de 2016;
II – 50% (cinquenta por cento), na hipótese do pagamento em até 12 (doze) parcelas mensais e consecutivas, com o pagamento da parcela inicial até o dia 16 de dezembro de 2016 e as seguintes até o dia 20 (vinte) de cada mês subsequente ao do pagamento da parcela inicial;
III – 30% (trinta por cento), na hipótese do pagamento em até 24 (vinte e quatro) parcelas mensais e consecutivas, com o pagamento da parcela inicial até o dia 16 de dezembro de 2016 e as seguintes até o dia 20 (vinte) de cada mês subsequente ao do pagamento da parcela inicial.
Vejam que a lei ainda especifica a forma de parcelamento dos débitos tributários oriundos do processo de transação, ou seja, a lei preleciona ainda os institutos de parcelamento que será aplicado.
§ 1º – Tratando-se de créditos tributários originados de débitos declarados pelo contribuinte, a transação somente poderá ocorrer com redução da multa por infração e dos acréscimos moratórios nos seguintes percentuais:
I – 50% (cinquenta por cento), na hipótese de pagamento em parcela única até o dia 16 de dezembro de 2016;
II – 30% (trinta por cento), na hipótese do pagamento em até 12 (doze) parcelas mensais e consecutivas, com o pagamento da parcela inicial até o dia 16 de dezembro de 2016 e as seguintes até o dia 20 (vinte) de cada mês subsequente ao do pagamento da parcela inicial;
III – 10% (dez por cento), na hipótese do pagamento em até 24 (vinte e quatro) parcelas mensais e consecutivas, com o pagamento da parcela inicial até o dia 16 de dezembro de 2016 e as seguintes até o dia 20 (vinte) de cada mês subsequente ao do pagamento da parcela inicial.
Podemos constatar que, guardada as devidas proporções, a lei baiana no que pese ser classificada de “transação tributária”, pois define as regras claras de procedimento de transação, ela, porém, possui um vício, uma vez que não indicou quais agentes públicos estão autorizados realizar o referido ato.
Em que pese a omissão, inteligência normativa dos §§ 1 e 2º, do artigo 1º, da lei baiana, permite presumir que os Agentes autorizados sejam os Procuradores da Fazenda Estadual baiana, visto que são eles os únicos legitimados para patrocinar as causas judiciais. No caso em epígrafe, as transações ocorrerão sem sede do Tribunal de Justiça daquele Estado.
Por fim, e não menos importante, observa-se que a LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL – LRF – na seção II, ao versar sobre a responsabilidade na gestão fiscal, em seu artigo 14, assim preconiza:
Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:
I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;
II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
§ 1 o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.
§ 2 o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.
Disto decorre que o ordenamento jurídico vigente não inviabiliza a utilização do instituto da transação tributária como forma de melhorar a receita dos entes federativos, porém, a lei deve fornecer os parâmetros para o exercício da liberdade por parte dos agentes públicos, destacando que LRF é a marca balizadora da ação que renuncie a receita pública.
Claro que os Tribunais de Contas não deverão penalizar o gestor público que adote a referida postura, não se atendo em pequenos elementos acessórios dessa ação de aprimoramento da gestão, porém, se o gestor não se ativer a diversos elementos fundamentais, como definir os elementos que podem ser transacionados, seus limites e agentes autorizados a isso, e a depender do conjunto de sua gestão, o gestor poderá ter as contas julgadas irregulares pelos ditos tribunais.
Autores:
Antonio Pessini.
Wulf Galkowicz.
Lei 13.586 – lei de transação do Estado da Bahia – Acesse aqui.