1. INTRODUÇÃO:
Sempre que vem à baila o assunto sociedades de profissionais e sua tributação pelo imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN), inúmeros questionamentos aparecem. A discussão acirra-se quando se trata de sociedade de advogados, as quais se sujeitam ao regramento especifico da Lei no 8.906[1], de 04 de julho de 1994 (Estatuto da Advocacia), cuja disposição prescreve uma espécie de sociedade simples, vendando-lhe o exercício de atividade empresarial.
Sem maiores divagações sobre o tratamento tributário diferenciado do ISS Fixo e sua finalidade, na forma disciplinada no art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-lei nº 406/1968[2], as sociedades de advogados, independente de serem elas unipessoais[3] ou não, por força da jurisprudência assentada nos Tribunais Superiores, fazem jus ao recolhimento do ISSQN, sob a forma fixa.
A tônica é saber se o tratamento diferenciado a que alude Decreto-lei nº 406/1968, aplica-se às sociedades advocatícias optantes do regime tributário do simples nacional.
Sob esta perspectiva, o presente arrazoado, de forma simples e objetiva, procurará analisar as disposições da lei complementar federal nº 123/2006[4], com as alterações correlatas, e sua possível incompatibilidade com as disposições do referido DL.
2. DO SIMPLES NACIONAL E A UNICIDADE DA TRIBUAÇÃO:
Sob a égide da lei complementar federal nº 123/2006 e alterações correlatas, o regime tributário do simples nacional é optativo e incompatível com qualquer outra sistemática de apuração e recolhimentos dos tributos de que trata o aludido diploma legal, sendo vedada a instituição de regimes paralelos, bem como a adoção de qualquer outra sistemática que possa contrariar a lógica unificada e centralizada da tributação disciplinada pela referida LCF, naquilo que os precedentes erigidos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) denomina de “sistema híbrido”:
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. REGIME ESPECIAL UNIFICADO DE ARRECADAÇÃO DE TRIBUTOS E CONTRIBUIÇÕES DEVIDOS PELAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE – SIMPLES NACIONAL. MICROEMPRESA – ME E EMPRESA DE PEQUENO PORTE – EPP. ICMS. DOCUMENTO ÚNICO DE ARRECADAÇÃO E RECOLHIMENTO ANTECIPADO.[…].3. Importa, no caso em debate, o sistema como um todo, não a forma pela qual cada tipo de imposto é cobrado isoladamente, sendo inviável acolher a pretensão da recorrente de cindir o Simples Nacional para afastar a antecipação do ICMS prevista no § 1º, inciso XIII, alínea “g”, do art. 13 da Lei Complementar Federal nº 123/2006. Em outras palavras, aplicam-se todas as normas do Simples Nacional ou nenhuma, não se admitindo a criação de um sistema híbrido, um tertium genus para efeito da cobrança de tributos das MEs e das EPPs, formado, apenas, pelas normas mais benéficas, extraídas do sistema comum e do sistema especial. […].[5] (Destaquei).
O simples nacional é tratamento tributário favorecido (regime tributário) às sociedades empresárias, classificadas como microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP). Quando entrou em vigor, em julho de 2007, referido regime não contemplou as sociedades simples, assim entendidas aquelas sociedades cujo objeto social versa sobre atividade não empresarial (artigos 966 e 982, da Lei nº 10.406/2002[6] – Código Civil Brasileiro).
3. DAS SOCIEDADES SIMPLES NO SIMPLES NACIONAL:
Como apontado, originariamente, as sociedades de profissionais (sociedade simples) não podiam optar pelo regime tributário do simples nacional. Todavia, posteriores alterações permitiram que elas pudessem optar e usufruir as benesses de que trata o dito regime. Tal permissão sobreveio com a vigência da LCF nº 128/2008, a qual promoveu inúmeras alterações no Estatuto das ME e EPP.
Neste passo, registra-se que as sociedades de serviços contábeis foram as primeiras a ter direito de optar, conforme se extrai da inteligência do artigo 18, § 5º-B, XIV, da LCF nº 123/2006, com redação da LCF nº 128/2008[7]:
Art. 18. O valor devido mensalmente pela microempresa ou empresa de pequeno porte optante pelo Simples Nacional será determinado mediante aplicação das alíquotas efetivas, calculadas a partir das alíquotas nominais constantes das tabelas dos Anexos I a V desta Lei Complementar, sobre a base de cálculo de que trata o § 3o deste artigo, observado o disposto no § 15 do art. 3o.
(…).
- 5º-B. Sem prejuízo do disposto no § 1º do art. 17 desta Lei Complementar, serão tributadas na forma do Anexo III desta Lei Complementar as seguintes atividades de prestação de serviços:
(…);
XIV – escritórios de serviços contábeis, observado o disposto nos §§ 22-B e 22-C deste artigo;
(…).
A LCF nº 123/2006, por força da alteração introduzida em 2008, não somente permitiu que os escritórios de serviços contábeis ingressassem no regime tributário do simples nacional, ela também autorizou que eles mantivessem o recolhimento do ISSQN de forma diferenciada, nos termos disciplinados no artigo 9º, §§1º e 3º, do DL nº 406/1968, criando aquilo que os precedentes judiciais e a doutrina especializada vem denominado de regime híbrido, assim entendido a apuração e recolhimento dos tributos da União de forma unificada e centralizada, enquanto que e o ISSQN pode ser recolhido diretamente ao Município, em valor fixo, conforme dispõe o § 22-A, do artigo 18, retro transcrito: “A atividade constante do inciso XIV do § 5º-B deste artigo recolherá o ISS em valor fixo, na forma da legislação municipal”.
Importa esclarecer que a autorização especial concedida aos escritórios de serviços contábeis veio acompanhada de múnus, como condição sine qua non para o recolhimento especial do ISSQN, em valor fixo, nos termos disciplinados no § 22-B, do artigo 18, que assim dispõe:
- 22-B. Os escritórios de serviços contábeis, individualmente ou por meio de suas entidades representativas de classe, deverão:
I – promover atendimento gratuito relativo à inscrição, à opção de que trata o art. 18-A desta Lei Complementar e à primeira declaração anual simplificada da microempresa individual, podendo, para tanto, por meio de suas entidades representativas de classe, firmar convênios e acordos com a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por intermédio dos seus órgãos vinculados; ;
II – fornecer, na forma estabelecida pelo Comitê Gestor, resultados de pesquisas quantitativas e qualitativas relativas às microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional por eles atendidas;
III – promover eventos de orientação fiscal, contábil e tributária para as microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional por eles atendidas.
A inobservância das referidas condições, à luz da literalidade do texto legal, autoriza a exclusão do regime simplificado, conforma dispões o § 22-C, do artigo 18:
- 22-C. Na hipótese de descumprimento das obrigações de que trata o § 22-B deste artigo, o escritório será excluído do Simples Nacional, com efeitos a partir do mês subseqüente ao do descumprimento, na forma regulamentada pelo Comitê Gestor.
As sociedades de serviços contábeis foram as primeiras que obtiveram permissão para ingressar no regime tributário do simples nacional, enquanto que as sociedades de serviços advocatícios somente foram autorizadas a partir da vigência da LCF nº 147/2014[8]. Contudo, tal autorização não veio acompanhada da mesma condição outorgada aos escritórios de contabilidade, ou seja, não lhe foi outorgado o direito de recolher o ISSQN, de forma diferenciada (Fixa) ou híbrida, à luz do que está positivado no §5º-C, do artigo 18, da LCF nº 123/2006, com redação a partir de 2014:
- 5º-C Sem prejuízo do disposto no§ 1ºdo art. 17 desta Lei Complementar, as atividades de prestação de serviços seguintes serão tributadas na forma do Anexo IV desta Lei Complementar, hipótese em que não estará incluída no Simples Nacional a contribuição prevista no inciso VI do caput do art. 13 desta Lei Complementar, devendo ela ser recolhida segundo a legislação prevista para os demais contribuintes ou responsáveis:
[…];
VII – serviços advocatícios.
Disso decorre que as sociedades de serviços advocatícios estão sujeitas ao recolhimento unificado de todos os tributos de que trata a LCF nº 123/2006, dentre eles o ISSQN. Em outras palavras, a sociedade de advogados que optar pelo simples nacional deverá recolher todos os tributos, calculado sobre sua receita bruta, nos termos do Anexo IV, da LCF nº 123/2006, conforme determina a redação do §5º-C, supramencionado.
Na perspectiva de manter o direito ao tratamento diferenciado a que alude o artigo 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-lei nº 406/1968, as sociedades advocatícias tem batido à Poder Judiciário no intento de obter a respectiva declaração. Referidas ações tem sido enfrentada pelos Tribunais país afora, os quais tem afirmado o caráter opcional do regime tributário disciplinado pela LCF nº 123/2006, a qual impõe a observância das suas regras, especialmente sobre a unicidade da apuração e do recolhimento. Sob este viés, referidos tribunais tem negado a aplicação cumulativa do Decreto-lei nº 406/1968, naquilo que as Cortes nominam de regime híbrido. Nesse sentido é a orientação do julgado exarado pelo Tribunal Regional Federal, da 4ª Região (TRF4):
TRIBUTÁRIO. SIMPLES NACIONAL. OPÇÃO. SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL DE ADVOGADOS. ISS. DECRETO Nº 406/1968. VEDAÇÃO DE REGIME HÍBRIDO DE TRIBUTAÇÃO.
- A orientação jurisprudencial é no sentido de que a sociedade uniprofissional de advogados de natureza civil, qualquer que seja o conteúdo de seu contrato social goza de tratamento tributário diferenciado previsto no art.9º,§§ 1º e 3º, do Decreto-Lei nº 406/68, não recolhendo o ISS com base no seu faturamento bruto, mas sim no valor fixo anual calculado de acordo com o número de profissionais que a integra.
- No entanto, trata-se, na espécie, de sociedade advocatícia optante pelo Simples Nacional, regime tributário que abrange, entre outros, o ISS (inciso VIII, do artigo13da LC nº 123/2006). Nos termos do inciso VII do § 5º-C do artigo 18 da LC nº 123/2006, as atividades de prestação de serviços advocatícios são tributadas na forma dos Anexo IV daquela lei complementar.
- O Simples Nacional consiste em regime tributário cuja adesão é facultativa, ficando os optantes sujeitos a todas as suas disposições, sem qualquer condição, de modo que restam excluídos quaisquer outros regimes aplicáveis. Dito de outro modo, no caso dos autos, a opção da sociedade uniprofissional de advogados pelo regime simplificado nacional implica na renúncia ao regime anterior, porquanto na linha da vasta jurisprudência desta Corte e do STJ, não é viável a criação de regime híbrido de tributação.[9]
Por unanimidade de votos, a egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional da 4ª Região, negou provimento à apelação.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS :
Pelas razões expostas, as sociedades de profissionais (sociedade simples) que optarem pelo regime tributário do simples nacional não poderão recolher o ISSQN, sob a forma fixa, nos termos delimitados no decreto-lei nº 406/1968, com exceção dos escritórios de serviços contábeis, desde que cumpram do §22-B, do artigo 18, da LCF nº 123/2006, com alterações correlatas.
Frise-se, que o regime tributário do simples nacional trouxe consigo o fenômeno da unificação das regras aplicáveis às microempresas e empresas de pequeno porte, revogando, como conseqüência, todas as demais leis e normas paralelas, sejam elas da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.
No que tange à tributação, determinou a unicidade e uniformidade da apuração e do recolhimento dos tributos de que trata a referida a LCF nº 123/2006, vedando, determinantemente, que os Entes Federativos criem regimes outros que contrariem tais disposições.
Na esteira, vedou a aplicação de outras legislações esparsas, ainda que mais benéfica, deste ou naquele tributo isoladamente considerado, devendo ser respeitado o caráter opcional e unificado do simples nacional, não se admitindo, conforme assentou o Superior Tribunal de Justiça, a criação de um sistema híbrido. Em outras: aplicam-se todas as normas do Simples Nacional ou nenhuma, ressalvada as devidas exceções.
Referências:
[1] Brasil. Lei nº 8.906 (1994). Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm. Acesso. 20/03/2018.
[2] BRASIL. DL N. 406. Decreto Lei n. 406. Estabelece normas gerais de direito financeiro, aplicáveis aos impostos sobre operações relativas […]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0406.htm. Acesso: 20/03/2018.
[3] O instituto da sociedade individual de advocacia é novo na ordem jurídica. Ele foi inserido por via da lei nº 13.247, de 12 de janeiro de 2016, a qual alterou os artigos 15, 16 e 17, da Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Advocacia), os quais passaram a ostentar a seguinte redação:
Art. 15. Os advogados podem reunir-se em sociedade simples de prestação de serviços de advocacia ou constituir sociedade unipessoal de advocacia, na forma disciplinada nesta Lei e no regulamento geral.
- 1º A sociedade de advogados e a sociedade unipessoal de advocacia adquirem personalidade jurídica com o registro aprovado dos seus atos constitutivos no Conselho Seccional da OAB em cuja base territorial tiver sede.
- 2º Aplica-se à sociedade de advogados e à sociedade unipessoal de advocacia o Código de Ética e Disciplina, no que couber.
[…].
- 4ºNenhum advogado pode integrar mais de uma sociedade de advogados, constituir mais de uma sociedade unipessoal de advocacia, ou integrar, simultaneamente, uma sociedade de advogados e uma sociedade unipessoal de advocacia, com sede ou filial na mesma área territorial do respectivo Conselho Seccional.
- 5º O ato de constituição de filial deve ser averbado no registro da sociedade e arquivado no Conselho Seccional onde se instalar, ficando os sócios, inclusive o titular da sociedade unipessoal de advocacia, obrigados à inscrição suplementar.
[…].
- 7ºA sociedade unipessoal de advocacia pode resultar da concentração por um advogado das quotas de uma sociedade de advogados, independentemente das razões que motivaram tal concentração.”
Art. 16. Não são admitidas a registro nem podem funcionar todas as espécies de sociedades de advogados que apresentem forma ou características de sociedade empresária, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam como sócio ou titular de sociedade unipessoal de advocacia pessoa não inscrita como advogado ou totalmente proibida de advogar.
[…].
- 4ºA denominação da sociedade unipessoal de advocacia deve ser obrigatoriamente formada pelo nome do seu titular, completo ou parcial, com a expressão ‘Sociedade Individual de Advocacia’.
Art. 17. Além da sociedade, o sócio e o titular da sociedade individual de advocacia respondem subsidiária e ilimitadamente pelos danos causados aos clientes por ação ou omissão no exercício da advocacia, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar em que possam incorrer.
[4] BRASIL. LC nº 123 (2006). Lei Complementar nº 123. Dispõe sobre o Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/LCP/Lcp123.htm. Acesso: 20/03/2018.
[5] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança N. 29.568/AM. Rel. Min. Castro Meira. 2ª Turma. Dj. 20/08/2013. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=regime+e+h%EDbrido+e+tributa%E7%E3o&&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true. Acesso: 20/03/2018.
[6] BRASIL. Lei nº 10.406 (2002). Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso: 20/03/208.
[7] BRASIL. LC Nº 128 (2008). Lei Complementar nº 128. Altera a Lei Complementar nº 123/2006, que dispõe sobre o Estatuto das microempresas e empresas de pequeno porte. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp128.htm. Acesso: 20/03/2018.
[8] BRASIL. LC Nº 147 (2014). Lei Complementar nº 147. Altera a Lei Complementar nº 123/2006, que dispõe sobre o Estatuto das microempresas e empresas de pequeno porte. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp147.htm. Acesso: 20/03/2018.
[9] Brasil. Tribunal Regional Federal (4. Região). Apelação Civil nº 5002305-11.2015.404.7205 SC. Rel. Dês. Roberto Fernandes Junior. Segunda Turma. Dj 25/04/2017. Disponível em: https://trf-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/453958608/apelacao-civel-ac-50023051120154047205-sc-5002305-1120154047205. Acesso: 19/03/2018.).
Autor:Miqueas Liborio de Jesus, Editor do Blog do AFTM.