O presente artigo visa abordar um tema de suma importância no contexto da reforma tributária em curso no Brasil: a capacitação dos servidores da administração tributária e a necessária mudança de mentalidade para atuar no novo cenário que se desenha. Esta reforma não se limita a meras alterações no sistema tributário, mas configura uma verdadeira revolução na estruturação da administração tributária em todas as esferas federativas.
No que tange à capacitação dos servidores, é imperioso ressaltar a necessidade premente de preparação, especialmente dos auditores fiscais municipais, para lidar com o princípio da não-cumulatividade, conceito basilar do novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). A administração tributária municipal, historicamente familiarizada com tributos cumulativos como o Imposto Sobre Serviços (ISS), o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), enfrentará o desafio de assimilar a lógica do débito e crédito inerente à não-cumulatividade.
Esta transição demandará um esforço significativo de aprendizagem, similar ao enfrentado por profissionais ao se iniciarem nos estudos contábeis. A compreensão da não-cumulatividade é fundamental para a apreensão da essência do IBS e da CBS, sendo, portanto, imperativa a capacitação dos servidores já integrantes dos quadros da administração tributária, bem como daqueles que ingressarão após a implementação da reforma.
Nesse sentido, urge que os entes federativos, em todos os níveis, elaborem planos de capacitação abrangentes e contínuos. Tais planos devem contemplar não apenas o arcabouço legislativo – incluindo as disposições constitucionais, leis complementares e regulamentos do IBS e da CBS – mas também os novos procedimentos operacionais, sistemas e metodologias de fiscalização e cobrança que serão implementados.
É mister salientar que a capacitação não deve se restringir à mera transmissão de conhecimentos sobre a nova legislação. Deve, outrossim, abarcar a compreensão da nova lógica organizacional da administração tributária, incluindo os procedimentos de julgamento, fiscalização e cobrança. Os auditores precisarão ser treinados para operar em um ambiente de integração e cooperação entre os entes federativos, um cenário substancialmente distinto do atual.
Ademais, é fundamental que os servidores assimilem a nova essência do tributo. O IBS, por exemplo, não manterá a dicotomia entre mercadorias e serviços, característica da atual divisão entre ICMS e ISS. A base de incidência será ampla, com a divisão ocorrendo apenas em relação à alíquota (estadual e municipal). Esta mudança paradigmática exigirá uma readequação cognitiva dos auditores, que deverão estar aptos a fiscalizar uma gama muito mais ampla de atividades econômicas.
Para viabilizar essa capacitação em larga escala, propõe-se a criação de uma escola fazendária no âmbito do comitê gestor do IBS, idealmente em cooperação com a Receita Federal, dada a similaridade entre o IBS e a CBS. Esta escola seria responsável por elaborar e implementar um plano de capacitação contínuo e abrangente, visando não apenas a transmissão inicial de conhecimentos, mas também a atualização constante dos servidores frente às evoluções do sistema tributário.
É imperioso ressaltar que a capacitação não pode aguardar a instalação formal do comitê gestor do IBS. As entidades envolvidas, como o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), a Confederação Nacional de Municípios (CNM), a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (ABRASF), a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e a Receita Federal, devem iniciar imediatamente o planejamento conjunto das ações de capacitação.
Transitando para o segundo eixo estruturante deste artigo, abordamos a imprescindível mudança de mentalidade requerida dos servidores da administração tributária. Esta transformação cognitiva é tão crucial quanto a capacitação técnica, pois implica uma ruptura com paradigmas há muito estabelecidos no sistema tributário brasileiro.
O cerne desta mudança reside na transição de uma lógica de competência tributária privativa para uma de competência compartilhada. Historicamente, cada ente federativo exercia de forma isolada e muitas vezes competitiva as atribuições relativas aos tributos de sua competência. Esta dinâmica fomentava uma cultura de atuação independente e, não raro, predatória, manifestada na chamada “guerra fiscal” entre estados e entre municípios.
O novo cenário, contudo, demanda uma postura cooperativa. O IBS, sendo um tributo de competência compartilhada entre estados e municípios, exigirá uma atuação conjunta e coordenada dos entes federativos. Esta mudança é corroborada pela elevação do princípio da cooperação ao status de princípio constitucional tributário, conforme estabelecido pela Emenda Constitucional nº 132/2023.
A fiscalização, por exemplo, deverá ser realizada de forma integrada, com a designação de um titular e um cotitular, resultando em um auto de infração único que engloba tanto o IBS estadual quanto o municipal. Esta nova realidade demandará dos auditores a capacidade de trabalhar em equipes multijurisdicionais, algo até então incomum na administração tributária brasileira.
O comitê gestor do IBS emerge como o locus institucional onde esta cooperação será exercida e a competência compartilhada será operacionalizada. Esta entidade pública sob regime especial, composta por representantes de estados e municípios, será responsável por funções cruciais como arrecadação, contencioso e edição do regulamento do IBS, além de coordenar as atividades de fiscalização e cobrança que permanecerão na esfera local.
Esta nova configuração exigirá dos servidores a capacidade de atuar sob coordenação do comitê gestor, em um ambiente de constante interação e colaboração com seus pares de outras jurisdições. A fiscalização de uma empresa, por exemplo, poderá envolver auditores de diferentes municípios e estados, demandando habilidades de trabalho em equipe e abertura para sugestões e contribuições de outras jurisdições.
A mudança de mentalidade também se estende à forma como os servidores interpretam e aplicam a legislação tributária. A ampliação da base de incidência do IBS, eliminando a distinção entre mercadorias e serviços, exigirá uma abordagem mais holística e menos compartimentalizada na análise das atividades econômicas dos contribuintes.
É importante ressaltar que esta mudança de mentalidade não ocorre de forma automática ou isolada. Ela está intrinsecamente ligada ao processo de capacitação previamente discutido. O conhecimento aprofundado do novo sistema tributário é o alicerce sobre o qual se construirá esta nova mentalidade cooperativa e integrada.
Portanto, conclui-se que a implementação bem-sucedida da reforma tributária depende não apenas das alterações legislativas e estruturais, mas também, e de forma crucial, da preparação adequada dos servidores da administração tributária. Esta preparação envolve tanto a capacitação técnica quanto a mudança de mentalidade, processos que devem ser iniciados imediatamente e conduzidos de forma contínua e abrangente. Somente assim será possível garantir que o novo sistema tributário alcance seus objetivos de simplificação, eficiência e justiça fiscal.
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