Orçamento municipal: como estabelecer prioridades?

por Grupo Editores Blog.

 

A priorização de recursos deve ser baseada em evidências científicas e no diálogo com a comunidade. Essa estratégia pode não ser a solução para todos os problemas, mas possibilita um pacto de governo com avanços contínuos e sustentáveis.

 

A discussão orçamentária é a tradução de um conjunto de ações, ideias, desejos e disputas existentes entre Estado e sociedade. O orçamento expõe essas disputas, já que ele é o locus do conflito distributivo, tanto na tradução da sua política tributária – quem paga, quem financia e como financia o Estado — quanto na leitura da sua política alocativa —isto é, quem recebe os recursos; como são redistribuídos os tributos coletados; para que grupos, regiões, territórios; em quais políticas públicas; de forma universal ou focalizada.

 

No entanto, para que possamos ter essas leituras, é preciso estudar o orçamento, entender suas regras, como são estabelecidas e quais são seus propósitos. Além disso, é preciso analisar anualmente seus volumes de receitas e despesas, comparar as mudanças ao longo dos anos, comparar orçamentos de diferentes municípios e, assim, buscar entender as escolhas de diferentes comunidades.

 

Essa análise comparativa de receitas e despesas permite entender quais foram as escolhas e prioridades do governo, quando analisamos o que já se executou de recursos. Mas uma pergunta importante em um período eleitoral como esse, no qual vamos eleger novas prefeitas e novos prefeitos, é: como os orçamentos devem ser priorizados a partir de 2021?

 

Os orçamentos municipais no Brasil devem seguir regras dispostas na Constituição Federal e, dessa forma, algumas áreas devem ser legalmente priorizadas em termos de volume de recursos, como a educação e a saúde. Também é preciso garantir outras despesas como o pagamento do funcionalismo, responsável pela manutenção dos serviços públicos nas diversas áreas de atuação local, além de saúde, educação, assistência social, segurança e cultura. Serviços de atendimento obrigatório como limpeza e iluminação pública também são prioritários, pois sua descontinuidade põe em risco a vida das pessoas.

 

NO ORÇAMENTO PÚBLICO, É FUNDAMENTAL ENFRENTAR CONFLITOS EM BUSCA DE AVANÇOS, DE APRIMORAMENTO DEMOCRÁTICO, DE EQUIDADE E DE JUSTIÇA SOCIAL

 

Como é possível perceber, são muitas as prioridades que um prefeito ou prefeita precisa cumprir independentemente de seu plano de governo. Contudo, o orçamento, como apresentado no início, é um espaço de disputa e mesmo com toda sua normatividade e regras, há muito o que se decidir, por exemplo: 1) Como e quanto cobrar de impostos e taxas? Esta decisão trará consequências importantes que podem resultar em maior ou menor espaço para fazer novos programas e projetos; 2) Dentro das áreas obrigatórias de gastos, é preciso decidir como gastar. Por exemplo, os gastos em educação podem favorecer mais crianças em regiões periféricas ou podem beneficiar regiões mais centrais e mais ricas – ambos são gastos em educação, mas são distintas as prioridades, com consequências importantes; 3) Em relação à parte discricionária do orçamento (aquela que sobra depois de cumpridas as obrigatoriedades legais), é preciso priorizar quais ações serão implementadas e em que áreas.

 

Esses três tipos de decisões são priorizações orçamentárias que, para serem bem executadas, dependem da qualidade de informação à disposição do governo e da sociedade. O processo de priorização e escolha deve se dar com base em evidências sobre as receitas e despesas do município, em diálogo importante com a sociedade sobre quais são as opções possíveis para melhorar a gestão da cidade e, mais que isso, quais as consequências dessas decisões.

 

Dessa maneira, é preciso estar claro quanto já se cobra de impostos no município, quanto ele recebe de outros entes (União e estados) e quais as mudanças que podem ser feitas. Um ajuste de progressividade do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), isto é, o aumento de alíquota do imposto para imóveis mais caros, pode aumentar a arrecadação. O que isso traz de espaço orçamentário? Quantas pessoas pagarão mais impostos e quantas se beneficiarão?

 

A escolha sobre como executar as políticas obrigatórias de saúde e educação exige um bom diagnóstico do atendimento dessas políticas no município. Quais são as regiões da cidade com maior deficit de atendimento e por quê? Faltam profissionais e/ou equipamentos? Há áreas com bom atendimento e menor demanda? Como ajustar os recursos para que o atendimento seja mais equânime e eficiente em todo território municipal? É claro que muitas vezes não será possível zerar deficits de atendimento de um ano para outro, mas, organizando o orçamento por níveis de urgência relativa, é possível melhorar muito o uso do recurso público.

 

Em relação à priorização da parte discricionária do orçamento, é importante lembrar que ela depende, em parte, da política tributária do município e da situação econômica do estado e do país, visto que os municípios recebem repasses dos governos federal e estadual. Assim, as verbas discricionárias dependem de fatores econômicos e sua avaliação constante é fundamental para garantir sustentabilidade das políticas públicas. A priorização de ações com essa parte do orçamento também deve ser feita com base no diagnóstico dos principais problemas municipais. Tendo em vista que a avaliação é situacional e deve ser monitorada sempre, as soluções também dependerão de escolhas pactuadas entre o governo e a comunidade local.

 

Como apresentado, o orçamento público municipal brasileiro é permeado por regras que já priorizam suas despesas. Porém, muitas são as escolhas que dependem de decisões políticas sobre como executar os recursos. Para isso, é necessário obter informações de qualidade e de forma descentralizada em todas as áreas de políticas públicas municipais. É por meio delas que podemos identificar deficits de atendimento no território e tomar as decisões mais acertadas. A priorização com base em informações e no diálogo com a comunidade possibilita um pacto de governo que — ainda que não garanta solução para todos os problemas — permite avanços contínuos e sustentáveis.

 

Certamente a discussão acerca das prioridades orçamentárias será conflitiva, em especial em relação à política tributária. Mas enfrentar conflitos é parte da arte de governar. E, no orçamento público, é fundamental perceber as escolhas por trás da normatividade e da fiscalidade para enfrentar conflitos em busca de avanços, de aprimoramento democrático, de equidade e de justiça social.

 

Autora: Ursula Dias Peres é professora do curso de gestão de políticas públicas da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole da mesma universidade.

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