No fim de 2016, 37% das cidades do país estavam “fora da lei”.

por Grupo Editores Blog.

 

Dos 5.568 municípios brasileiros, pelo menos 2.091 – 37,5% – terminaram o ano passado “fora da lei”. Segundo dados oficiais declarados pelos próprios municípios e consolidados pelo Tesouro Nacional, essas cidades descumpriram pelo menos alguma obrigação fiscal.

 

O tamanho da violação à lei é um reflexo do quadro fiscal dos municípios. Do total de 4.544 prefeituras que declararam o balanço anual de 2016 no prazo legal e com dados consistentes, 3.905 – ou 85,9% – estão em situação fiscal difícil ou crítica, segundo pesquisa da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).

 

 

O trabalho analisou os municípios de acordo com indicadores de gestão fiscal. Foram avaliados indicadores de receita própria, gastos com pessoal, liquidez, investimentos e custo da dívida. Os dados foram ainda consolidados em um indicador geral pelo qual os 4.544 municípios foram classificados. Os cinco melhores municípios do ranking foram Gavião Peixoto (SP), São Gonçalo do Amarante (CE), Bombinhas (SC), São Pedro (SP) e Balneário Camboriú (SC) (veja mapa abaixo).

 

 

 

 

Mais do que a avaliação da gestão dos municípios em 2016, o levantamento dá ideia do quadro herdado pelos novos prefeitos. A pesquisa mostra que o valor de restos a pagar sem cobertura de caixa dos municípios somou ao fim do ano passado pelo menos R$ 6,3 bilhões. Esse é o rombo consolidado que precisa ser administrado pelos prefeitos eleitos no ano passado em 715 municípios brasileiros.

 

 

O número, destaca o estudo, poderia ser pior. Se não fosse a receita extraordinária em repatriação de recursos – arrecadada pela União no ano passado e repassada aos municípios no total de R$ 8,9 bilhões -, outras 328 prefeituras teriam virado o ano sem dinheiro suficiente para saldar os restos a pagar. O rombo herdado pelos novos prefeitos subiria a R$ 7,1 bilhões.

 

Segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o prefeito não pode deixar restos a pagar sem cobertura de caixa no último ano do mandato. Segundo o estudo, entre as capitais, Campo Grande (MS) e Goiânia (GO) descumpriram o estabelecido.

 

Na impossibilidade de emitir títulos, diz o economista-chefe da Firjan, Guilherme Mercês, os restos a pagar tornaram-se a principal fonte de “financiamento” e de ajuste de orçamento nos municípios. Na prática, os restos a pagar se traduzem muitas vezes em atraso no pagamento a fornecedores ou a servidores.

 

 

No “faroeste federativo” apontado na pesquisa, Mercês destaca outros dados, como 937 prefeituras que simplesmente não declararam as contas dentro do prazo legal. Outros 87 municípios apresentaram balanços com inconsistências consideradas grosseiras, como despesa de pessoal zero. “A máquina mínima da prefeitura é o próprio prefeito e a Câmara com nove vereadores”, lembra.

 

 

“Esse é um dado que indica falta de transparência.” As despesas de pessoal foram outro dispositivo da LRF desrespeitado por 575 prefeituras, que romperam o teto de 60% da receita corrente líquida (RCL)
estabelecido pela lei. Outros dez municípios estouraram o limite de 13% da receita líquida real para pagamento de juros e amortizações.

 

 

O desmembramento dos indicadores fiscais medidos pela Firjan mostra que o quadro dos municípios não é meramente conjuntural, derivado da recessão econômica. Mercês aponta problemas estruturais e que podem se agravar ao longo do tempo.

 

 

No campo das receitas, por exemplo, um dos indicadores mostra dependência crônica de transferências do Estado ou da União. Da base de 4.544 prefeituras analisadas, 81,7% foram classificadas em situação crítica no indicador relacionado à receita própria. Ou seja, essa fatia de municípios gera menos de 20% de suas receitas. Apenas 3% – ou 136 municípios – arrecadaram mais de 40% de suas receitas. Por regiões, o Nordeste tem a situação mais grave, com 93,2% das prefeituras incapazes de gerar mais de 20% de suas receitas. Entre as capitais, duas estão nessa situação: Boa Vista (RR) e Macapá (AP).

 

 

Do lado dos gastos, o problema estrutural vem com as despesas de pessoal. Além das 575 prefeituras que romperam o teto de gastos com folha e gastaram R$ 1,8 bilhão além do que poderiam pela LRF, outras 406 prefeituras já atingiram o limite prudencial de 57% da receita líquida.

 

Mais uma vez, a arrecadação do programa federal de repatriação de recursos deu um alívio aos municípios. Sem esses recursos, outras 296 prefeituras teriam ultrapassado o teto de gastos com folha estabelecido pela LRF. No consolidado, a despesa de pessoal, que atingiu 53% da RCL ao fim do ano
passado, teria chegado a 55% se não fosse a ajuda extraordinária da repatriação.

 

 

Mesmo assim o estudo aponta que, no indicador fiscal de gastos de pessoal, 12,7% das prefeituras foram classificadas em situação crítica e 55,1% em dificuldade. “A despesa de pessoal não é algo que se resolve no curto prazo”, avalia Mercês. Para ele, esse quadro indica que, se não forem adotadas medidas em contrário, futuramente os municípios terão despesas com inativos difíceis de administrar, a exemplo do que acontece já com muitos Estados. As despesas de pessoal, destaca o estudo, contribuem para a rigidez de orçamentos municipais, cujas receitas já são altamente dependentes de transferências estaduais e federais. Com a recessão econômica, que afeta tanto a arrecadação própria como as transferências, as
prefeituras tendem a recorrer cada vez mais ao artifício de adiar as despesas, o que pressiona os restos a pagar.

 

Com os orçamentos engessados, os municípios tiveram menor capacidade de investimento em 2016, último ano de mandato dos então prefeitos. Historicamente, explica Mercês, os municípios investem nesse período 20% a mais do que a média do aplicado nos três anos anteriores. A crise econômica, porém, inverteu essa lógica. Segundo o estudo, em 2016 apenas 6,8% da receita corrente líquida das prefeituras foi aplicado em investimentos, menos que os 7,4% do ano anterior, o que significou R$ 7,5 bilhões a menos. O nível de investimento em relação à receita foi o menor desde 2006.

 
Nem todos os indicadores fiscais, porém, foram negativos para a maior parte das prefeituras. Com pouco acesso a financiamentos, os municípios tiveram no indicador fiscal do custo da dívida o seu melhor resultado. Em todo o Brasil apenas 367 prefeituras – 8,1% – apresentaram dificuldade com pagamento de juros e amortizações.

 

Fonte: Jornal Valor Econômico.

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