Monica de Bolle: ‘reforma deve atacar regressividade para reduzir desigualdade’

por Grupo Editores Blog.

 

A adoção de um imposto sobre valor agregado poderia simplificar o sistema tributário brasileiro, mas seria necessário criar um mecanismo compensatório para os mais pobres. O alerta é da economista Monica de Bolle, pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics. Ela lembra que uma das motivações dos protestos no Chile foi justamente o modelo tributário do país, com impostos sobre valor agregado, mas sem políticas de compensação.

 

Monica de Bolle considera essencial que a reforma seja ampla, abrangendo tributos federais, estaduais e municipais. “Uma reforma tão importante como essa precisa começar da forma mais abrangente possível, com avaliações no decorrer do tempo sobre o que é viável”, defende.

 

A economista não tem dúvidas de que a aprovação da reforma tributária proporcionaria mais competitividade ao Brasil e maior potencial de crescimento. No entanto, ressalta que outras mudanças precisam ocorrer. “A reforma tributária tem o potencial de trazer efeitos muito positivos na economia desde que outras coisas estejam acontecendo também. Uma dessas coisas é termos um governo que funcione para reduzir incertezas e não para aumentá-las, e não podemos dizer isso hoje do governo Bolsonaro”, diz.

 

Monica de Bolle falou ao JOTA na série de entrevistas com economistas a respeito da reforma tributária.

 

Qual é a principal deficiência do atual modelo tributário do país?

A meu ver, há dois problemas principais. O primeiro é a regressividade. O sistema tributário brasileiro tende a aumentar e não a diminuir a desigualdade. Por isso, um dos objetivos da reforma tem que ser tornar a cobrança de impostos menos regressiva.

 

O segundo problema é a complexidade do sistema tributário. Há muitos tributos, cobranças em cascata, tornado difícil para indivíduos e empresas calcular os impostos que vão pagar.

 

É um ônus, uma carga muito pesada na economia brasileira que foi se desenvolvendo dessa forma intrincada e complexa de uma maneira meio orgânica, em resposta aos problemas fiscais do país.

 

Resumindo: simplificação é fundamental, mas não pode haver simplificação sem remediar o problema da regressividade.

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, é contra a inclusão do ICMS e do ISS na reforma. Mesmo sem a inclusão desses tributos, a reforma teria um efeito prático positivo?

 

O Paulo Guedes é contra a inclusão do ICMS e do ISS por serem impostos cuja receita vai para o nível subnacional – vai para os estados e municípios.

 

Portanto, a inclusão desses impostos em uma reforma tributária mais abrangente implica em uma demora maior para se chegar a um acordo, além de ser muito complicada do ponto de vista político.

 

No entanto, a minha avaliação é que se a gente vai fazer de fato uma reforma tributária para mudar substancialmente o sistema do país, não dá para ignorar esses dois impostos.

 

Ainda que, em grande medida, as receitas sejam dos estados e municípios e não da União, e exista a necessidade de negociação com governadores e prefeitos, a inclusão do ICMS e do ISS é fundamental para que a reforma tributária tenha respaldo.

 

Não concordo com a exclusão desses impostos da reforma. Uma reforma tão importante como essa precisa começar da forma mais abrangente possível, com avaliações no decorrer do tempo sobre o que é viável.

 

Os setores de comércio e serviços temem um aumento nas alíquotas se houver uma junção de IPI, ICMS e ISS. O governo deveria ter uma preocupação para não prejudicar determinados setores?

 

Essa não deve ser a preocupação do governo de maneira nenhuma. O principal objetivo deve ser almejar um sistema tributário que seja, ao mesmo tempo, justo e eficiente. Eficiente no sentido de ter o menor custo possível para o consumidor e as empresas e que ainda assim garanta as receitas tributárias necessárias para o governo.

 

No Brasil, dado o tamanho de gastos que o governo tem, a carga tributária foi se tornando onerosa, intrincada, para manter uma equiparação do crescimento das despesas. A simplificação passa, necessariamente, pela unificação de alguns tributos e pela reformulação de alguns deles, principalmente aqueles que têm uma característica de agirem na economia como impostos sobre valor adicionado.

 

Hoje temos uma série desses impostos que se sobrepõem, tornando o sistema oneroso e regressivo. E aqui, é preciso ressaltar que o imposto sobre valor agregado ou aquele que imita esse sistema, é regressivo por natureza, ou seja, tende a recair mais sobre aqueles com menor renda.

 

A maior parte dos países com imposto sobre o valor agregado tem um mecanismo compensatório, ressarcindo as pessoas de baixa renda pelo pagamento mais alto do IVA vis-à-vis aqueles com renda maior.

 

O Chile não tem esse mecanismo, e um dos principais motivadores dos protestos por lá é justamente o formato do imposto sobre valor agregado adotado no país. Então se o Brasil adotar o imposto sobre valor agregado precisa, em paralelo, criar um mecanismo compensatório.

 

Se aprovada neste ano, em quanto tempo a economia brasileira passaria a sentir os eventuais efeitos positivos da reforma tributária?

 

Acho muito difícil a reforma tributária ser aprovada neste ano. É uma reforma complicada, que envolve diversos atores políticos e a negociação no Congresso não vai ser simples. Ainda que existam algumas propostas, não há nenhuma unificada pelo governo.

 

Mas imaginando um cenário em que fosse possível fazer uma reforma tributária agora, os efeitos dela viriam distribuídos ao longo do tempo, à medida em que a economia vai se adaptando aos novos moldes tributários.

 

Não dá para fazer uma conta para mensurar o potencial de aumento de capacidade no crescimento do PIB em caso de aprovação da reforma. Essa conta é impossível por várias razões. Primeiro, porque é preciso saber exatamente o desenho da reforma e quais setores serão afetados.

 

E em segundo lugar porque existe a distribuição dos efeitos ao longo do tempo. O que posso dizer é que uma reforma bem-feita traria mais eficiência à economia, reduziria o custo Brasil, aumentaria a produtividade e a competitividade.

 

A reforma tributária tornaria o Brasil um ambiente mais seguro para negócios, diminuindo o risco país? Pode tornar o país mais atrativo para investidores estrangeiros?

 

Uma reforma bem-feita remove ineficiências e incertezas. Se hoje o sistema tributário, por ser tão complicado, é algo que pode afastar alguns investidores, principalmente aqueles que queiram montar empresas no Brasil, a reforma tem que ter como objetivo diminuir ou eliminar esse tipo de obstáculo.

 

Uma reforma amparada nesses princípios tem o potencial de destravar uma parte do investimento estrangeiro que hoje não está vindo para o Brasil no montante que o governo gostaria. Mas, como qualquer outra reforma, a tributária não é uma panaceia.

 

A reforma tributária tem o potencial de trazer efeitos muito positivos na economia desde que outras coisas estejam acontecendo também. Uma dessas coisas é termos um governo que funcione para reduzir incertezas e não para aumentá-las, e não podemos dizer isso hoje do governo Bolsonaro.

 

Apesar de o mercado financeiro gostar do Paulo Guedes e da equipe econômica, o fato é que esse governo cria ruído em diversas outras áreas. Cria ruído na política externa, cria ruído nas áreas internas relativas à cultura, a direitos humanos, a programas sociais.

 

Isso não ajuda o ambiente de uma forma geral, ainda que você tenha uma reforma tributária muito bem-feita. Por fim, é preciso ter em mente que o funcionamento da economia e as reformas, quaisquer que sejam, não estão separados das ações do governo.

 

Nada é separável de um discurso autoritário e pouco antenado com as necessidades do século XXI. Reforma nenhuma, inclusive a tributária, está separada das políticas ambientais do governo, da orientação da política externa do governo, da orientação da política de direitos humanos, tudo isso está dentro de um mesmo pacote.

 

Mesmo se bem desenhada, a reforma tributária só vai ter os efeitos desejados se vários dos retrocessos que estamos vendo no Brasil pararem.

 

Fonte: Blog do Jota.

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