É constitucional o rompimento dos limites estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal em tempos de crise causada por epidemia, deferível a todos os entes da federação. Com esse entendimento, o Supremo Tribunal Federal referendou a liminar do ministro Alexandre de Moraes, concedida em uma ação direta de inconstitucionalidade.
Apesar disso, a ação foi extinta por perda superveniente de objeto. A ADI foi inicialmente proposta pela União para obter o relaxamento de exigências da LRF neste momento de crise, o que foi concedido pela liminar, com abrangência também para estados e municípios. Posteriormente, foi promulgada pelo Congresso a Emenda Constitucional 106, chamada de “orçamento de guerra”, que traz a mesma disposição.
A perda de objeto foi defendida pela Advocacia-Geral da União durante julgamento por videoconferência nesta quarta-feira (13/5) e acatada pelo Plenário do STF, por maioria. De fato, a EC 106 atende a União. Mas, em seu parágrafo 2º, indica expressamente que se destina ao “Poder Executivo federal, no âmbito de suas competências”.
Ao analisar a questão, o relator da ADI, ministro Alexandre de Moraes, apontou que esse alcance é a única divergência entre a liminar concedida e a emenda constitucional. E, assim, interpretou que a EC 106 também deve abranger estados e municípios.
“Não há mais interesse em prosseguir com a ação, porque o que pede no mérito é exatamente o que consta no artigo 3º da Emenda Constitucional 106. Não será possível interpretar os artigos impugnados sem se observar para todos — União, estados e municípios — o artigo 3º da Emenda Constitucional”, explicou.
Portanto, desde que não impliquem em despesa permanente, as proposições legislativas e atos do Poder Executivo com propósito exclusivo de enfrentar a calamidade e suas consequências, com efeitos restritos à sua duração, ficam dispensados de observar limitações legais sobre aumento de despesa ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita.
Simetria entre ADI e EC
Primeiro a votar após o relator, o ministro Luiz Edson Fachin abriu divergência e chamou atenção para a questão. Conferir se a liminar cobre liquidamente os demais entes federativos implicaria em ver se há simetria da EC 106 com o objeto da liminar. “O artigo 3º da emenda faz referência ao Poder Executivo no singular. Abrir-se-ia um campo de exame que, a rigor, não está pautado na ambiência do referendo da liminar”, destacou.
Apesar da ressalva de Fachin, a interpretação de Alexandre foi, posteriormente, seguida pelos demais membros do Supremo. O ministro Barroso, por exemplo, reconheceu que entendia que o artigo 3º da EC 106 se restringiria à União, mas relevou: “Isso passa a ser preciosismo na medida em que o relator explicita que entende que se aplica aos três níveis de governo.”
Da mesma forma, a ministra Rosa Weber ponderou. “Vejo que o artigo 2º da Emenda Constitucional é expresso ao referir-se ao Poder Executivo federal. Por outro lado, se o tribunal assentar — e como essa decisão terá efeito vinculante —, que esta compreensão que foi consagrada na liminar contempla os demais entes federativos, não tenho razão para me afastar do voto do relator”, disse.
O ministro Ricardo Lewandowski seguiu o entendimento “por questão de praticidade e para evitar perplexidade”. O ministro Gilmar Mendes também, destacando a “solução engenhosa, ao considerar que, de alguma forma, as autorizações contidas na sua cautelar estão albergadas na Emenda Constitucional, fazendo a interpretação de que é abrangente também nos três entes”.
O ministro Marco Aurélio, que a princípio negaria referendo à liminar, seguiu o voto do relator quanto à perda de objeto da ADI. Além disso, em seu entendimento, o Congresso não editou norma para proteger apenas a União. E prova disso é que o parágrafo 3º da Emenda Constitucional faz referência aos artigos 37 e 169 da Constituição Federal, que são de observância nos três níveis de governo.
Reviravolta e referendo
Até então, por dez votos a um, vencido o ministro Fachin, o Plenário do Supremo Tribunal Federal votava pela extinção da ação por perda superveniente do objeto da ação. A EC 106 cobriu o que o governo pedia na ADI, então não haveria motivo para manter o caso em julgamento.
O ministro Luiz Fux ressaltou que, por motivos de segurança jurídica, seria interessante que o relator definisse uma tese: o STF entendeu que é constitucional o rompimento do teto estabelecido na LRF, deferível a todas as unidades da federação, em um momento específico de pandemia. Propôs, então, que a corte votasse pelo referendo da liminar para, depois, extinguir a ação por perda superveniente do objeto.
Mais uma vez, o ministro Fachin chamou a atenção para a sugestão. “Agora, para evitar os efeitos que são naturais do prejuízo, está se dando um passo para referendar liminar numa ADI extinta. Tenho dificuldade do ponto de vista da lógica jurídica quanto a isso”, destacou. E ficou vencido.
O resultado final do caso foi pelo referendo da medida cautelar e a extinção da ação por perda superveniente do seu objeto. Ficou vencido quanto ao referendo o ministro Marco Aurélio, para quem a liminar dá um “cheque em branco ao chefe do Executivo”. E vencido quanto ao prejuízo o ministro Fachin.
ADI 6.357
Fonte: Conjur.