‘Cidade Canção’, Maringá quer ser líder em estilo de vida.

por Grupo Editores Blog.

 

No ano passado, quando seu primeiro filho tinha poucos meses de vida, o assessor de investimentos paulistano Rodrigo Zauner, 30 anos, descobriu uma frustração: a de nunca conseguir encontrar o bebê acordado. Morando na capital paulista em meio à rotina apertada do mercado financeiro, o engenheiro mecânico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) chegava em casa, na maior parte das vezes, depois das 22h.

 

“Acordava às 5h30 para conseguir uma vaga para estacionar perto da corretora ou ir à academia. Passava o dia inteiro fora e chegava quando o Lucca já estava dormindo”, diz. Em busca de mais tempo livre com a família e qualidade de vida, Zauner foi parar em Maringá, cidade de 403 mil habitantes no noroeste do Paraná, e um dos mais ricos municípios do Estado.

 

Até o ano passado, quando se mudou para lá, as referências maringaenses do assessor de investimentos restringiam-se à relação cordial que mantinha, a distância, com os colegas da sucursal de seu escritório.

 

Não havia razão profissional para a mudança: grande parte dos clientes de Zauner está em São Paulo, bem como seus pais e sogros, o que impõe à família um vaivém constante. “A cada três semanas em Maringá, viajo e fico uma semana em São Paulo”, diz.

 

A mulher, Tathiane, o acompanha sempre nas viagens e eles dizem que o deslocamento vale a pena.

 

“Hoje saio do escritório às 18h. Consigo ver meu filho acordado, dar banho, jantar com ele. A qualidade do meu fim de dia mudou bastante”, comemora Zauner, que ainda acorda bem cedo: gosta da caminhada de uma hora diária para chegar ao serviço.

 

No escritório de Maringá, diz ele, os maringaenses já são minoria. “Tenho colegas de Osasco e Campo Grande”. A família já cogita não voltar mais para São Paulo. “Maringá é mais tranquila, mais segura. E em 15 minutos se está em qualquer lugar.”

 

As vantagens da rotina de Maringá ajudam também as empresas que buscam profissionais de fora. Um exemplo é o site da DB1 Global Software, empresa de tecnologia fundada na cidade em 2000 e que emprega 250 funcionários. Um anúncio no site da DB1, que apresenta as vagas disponíveis na empresa, afirma que “90% dos colaboradores levam menos de 30 minutos para chegar ao trabalho”. Também conta que “17 parques estão distribuídos pela cidade, ideais para aquela corrida no fim da tarde”.

 

A empresa também dá destaque ao custo de vida em comparação às capitais. “O aluguel médio em Maringá [centro] varia de R$ 700 a R$ 1.400. A marmita é entregue diretamente na empresa, o custo médio é R$ 10. Você também pode ir para casa almoçar com sua família, descansar um pouco e voltar à tarde”, promete o anúncio.

 

Ilson Rezende, CEO e fundador da empresa, é um fã do estilo de vida maringaense. Filho de agricultores que tentaram sem sucesso a vida em São Paulo após a grande geada de 1975, que dizimou as lavouras de café no Paraná, passou seis anos longe da cidade, após se formar em processamento de dados na Universidade Estadual de Maringá. “Voltei pela possibilidade de empreender e ter esse estilo de vida”, diz. “O maringaense é muito apaixonado por Maringá. Estamos criando um termo aqui, o ‘maringaísmo’ que contagia a gente”, diz.

 

 

Maringá completou 70 anos em 2017 ostentando bons resultados quando comparada às 100 maiores cidades do Brasil: 1ºlugar no ranking geral de melhor gestão do dinheiro público, 8º melhor Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), 2ª em infraestrutura e sustentabilidade e 5 ª em serviços de saúde, segundo ranking elaborado pela consultoria Macroplan com base em dados de 2015.

 

“Maringá é uma cidade diferenciada”, diz o prefeito Ulisses Maia (PDT) que, em meio à recessão econômica e às restrições fiscais que atingem o caixa dos municípios, é raro caso de prefeito que vê dinheiro “sobrando” no orçamento.

 

“Maringá reflete a força da agricultura da região noroeste do Paraná, que não tem tido crise nos últimos anos”, diz. “Alguns dos maiores pecuaristas do país moram aqui e investem na cidade”, afirma o prefeito. Dos R$ 1,4 bilhão previstos para 2017, ele prevê ao menos R$ 200 milhões em investimentos. O
gasto em saúde, estimado em R$ 395 milhões, é considerado “exagerado” por Maia para as necessidades da cidade, já que 40% da população tem plano de saúde e não depende do serviço público.

 

 

“Poucas cidades têm isso. O pagamento de pessoal compromete o orçamento da maior parte delas”, diz.
O aniversário de Maringá, celebrado em 10 de maio, refere-se à data, em 1947, de início de venda dos lotes de um gigantesco empreendimento imobiliário da empresa britânica Companhia de Terras Norte do Paraná, que está na origem do município. Dez anos antes, a companhia havia fundado a vizinha Londrina, que fica a 100 km de Maringá e tem 553 mil habitantes.

 

 

“Geralmente as cidades comemoram a data em que foram emancipados politicamente. Celebramos a venda de lotes”, explica o diretor do Instituto Cultural Ingá e especialista na história da cidade, Miguel Fernando. Outra curiosidade, segundo conta a história local, é que o principal cartão-postal de Maringá, a catedral Nossa Senhora da Glória, teve inspiração soviética: o desenho teria sido sugestão de dom Jaime Luiz Coelho, primeiro bispo da cidade, que encomendou a um arquiteto uma igreja parecida com a nave soviética Sputnik 2, lançada em 1957.

 

O nome da cidade – assim como a alcunha de “Cidade Canção”, referência entre moradores e empresas da região – se deve à famosa “Maringá”, composição do mineiro Joubert de Carvalho que fala da beleza de uma retirantes de olhos verdes, que fugiu da seca e deixou saudades. Sucesso nos anos 30, era muito cantarolada na região pelos “machadeiros”, trabalhadores que derrubavam a mata para abrir espaço às lavouras.

 

 

Diferentemente da “irmã” Londrina, repartida e vendida em grandes latifúndios, os “maringaístas” destacam que os lotes vendidos em Maringá eram pequenos, o que, para muitos, deu origem ao espírito cooperativista da cidade, representado hoje em empresas como a Cocamar, que tem sede na cidade e é uma das maiores cooperativas agropecuárias do país, e no Sicoob, sistema cooperativo de crédito que, na prática, funciona como um banco dedicado a financiar negócios da região.

 

“Quando eu morava na roça, notava que quando um terminava a colheita, ia ajudar o outro. Ninguém tinha funcionários”, diz Rezende, o dono da DB1, que é também presidente do Conselho de Desenvolvimento Econômico de Maringá (Codem).

 

Desde o início das vendas de lotes, Maringá atraía investidores pela fama de “cidade planejada”. Contratado pela empresa britânica, o engenheiro Jorge Macedo Vieiras, formado pela Escola Politécnica de São Paulo, projetou Maringá sem nunca ter estado na região, inspirado no modelo das “cidades-jardim”, do urbanista inglês Ebenezer Howard, com avenidas largas, áreas verdes centrais, e um espaço para cada função: zona industrial, zona operária, zona popular. “Esse plano ajudou muito a vender Maringá'”, diz Fernando.

 

Desde o início, a trajetória de Maringá teve grande influência privada. Hoje, nada importante acontece em Maringá sem que duas entidades participem ativamente da decisão: a Associação Comercial de Maringá (Acim), que nasceu junto com o município e tem mais de 5 mil associados; e o Conselho de Desenvolvimento Econômico de Maringá (Codem), criado em lei em 1996, justamente quando o poder econômico cobrou mais voz na gestão.

 

 

O prefeito Ulisses Maia acha que “Maringá é uma cidade diferenciada” Acim e Codem atuam em todas as
frentes: são deles iniciativas como o Conselho de Segurança Pública (Conseg) e o Observatório Social, que fiscaliza o uso das contas públicas municipais, entre outras.

 

Participam, também, de todas as reuniões da prefeitura, que mantém de forma permanente um servidor municipal cumprindo expediente no Codem. O conselho é composto por 17 membros da iniciativa privada e 5 do público. “Tudo o que a prefeitura vai fazer se discute com o Codem”, diz o prefeito Maia.

 

Ilson Rezende, atual presidente do Codem e dono da DB1, diz que o movimento natural nas últimas décadas tem sido o de a administração pública acatar o plano privado. “Nós chamamos o candidato, ele assina, em cartório, e inclui o plano do Codem no plano de governo”, diz. Além de sabatinar os candidatos, o Codem monitora 47 indicadores e metas que os prefeitos se comprometem a entregar. “O compromisso dessa gestão é entregar o nosso Ideb em 7,8”, diz.

 

No ano passado, uma “vaquinha” entre empresários locais da Acim e do Codem arrecadou cerca de R$ 1 milhão, pagos à consultoria PwC pela elaboração de um planejamento estratégico para a cidade nos próximos 30 anos. Chamado de Masterplan, o relatório traça metas a serem cumpridas até que Maringá alcance seu centenário, em 2047. O documento prevê o desenvolvimento de setores das empresas que existem na cidade e o financiaram: tecnologia, educação, saúde. Não é a primeira vez que algo semelhante acontece: o empresariado já liderou o planejamento para Maringá em 1996, até 2020,
e em 2010, até 2030.

 

“A prefeitura deveria colocar verba. Mas gostamos de bancar a despesa pela iniciativa privada e ter mais autonomia”, diz o empresário Jefferson Nogaroli, presidente do conselho de administração e fundador do Sicoob, o banco presente em 140 municípios do país.

 

Nogaroli, uma das principais lideranças empresariais da cidade, foi um dos idealizadores do movimento Repensando Maringá, que nos anos 1990 reuniu entidades civis para pressionar o poder público e culminou na criação do Codem. A lista de atividades é grande: ele também integra o conselho da Sancor Seguros do Brasil, cuja sede fica no mesmo prédio do Sicoob, e preside o conselho da Companhia Sulamericana de Distribuição, dona de ampla rede de supermercados.

 

 

“Minha família tem umas 12 empresas”, estima. É um dos sócios do Eurogarden, empreendimento imobiliário estimado em R$ 30 milhões, e que será construído em torno do antigo aeroporto da cidade, terreno doado à prefeitura pela União e que abrigará um bairro, o “novo centro cívico” da cidade. Nogaroli pretende atrair aposentados brasileiros de alta renda ao Eurogarden, inspirado no que a Flórida é para os americanos.

 

A “simbiose” público-privada de Maringá é criticada pela pesquisadora da Universidade Estadual de Maringá (UEM) Ana Lúcia Rodrigues, doutora em sociologia urbana e coordenadora do Observatório das Metrópoles Maringá. Ela vê promiscuidade na relação. “A lógica do desenvolvimento de Maringá continua a mesma do surgimento: loteamento imobiliário ancorado na imagem de cidade planejada”.

 

 

O direcionamento privado, na visão dela, favorece a lógica da valorização imobiliária, que expulsa a população de baixa renda para as cidades que fazem divisa com Maringá, como Sarandi e Paiçandu, enquanto enriquece alguns privilegiados.

 

 

Nessas cidades, não há avenidas largas e a qualidade de vida é baixa. Entre 2007 e 2017, o preço médio do m 2 maringaense subiu 357%, segundo o Inpespar/SecoviPR. “Empresários podem participar, não liderar políticas públicas”.

 

 

Todos os dias, 39 mil pessoas se deslocam das cidades-dormitório mais pobres para trabalhar em Maringá, porque não conseguem bancar o estilo de vida maringaense. “Maringá é fantástica. Mas só conseguimos essa qualidade de vida segregando as cidades do entorno”. O prefeito de Paiçandu, Tarcísio Marques dos Reis (PT), cita o exemplo do Complexo Penitenciário de Maringá, que fica bem na divisa da área residencial de Paiçandu, gerando ônus, sem contrapartida. ‘Os recursos vão todos para a cidade pólo”, queixa-se.

 

Fonte: Jornal Valor Economico.

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