Um projeto pioneiro no mundo desenvolvido pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) pode mudar significativamente a forma como cartéis em licitações públicas são investigados.
A ideia é usar o “big data” – imensos volumes de informação armazenados – para identificar que licitações tiveram comportamentos suspeitos já identificados na literatura antitruste.
O projeto é chamado de Cérebro, em referência aos X-Men. Nos quadrinhos – que depois viraram filmes – Cérebro é uma máquina capaz de pesquisar entre todos os habitantes do planeta. Os resultados já estão chegando. Em junho deste ano, a autoridade antitruste instaurou dois processos administrativos para apurar a existência de um cartel no mercado de órteses, próteses e materiais médicos especiais e outro no de estimuladores cardíacos implantáveis.
O Cerébro começou em 2013, diz o superintendente-geral interino do Cade, Diogo Thomson, quando a autarquia buscou reestruturar sua unidade de investigação de cartéis. “Várias autoridades antitruste ao redor do mundo entenderam que não podiam ficar a mercê de leniência e investiram em investigações”, disse. Nesse contexto, o Cade estudou o big data e concluiu que seria possível usá-lo nas investigações de cartéis em licitações públicas. A área foi escolhida porque possui grande número de dados públicos que hoje estão desorganizados.
Para dar o pontapé inicial, o Cade contratou dois consultores externos, um especializado em estatística e o outro em mineração de dados – um conjunto de ferramentas e algoritmos utilizados para encontrar dados e padrões no meio de um grande conjunto de informações. A partir daí, eles foram atrás do acesso a dados relativos a licitações e sua organização em um sistema. Em cima disso, criaram filtros econômicos que permitem ao usuário pesquisar dentro do banco de dados. Assim, como está no estágio atual, o Cérebro serve como suporte para investigações já em andamento além de outras atividades de rotina do Cade. Mesmo sem ainda ter atingido seu potencial pleno, o Cérebro já tem atraído a atenção de autoridades antitrustes de outros países.
O Cade recebeu consultas de seus congêneres de Portugal e da Suíça. Mas a ideia, ainda em desenvolvimento, é usá-lo para iniciar investigações, em conjunto com denúncias recebidas ou informações de mercados problemáticos. Para chegar lá, “temos buscado superar desafios, como a formação dos servidores e a atualização do banco de dados”, explicou Thomson.
O objetivo é que até o fim do ano ele “se torne uma etapa comum nas investigações de cartel em licitações públicas”. No caso dos dois processos administrativos já abertos graças ao uso do Cérebro – nos mercados de órteses, próteses e materiais médicos especiais e outro no de estimuladores cardíacos implantáveis – existia uma série de denúncias e ele foi usado para unir informações e encontrar o núcleo do suposto cartel.
O plano do Cade é que, no futuro, as provas levantadas pelo Cérebro sejam aceitas como um indício robusto. Até lá, reconhece Thomson, é necessário mudar a própria cultura do Judiciário já que o big data ainda não é encontrado comumente em tribunais. “Por isso, temos usado com parcimônia e feito vários testes internos, para que, quando vire corriqueiro, saibamos como usar”.
Quando a ferramenta chegar nesse nível, a ideia é compartilhá-la com outros órgãos da administração pública.
Fonte: Jornal Valor Economico.
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