A juçara foi durante muitos anos mais conhecida por seu palmito, macio e saboroso, do que por ser uma palmeira típica da Mata Atlântica.
Durante a ditadura militar, o governo chegou a estimular a instalação de indústrias — notadamente no Vale do Ribeira, na parte sul do estado de São Paulo — para sua exploração.
Muitos caiçaras — povo tradicional de áreas litorâneas de partes das regiões Sul e Sudeste do Brasil — se tornaram palmiteiros, aqueles que viviam da extração do palmito.
Com a ameaça de extinção da palmeira e a evolução da legislação ambiental, a partir dos anos 1980, os palmiteiros deixaram de ser incentivados e passaram a ser perseguidos por conta de crimes ambientais. A extração do palmito significa a morte da planta.
O impacto ambiental não termina aí. Como a juçara é uma importante fonte de alimento para os animais que vivem na floresta, áreas sem a árvore perdem também a diversidade de sua fauna.
Por isso, a sua preservação se tornou uma prioridade entre os defensores da Mata Atlântica. E uma alternativa pode estar ganhando força.
Morador do Vale do Ribeira, Gilberto Ota é um dos ativistas em defesa da juçara.
O Ota é de origem materna, e Gilberto conta que seu pai era caiçara da foz do Rio Ribeira de Iguape. A decisão de se considerar palmiteiro é mais política.
“Ao reivindicar a profissão de palmiteiro, estamos dizendo que as gerações anteriores das famílias que hoje vivem da juçara não eram de criminosos”, diz ele.
“Eram pessoas que trabalhavam com o cultivo da palmeira de uma forma diferente da que fazemos hoje.”
Quem visita a casa de Gilberto no Guapiruvu, bairro próximo a acesso de parques estaduais, em Sete Barras, logo percebe a relação dele com as palmeiras, seja pelo suco servido ou pelas plantações no entorno.
A conversa vai de temas de agroecologia, vida comunitária em torno da associação que dirige e as possibilidades econômicas da juçara — mais especificamente, do fruto dela.
O anfitrião só mostra alguma irritação quando é citado o “açaí de juçara”. “A gente planta aqui a juçara, açaí é outra palmeira, lá da Amazônia”, explica.
A confusão tem sua razão de ser. No Sul e Sudeste do Brasil, o açaí é consumido na forma de um sorbet, um creme doce e gelado, muito diferente da forma tradicional de consumo na Amazônia, em que ele faz parte de pratos salgados.
O creme se tornou tão popular no eixo Rio-São Paulo que açaí se tornou sinônimo da maneira como ele é preparado.
A juçara pode substituir o açaí nesta forma de alimento com a vantagem de ser colhido mais perto do mercado consumidor.
São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Espírito Santo e Minas Gerais são os maiores produtores do fruto da Mata Atlântica.
Ao entrar neste mercado, a juçara não compete com o açaí, pelo menos na opinião da pesquisadora Virgínia da Matta, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
“Na minha visão, os dois se apoiam, porque há mercado para a expansão da produção de ambos”, afirma.
Para ela, além do crescimento do mercado nacional, existe uma crescente procura no exterior, onde existe um conhecimento cada vez maior do fruto e de seus benefícios.
Apesar de ter uma cadeia mais estruturada, que não depende apenas do extrativismo, a produção de açaí ainda é menor do que a demanda.
A junção dos nomes dos dois frutos está na marca da Juçaí, empresa que produz o sorbet de jussara, um projeto que foi desenvolvido em parceria com a Embrapa.
Modelo ‘que dá certo’
Segundo o presidente da empresa, Roberto Haag, o projeto foi desenvolvido como uma forma de incentivar uma alternativa de exploração comercial que mantivesse a palmeira em pé.
Ele destaca que o produto ainda tem como vantagem em relação ao açaí uma maior quantidade de cálcio e de antioxidantes.
A empresa começou a atuar no Rio de Janeiro, e, hoje, mais da metade de suas vendas é no Estado de São Paulo.
A Juçaí também contou com uma parceria com a Universidade Federal de São Carlos (UFscar) para o mapeamento da ocorrência da juçara pelo Brasil e para desenvolver uma capacidade logística de produção, armazenamento, produção e distribuição.
As primeiras parcerias foram com fornecedores do Rio de Janeiro e depois expandiram para o Espírito Santo e o Vale do Ribeira, região de maior concentração da árvore no país.
“A gente vê que o modelo dá certo hoje para o produtor que trabalha a coleta da juçara junto com outras atividades agrícolas, como a produção de cacau e café”, comenta.
O Instituto Auá, dono da marca Empório Mata Atlântica, vende o sorbet com um nome sem concessões: creme de juçara.
Como o nome comercial indica, a especialidade deles são os frutos da floresta costeira, como a uvaia, araçá, grumixama e jerivá.
“A gente começou este trabalho a partir da rota do cambuci, nosso produto com a cadeia de produção mais estruturada até o momento”, diz Gabriel Menezes, presidente do instituto.
O cambuci é usado em bebidas, sorvetes e massas, por exemplo.
Uma das características do projeto é trabalhar apenas com extração a partir do plantio e não com a coleta dos frutos.
“A gente costuma dizer que os frutos que estão na floresta são para alimentar os animais”, afirma.
A maioria dos parceiros são pequenos produtores, de agricultura familiar, que se dedicam também a outros cultivos.
“Hoje é difícil alguém sobreviver exclusivamente dessa produção”, admite.
No caso da juçara, uma alternativa importante para tornar a produção sustentável é a parceria com o projeto Pró-Juçara da Fundação Florestal de São Paulo.
É uma forma de usar, além da polpa, as sementes da palmeira. O objetivo da fundação é utilizar as sementes para reflorestamento dos parques com a espécie nativa.
A aquisição é feita de produtores vizinhos aos parques, para manter as características locais das plantas. Depois, as sementes são jogadas por helicópteros ou drones.
O projeto existe desde 2019 e, em 2021, lançou 31 toneladas de sementes em 620 hectares de 11 unidades de conservação paulistas.
‘Arroz e feijão da floresta’
A juçara é importante para a preservação da fauna das áreas de preservação e costuma ser chamada de “mãe da floresta” ou “arroz e feijão da floresta” por servir de alimento para diversos animais da mata.
Integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) também estão usando as sementes de juçara para regenerar áreas devastadas dentro das reservas legais de acampamentos e assentamentos, além de também iniciar uma exploração comercial.
Um exemplo desta ação foi em meados de 2022 em Quedas do Iguaçu, no Paraná, quando foram lançadas por dispersão aérea mais de 4 toneladas de sementes.
Os sem-terras estão, nas duas situações, dentro de uma área recuperada pela União que antes era utilizada pela Araupel, empresa de papel e celulose.
O terreno de mais de 2 mil hectares era usado para o plantio de pinheiros e eucaliptos, e foi permitido à empresa a retirada da madeira antes da devolução da área.
Josué Rocha, um dos assentados, ficou com um lote com juçara nativas, junto das encostas.
Ele já tinha experiência de unir a produção da palmeira com o café em uma área em que trabalhava com o pai e o irmão.
“Estamos trabalhando com extrativismo e fazendo o plantio de sementes”, conta.
Ele tem sido um dos divulgadores das vantagens da preservação e plantio destas palmeiras no local.
Eles já contam com os equipamentos para a extração da polpa e devem começar nos próximos meses a produzir o sorbet lá mesmo.
Balas, picolés e geleias são outras possibilidades que eles estão desenvolvendo de venda. Todos produzidos dentro de parâmetros agroecológicos.
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cw4ekplyd9ro