A implantação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que integra a reforma tributária brasileira, trouxe um discurso recorrente em alguns ambientes: a ideia equivocada de que os municípios não precisarão mais fiscalizar, porque a receita “virá automaticamente”, distribuída pela lógica do “destino”.
Essa narrativa é sedutora — mas completamente falsa.
Na prática, a necessidade de auditoria, fiscalização e controle municipal não apenas continua, como se torna ainda mais estratégica. A razão é simples: se a repartição dos recursos dependerá do local efetivo de consumo, então cada município terá interesse direto em comprovar, registrar e validar as operações econômicas que, de fato, ocorrem em seu território. E isso exige capacidade técnica, sistemas eficientes, servidores capacitados e procedimentos de auditoria bem estruturados.
Este texto explica por que a auditoria municipal será absolutamente essencial na nova realidade do IBS e desmonta a falácia de que os municípios poderão “relaxar” na fiscalização.
1. O IBS muda a lógica, mas não elimina a necessidade de controle
Com o IBS, muda-se o paradigma: sai o modelo baseado na origem e entra em cena o regime de destino, em que o imposto é atribuído ao local onde ocorre o consumo final.
A partir disso, muita gente concluiu, de forma simplista:
“Se é destino, ninguém mais precisa fiscalizar; a distribuição será automática.”
Mas isso ignora uma questão central: quem define o destino? Quem valida? Como garantir que o que aparece como operação destinada ao município realmente ocorreu lá?
Sem auditoria municipal:
- operações podem ser registradas com destino incorreto;
- empresas podem adotar estratégias para deslocar artificialmente operações entre municípios;
- serviços digitais e operações complexas podem atribuir destino de maneira errada;
- erros nos sistemas nacionais podem gerar distorções significativas na distribuição;
- atividades não declaradas ou subdeclaradas continuarão afetando as bases de cálculo.
Ou seja, o destino só funciona se o município auditar.
2. O município precisa conferir o “parâmetro destino” — e isso não é automático
Mesmo com sistemas integrados nacionalmente, o município não estará dispensado de:
- verificar se o prestador informou corretamente o destino da operação;
- conferir se o tomador está, de fato, localizado no território municipal;
- auditar discrepâncias entre setores econômicos e comportamento real da economia;
- cruzar informações do IBS com notas fiscais de serviços, cadastros locais e dados econômicos;
- monitorar fraudes estruturais de alocação territorial.
A legislação do IBS não elimina a competência municipal de fiscalizar; ela altera o foco da fiscalização, que passa a ser:
auditar o destino, auditar o consumo e auditar a alocação territorial da operação.
O município não fiscaliza mais “a alíquota ou o fato gerador do ISS”, mas fiscaliza se o parâmetro utilizado para repartir a receita está correto — e isso determina diretamente o quanto de IBS entrará nos cofres locais.
3. A falsa sensação de tranquilidade é um risco para as finanças municipais
Se um município acredita que “não precisa fiscalizar”, corre sérios riscos:
a) Perder receitas para municípios vizinhos ou polos regionais
Basta uma empresa alterar o endereço do tomador ou do local de consumo, e a repartição muda.
b) Não detectar manipulação de destino em setores de alto impacto
Plano de saúde, telefonia, serviços digitais, intermediação, marketplaces e operações híbridas já são, hoje, alvos comuns de disputas de competência.
Com o IBS, essas distorções podem se agravar se os municípios não vigilarem.
c) Não perceber inconsistências em cadastros nacionais
A distribuição depende da qualidade dos dados informados.
Se o município não audita, não sabe o que está sendo atribuído a ele — nem o que deixa de ser.
d) Tornar-se dependente do sistema nacional sem capacidade crítica
Municípios sem controle interno forte ficam “às cegas”: recebem repasses sem saber se são corretos, suficientes ou se há erros.
4. Auditoria Municipal: o novo papel estratégico no IBS
A auditoria não será mais feita apenas sobre o contribuinte, mas sobre os dados que definem o destino.
Isso envolve:
- equipes com formação em contabilidade pública, análise de dados e legislação do IBS;
- uso de ferramentas de BI para cruzar informações setoriais;
- acompanhamento sistemático de setores de maior impacto no território;
- criação de rotinas de conferência e validação dos dados de destino;
- diálogo permanente com o Comitê Gestor do IBS;
- desenvolvimento de indicadores municipais que identifiquem inconsistências.
Em outras palavras, quem auditar melhor receberá melhor.
Não se trata de competir, mas de garantir justiça fiscal na redistribuição.
5. O município não perde autonomia: ele muda o foco da fiscalização
A reforma tributária não extinguiu a necessidade de fiscalização municipal.
Ela apenas mudou o objeto fiscalizável:
- antes: empresas e fatos geradores do ISS;
- agora: dados e parâmetros que determinam o destino das receitas do IBS.
A autonomia municipal continua — só que agora exercida no plano da auditoria da realidade econômica do território.
Conclusão: Fiscalizar nunca foi tão importante
A transição para o IBS não significa descanso para as administrações municipais.
Significa, ao contrário, maior responsabilidade, maior tecnicidade e maior necessidade de auditoria.
A ideia de que “os municípios não precisarão mais fiscalizar” é uma falácia perigosa que, se adotada por gestores públicos, pode resultar em perdas financeiras irreversíveis.
O IBS exige governança, controle, inteligência fiscal e auditoria constante.
O município que compreender isso estará preparado para a nova era tributária.
O que não compreender ficará refém do sistema e poderá perder recursos valiosos.

