Na emenda do Feriado de Finados (3/11/2023), a Grande São Paulo foi acometida por chuva intensa. Por isso, durante e até depois do temporal, a maioria dos municípios sofreu com a falta de energia elétrica.
O restabelecimento, na grande maioria dos imóveis paulistas, somente ocorreu, efetivamente, entre os dias 4 e 7/11/2023. Contudo, segundo levantamento divulgado pela Enel, até o dia 8/11/2023, ainda havia mais de 11 mil imóveis sem energia elétrica [1].
Esta situação trouxe à tona a antiga discussão se o aterramento dos fios elétricos resolveria a queda de energia sempre que alguma árvore atingisse postes e a fiação elétrica.
Como forma de custeio deste serviço de aterramento, o prefeito da capital Ricardo Nunes, a princípio, sugeriu a criação de uma nova taxa.
Contudo, a criação de um novo tributo, enquanto os moradores paulistanos sofrem com prejuízos materiais ocasionados justamente pela falta de energia elétrica, não foi vista com bons olhos.
Assim, visando evitar mais atritos políticos em ano anterior às eleições municipais, o prefeito voltou atrás e, em uma nova entrevista, pontuou que foi mal interpretado e que, na verdade, a prefeitura desejava criar uma contribuição voluntária [2].
Mas a pergunta que fica é, do ponto de vista constitucional tributário, seria possível o custeio do aterramento dos fios por meio de instituição de uma nova taxa ou contribuição? Caso seja aprovada a taxa ou contribuição, estes tributos poderiam ser voluntários? E ainda, o serviço poderia onerar ainda mais a tarifa mensal de energia?
A resposta, em nossa singela opinião, dependerá de quem vai efetivar estes serviços de aterramento.
Isto porque, caso seja a prefeitura a responsável pelas obras, em tese, é possível a cobrança de taxa ou contribuição, desde que haja regulamentação do novo tributo municipal por lei municipal ou medida provisória convertida em lei. Além disso, a cobrança somente poderá ocorrer no próximo exercício, o que deve ser, pelo menos, 90 dias depois da publicação da referia lei.
A taxa e a contribuição são espécies de tributos e, para a cobrança de qualquer tributo, é necessária a obediência dos princípios constitucionais da legalidade e da anterioridade tributária (art. 150, da Constituição Federal).
Outrossim, tanto a taxa quanto a contribuição jamais poderão ser voluntários, uma vez que a definição dada pelo artigo 3º, do Código Tributário Nacional (CTN) de tributo é de pecuniária compulsória, logo, obrigatória a todos que a lei considerar como sujeito passivo da obrigação tributária (contribuinte ou responsável).
Destaca-se, contudo, que para a exigência de taxa, é necessária a demonstração de que o serviço público é específico e divisível e que já foi prestado ao contribuinte ou que este serviço será posto à sua disposição, ou seja, a referida taxa não poderia ser cobrada de todos os contribuintes (pessoa física ou jurídica), mas somente do contribuinte cujo aterramento do fio elétrico já tenha ocorrido no seu domicílio ou na sua sede jurídica ou daquele cujo serviço está prestes a ocorrer.
Por este motivo, é importante relembrar que o Supremo Tribunal Federal já afastou a cobrança de taxa para a remuneração da iluminação da via pública [3] e da segurança pública [4], em virtude destes serem considerados como serviços públicos prestados de forma geral e indivisível à população.
Pontua-se também que, o custeio do aterramento dos fios poderá ocorrer por meio de contribuição, mas não aquela prevista na Constituição, para subsidiar a iluminação da via pública, que é geralmente cobrada junto à tarifa de energia elétrica, mas sim através da contribuição decorrente de serviços de melhoria.
Isto porque, o artigo 2º, do Decreto-Lei nº 195/1967 permite a cobrança de contribuição de melhoria em virtude da realização de obras públicas de instalações de redes elétricas. Ocorre que, assim como a taxa, esta contribuição não poderá ser exigida de todos os contribuintes, mas somente dos contribuintes que tiveram valorização imobiliária ocasionada pela realização da obra pública.
Nos termos do Decreto-Lei nº 195/1967, para cobrança da contribuição de melhoria, o município deve demonstrar a valorização do imóvel por meio da publicação de edital contendo, entre outros, a delimitação das áreas beneficiadas e a relação dos imóveis nelas compreendidos; o memorial do projeto; o orçamento do custo da obra e a determinação da parcela do custo das obras a ser ressarcida pela contribuição, bem como o plano de rateio entre os imóveis beneficiados.
Tendo em vista que esta contribuição somente pode ser cobrada dos imóveis que tiveram valorização comercial, é facultado aos proprietários dos imóveis a apresentação de impugnação administrativa contestando qualquer um dos elementos contidos no referido edital que justifica a cobrança da contribuição de melhoria.
Em resumo, o custeio do serviço de aterramento de fios poderia ser custeado por meio de taxa ou contribuição de melhoria, cuja natureza é de prestação pecuniária obrigatória (logo, não facultativa), desde que os serviços sejam realizados pela prefeitura e que sejam comprovados requisitos específicos, quais sejam: a prestação de serviço público específico e a valorização imobiliária em virtude da realização da obra pública, respectivamente.
Por fim, salienta que, caso a distribuidora de energia elétrica realize os serviços de aterramento dos fios elétricos, os custos destes serviços podem ser repassados a todos contribuintes de energia elétrica por meio da tarifa paga mensalmente, desde que haja previsão no contrato de concessão.
No caso específico da cidade de São Paulo, há a previsão em lei municipal prevendo que a distribuidora de energia elétrica (Enel) é obrigada a enterrar seus cabos. Contudo, em virtude da concessão do serviço de distribuição de energia ser regulamentada no âmbito federal, há decisão judicial suspendendo as prestadoras de cumprirem a norma municipal. Logo, esta decisão também impossibilita que serviços de aterramento dos fios elétricos sejam realizados pela Enel e que eventuais custos sejam repassados aos contribuintes por meio da tarifa paga mensalmente à título de energia.
Em síntese, por qualquer anglo que se olhe, os contribuintes não podem ser, atualmente, mais onerados pelos serviços de aterramento de fios elétricos, assim, independentemente do tipo de cobrança que sofrer, seja por meio de taxa, contribuição de melhoria ou aumento da tarifa de energia, sendo dever do contribuinte contestá-la por meio de processo administrativo ou judicial, caso uma dessas medidas ocorra.
[1] Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/11/08/14-mil-imoveis-seguem-sem-energia-na-grande-sp-desde-sexta-diz-presidente-da-enel.ghtml. Acesso em 13/11/2023.
[2] Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2023/11/08/prefeito-de-sp-fala-em-contribuicao-voluntaria-para-ajudar-a-enterrar-fios.htm. Acesso em 13/11/2023.
[3] Conforme enunciado da Súmula Vinculante nº 44: “O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa.”
[4] Neste sentido: STF, ADI 1.942/PA, Relator Ministro Edson Fachin, Pleno, julgado em 18/12/2015, DJE de 15/02/2016 e STF, ARE 931.872/DF, Relatora Ministra Rosa Weber, 1ª Turma, julgado em 05/04/2016, DJE de 20/04/2016.
Fonte: https://www.conjur.com.br/2023-nov-22/contribuinte-nao-pode-ser-onerado-por-aterramento-de-fios/