Está em discussão no Congresso Nacional a criação da Empresa Simples de Crédito, que na verdade trata-se muito mais da regulamentação de uma atividade do que propriamente da criação de um novo tipo empresarial, como o nome sugere (PL 341/2017 – art. 63-F ao art. 63-J). O fato é que esta nova figura pretende inaugurar uma nova forma de negócio no país e facilitar ou fomentar o acesso ao crédito, mas claro, não está isento de críticas.
A Empresa Simples de Crédito deverá ser, na verdade, uma empresa constituída sob a forma de Empresário Individual, EIRELI ou Sociedade Limitada constituída exclusivamente por pessoas naturais, e cujas atividades poderão ser exclusivamente de concessão de empréstimos, financiamentos e desconto de títulos de créditos perante pessoas jurídicas, sempre exclusivamente com recursos próprios. Outro ponto que merece destaque é que sua atuação será restrita ao Município onde sua sede estará estabelecida e em municípios vizinhos.
Ainda sobre suas características formais, será obrigatório que o Capital Social seja integralmente integralizado em moeda corrente desde a sua constituição, e sempre, respectivamente, nos seus atos alteradores, além disso, será obrigatório que esta empresa possua na sua denominação social a expressão “Empresa Simples de Crédito”, sendo vedadas expressões como “banco” ou qualquer outra que remeta a instituição financeira, proibição que, aliás, se estende até quando da divulgação das atividades da empresa.
As Empresas Simples de Crédito também serão vedadas de promover qualquer forma de captação de recursos perante o mercado; de firmarem operações de crédito, na condição de credoras, com entidades públicas em geral (municipais, estaduais ou federais, diretas, indiretas ou funcionais); e de oferecerem outros serviços e encargos junto das operações de crédito, mesmo que sob a forma de tarifas – sendo, portanto, a remuneração destas empresas limitada exclusivamente às taxas de juros praticadas.
Até por isso as taxas de juros por ela praticadas não estarão limitas às estipuladas pelo Decreto 22.626/33 e nem pelos art. 591 c/c 406 do Código Civil, além disso, ficarão submetidas à legislação mais simplificada do Banco Central e poderão utilizar a alienação fiduciária nas suas operações de crédito, sendo, inclusive, para fins de tributação de IOF, equiparadas às empresas de factoring.
Por óbvio, todas as transações destas Empresas deverão ser acobertadas por contrato cuja cópia deverá ser fornecida ao tomador do crédito, e ainda, deverão ocorrer por meio de contas bancárias de titularidade da própria empresa.
Para garantia e sustentabilidade do mercado e da ordem economia, o endividamento destas empresas estará sempre limitado a 3 (três) vezes o valor do seu patrimônio líquido, aí consideradas as obrigações do passivo circulante, as obrigações por cessão de créditos e as garantias prestadas, e até para a fiscalização deste requisito, a Empresa Simples de Crédito deverá realizar a escrituração pública eletrônica digital.
Por fim, cabe ressaltar que a Empresa Simples de Crédito sujeitar-se-á ao controle e regulamentação da COAF.
Considerações sobre a legislação:
O primeiro ponto que chama atenção no Projeto de Lei é que embora altere a LC 123/06, o Estatuto Nacional da Micro e Pequena Empresa, o projeto não deixa claro se estas empresas poderão ou não optar pelo Simples Nacional, o que deveria estar de forma explícita na projeto.
Um ponto extremamente positivo é a ampliação do acesso ao crédito, muito embora as taxas praticadas não devam ser propriamente atraentes, será mais uma opção.
Outro ponto que poderia estar mais claro no PL é em relação à titularidade da Empresa Simples de Crédito. Parece que o Legislador pretende que apenas pessoas físicas possam constituir Empresas Simples de Crédito, pois então, que seja mais claro(!), pois da forma que está escrito, dá margem a outras interpretações e a judicialização da questão.
Fato análogo ocorreu com a própria criação da EIRELI, uma vez que lei diz que “A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular” (art. 980-A, CC), mas não especifica: “apenas pessoas naturais” (ou físicas). Assim, a princípio, as Juntas Comerciais somente admitiam os seus registros quando constituídas apenas por pessoas físicas, mas hoje já há diversas decisões judiciais garantindo o direito de Pessoas Jurídicas constituírem este tipo societário. Enfim, é preciso que a lei seja mais clara com relação a constituição apenas por Pessoas Naturais ou não, para evitar a judicialização da questão, inclusive, com a criação deste tipo de Empresa por agentes financeiros para atuar no segmento.
Outra questão que merece muita atenção é que esta lei, da forma que está redigida, acaba permitindo o desvio de direito por parte de pessoas que praticam a agiotagem, isto é, permite de agiotas constituam empresas neste segmento para oficializar ou legalizar as suas atividades. Isto não é de todo ruim, na medida em que lança as luzes da legalidade sobre uma atividade tão nociva à sociedade, mas é preciso cuidado para que essa regulamentação não seja mais uma arma desses agentes contra os tomadores do crédito, para além das práticas já adotas que todos já conhecemos muito bem. De toma forma, se estas práticas atuais forem mitigadas pela legalização dos empréstimos, pode representar um ganho social, mas se permanecerem e ainda ganharem o poder da espada (da lei, da justiça), poderá ser ainda mais nefasto para a sociedade.
E, finalmente, também será necessária especial atenção quanto à possibilidade de utilização deste tipo de empresa para a lavagem de dinheiro e coisas do tipo, aí a lei acerta ao deixar expresso a sujeição destas empresas à regulamentação da COAF, que precisará ser muito bem feita.
Adicionalmente, poderia ser mais um grande ganho deste Projeto determinar que estas empresas ofereçam condições especiais de crédito aos MEIs e às MPE optantes pelo Simples Nacional, numa espécie de contrapartida para a opção pelo regime simplificado, tal como ocorre com a atividade de contabilidade, obrigada a atender gratuitamente ao MEI em determinadas ocasiões. Seria mais uma forma de incrementar o empreendedorismo no país, fortalecer a Micro e Pequena Empresa e, por isso, consigno aqui esta sugestão.
Fonte: Contábeis, portal do contabilista.