Os movimentos populares de 2013 e os desdobramentos de operações anticorrupção, entre elas a “lava jato”, levaram o Brasil a outro patamar na fiscalização do poder público pelos cidadãos. A sensação daquele momento — e que acabou confirmada — era a de que nada seria como antes. E, de fato, não é.
Eficiência e combate à corrupção deixaram de ser apenas desejos populares ou prescrições legais e passaram a pautar as ações de gestão pública, com o maior interesse e fiscalização por parte da sociedade sobre o agir dos órgãos e entidades públicas. A ideia de que a integridade é um dever de todos fez com que o compliance fosse formalmente exigido das empresas que se relacionam com o poder público, nos termos da Lei Anticorrupção, e também dentro da Administração.
A efetivação dessa nova realidade está ligada à transparência administrativa, característica que permite a fiscalização pelos próprios cidadãos, com especial atenção à probidade e à eficiência na prestação de serviços públicos. Acesso à informação e controle social são indissociáveis, especialmente na era digital.
O movimento de transparência na Administração, que encontra base constitucional na publicidade prevista no caput do artigo 37 da CF, foi impulsionado com a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000), sendo incrementado com a alteração dessa norma pela LC nº 139/2009. Posteriormente, em 2011, ganhou contornos mais amplos, abrangendo toda a gestão pública, com a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.257/2011) e as obrigações ligadas tanto à transparência passiva quanto à ativa.
Recentemente, a PEC nº 32/2020, que trata da reforma administrativa, inclui a transparência como princípio constitucional, o que representa mais um compromisso do Estado brasileiro com esse valor fundamental da democracia e do Estado de Direito.
Por sua vez, o controle social da gestão pública ganhou importantes contornos com a criação de conselhos com participação de membros indicados pela sociedade civil, constituindo-se em órgãos colegiados aptos a garantir a participação popular na gestão e fiscalização do emprego de recursos públicos em políticas públicas e serviços públicos.
Nesse passo, foram criados os Conselhos de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb (artigo 212-A, inciso X, alínea “d”, da CF, e Lei nº 11.494/2007), em nível federal estadual e municipal, de composição plural (membros do Poder Executivo, representantes de pais e de alunos), destinados a realizar o “acompanhamento e o controle social sobre a distribuição, a transferência e a aplicação dos recursos” de tal fundo (artigo 24, caput, da Lei nº 11.494/2007).
Também os Conselhos de Saúde (artigo 77, §3º, do ADCT, e Lei nº 8.142/1990) ganham cada vez mais importância como instâncias colegiadas de participação social, tanto na formulação estratégica das políticas de saúde, quanto do controle de sua execução financeira e orçamentária, com grande relevo em momentos de crise sanitária, como o que atravessamos e que demandam a realização de políticas técnicas aliadas a controle social para a sua efetivação. Em âmbito subnacional, a implementação desses conselhos é importantíssima, por ser requisito para o repasse de recursos do Funda Nacional de Saúde (artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 8.142/1990), necessários para o atendimento da população.
Além dessas duas áreas, também houve a criação dos Conselhos de Política Cultural (artigo 216-A, §2º, inciso II, da CF e regulamentos das esferas federativas), de composição mista entre membros do Executivo e da sociedade civil, com caráter deliberativo e consultivo das políticas culturais a serem implementadas pelas três esferas de poder.
Como forma de permitir a participação social nas políticas de habitação, diversos municípios criaram os conselhos municipais de habitação, com funções deliberativa, consultiva e fiscalizadora das políticas públicas de habitação e seus respectivos recursos. Tais colegiados também possuem composição plural, entre membros do Executivo municipal e da sociedade civil.
O controle social da gestão pública foi reforçado também pela Lei nº 13.460/2017, que institui medidas de “participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos prestados direta ou indiretamente pela administração pública” (artigo 1º). A norma conferiu importante papel às ouvidorias no recebimento de reclamações e denúncias dos cidadãos.
Ao lado dessas medidas legislativas, as instituições tomaram iniciativa para ampliar a participação social na gestão pública. O acesso às ouvidorias foi facilitado por canais eletrônicos, em serviços centralizados. Destaca-se ainda o termo de cooperação firmado entre o Ministério Público do Estado de São Paulo e a Associação Paulista dos Municípios, com a finalidade de instituir ouvidorias em todas as cidades e possibilitar a troca de informações.
Os órgãos de controle, por sua vez, que sempre tiveram a fiscalização como competência central, também atuam no sentido de fortalecer a transparência da gestão pública, com a abertura de canais de comunicação direta com a sociedade. É o caso do aplicativo Fiscalize com o TCESP, que permite ao cidadão paulista enviar mensagens com fotos e vídeos sobre a situação dos serviços públicos que utiliza, subsidiando as equipes de fiscalização e ampliando o alcance do controle externo a partir do controle social.
No mesmo sentido, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo criou também o Mapa da Câmaras, o Painel de Obras Paradas e o Observatório Fiscal. Esses e outros mecanismos de transparência consistem em resposta dos próprios Tribunais de Contas ao novo cenário nacional, sempre no intuito de conferir eficiência e lisura na gestão pública.
As leis existem e os canais de participação estão sendo ampliados. Cabe ao cidadão aproveitar o momento e o espaço em benefício da coletividade. Afinal, todos se beneficiam de uma gestão pública proba, eficiente e íntegra.
Fonte: https://www.conjur.com.br/2020-dez-04/dimas-ramalho-transparencia-participacao-social-gestao-publica