O Tribunal de Contas da União (TCU) vai decidir na próxima quarta-feira sobre a legalidade do bônus de eficiência pago a servidores da Receita Federal. Parecer da área técnica do órgão aponta uma série de irregularidades no benefício, que podem colocar o governo na rota de um possível crime de responsabilidade.
O bônus, cujo valor chega a R$ 3 mil, sequer está sujeito à contribuição previdenciária. Sobre uma parcela variável do benefício, um interlocutor disse ao Valor que o montante ainda não é pago porque não haveria como atender a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
O cenário mais provável é de veto ao benefício, com chances de o tribunal determinar a suspensão imediata do pagamento. Nesse caso, a continuidade da despesa poderia ser vista como crime do presidente Jair Bolsonaro (PSL).
O relator da matéria no TCU, ministro Bruno Dantas, ao longo do ano já vinha fazendo cobranças de informações sobre o tema ao governo.Um outro cenário, mais brando, também cogitado no tribunal, seria o de manter o pagamento dos valores fixos, mas impedir a implementação da parcela variável. Ainda assim, se optarem por esse modelo, os ministros deverão determinar a adoção de medidas para compensar os valores referentes à contribuição previdenciária não recolhida.
O assunto é polêmico há anos. A Medida Provisória nº 765, de 2016, que criou esse mecanismo, foi editada diante de pressões da categoria. Os servidores fizeram paralisações e operação padrão, penalizando a arrecadação em meio à crise fiscal. A MP foi convertida na Lei nº 13.464, de 2017.
Na própria área econômica, o mecanismo é visto sem qualquer simpatia, à exceção da Receita. Por pragmatismo, contudo, os setores contrários evitam falar abertamente e também não devem impor dificuldades adicionais para o Fisco defender o seu pleito na Corte de contas.
Outra fonte do governo ataca duramente o dispositivo, respaldando a visão da área técnica do TCU de que a lei já teria nascido equivocada. Isso por não ter apontado fontes de aumento permanente de receita ou corte de despesas para o seu cumprimento, o que viola a LRF.
Esse interlocutor oficial lembra que o bônus representa um privilégio em relação às demais carreiras de Estado e cria um gasto obrigatório e permanente. Mas também contém situações inexplicáveis, como a falta de critérios mais objetivos para a sua concessão e que não gerem conflito de interesse, além da isenção de recolhimento de contribuição para a previdência social.
Esse, aliás, é um dos pontos de críticas fortes do relatório da área técnica do TCU. “Criou-se um benefício tributário aos servidores dessas carreiras, sem o devido atendimento de requisito previsto na Constituição Federal de 1988: edição de lei específica que tratasse exclusivamente de benefício tributário (artigo 150, parágrafo 6º)”, apontam os técnicos.
No texto, consta que, de janeiro de 2017 a abril de 2019, o bônus a aposentados e pensionistas foi pago com recursos oriundos do custeio da seguridade social. Foram utilizados R$ 141,4 milhões de recursos da Cofins, R$ 104 milhões da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e R$37,4 milhões da Contribuição do Servidor para o Plano de Seguridade Social do Servidor Público.
“Embora não participem do custeio da previdência social, os BEP [bônus de eficiência e produtividade] são pagos com recursos oriundos de fontes orçamentárias da seguridade”, frisa o parecer.
Advogados da área tributária citam como “curioso” o fato de não haver recolhimento de contribuição previdenciária sobre o pagamento do bônus aos servidores da Receita. “Porque, paradoxalmente, há uma caçada do Fisco em relação a PLR [planos de Participação nos Lucros e Resultados] que é distribuída pelas empresas privadas aos seus funcionários”, afirma um especialista.
De 2015 para cá foram publicados mais de 320 acórdãos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) só sobre esse assunto.
A Receita costuma autuar as empresas por falta do pagamento da contribuição previdenciária, mesmo havendo a Lei nº 11.101, de 2000, que isenta do recolhimento. A justificativa para os autos de infração é a de que as empresas não seguem os critérios estabelecidos na legislação, entre eles o que prevê regras claras e objetivas ao plano.
“Isso é muito subjetivo. O que é claro para o contribuinte quase nunca é para a Receita Federal”, diz outro advogado.
O texto dos técnicos do TCU é bastante duro também em relação ao problema original de violação da LRF. “Não foram evidenciadas as premissas e metodologia de cálculo utilizadas para se estimar a despesa”, consta em um dos trechos. “Não é possível ao menos estimar quanto perceberia cada servidor das aludidas carreiras a título de BEP, pois além de conter uma estimativa de despesa equivocada, não há qualquer informação sobre o valor individual do bônus”, prossegue.
No parecer há questionamento ainda à parcela móvel do bônus, a despeito de ela ainda não estar vigente. “A criação dessa remuneração variável não atendeu integralmente aos ditames da LRF, notadamente no que se refere à criação da variabilidade do bônus. A inexistência da composição das bases de cálculo não permite ao menos conhecer a ordem de grandeza dos valores globais dos bônus e, consequentemente, da despesa para custeá-lo.”
O advogado Juliano Costa Couto, do escritório Costa Couto, que representa o sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco) no processo do TCU, defende que há uma lei vigente, que não foi impugnada pelo Judiciário. “O TCU pode reger e controlar os atos administrativos, mas há precedentes do Supremo Tribunal Federal de que ele não tem competência para determinar a não aplicação de uma lei por considerá-la inconstitucional”, afirma.
Fonte: Valor Econômico.