Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) promete colocar um ponto final na guerra fiscal entre municípios em todo o país – especialmente aqueles que estão localizados na divisa entre os estados. Ao julgar um caso envolvendo o governo do Distrito Federal e a cidade de Poá, no interior de São Paulo, os ministros determinaram que as prefeituras não podem reduzir a base de cálculo do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) como forma de atrair contribuintes – sejam eles pessoa física ou jurídica – e deu aos municípios a autonomia de ajuizar reclamação no órgão caso a ordem seja descumprida.
A ação envolvia uma lei de 1997 que excluiu da base de cálculo do ISSQN o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido, o PIS/Pasep, a Cofins e o valor do bem envolvido em contratos de arrendamento mercantil. Ajuizada pelo DF, a ação contou ainda com a participação dos municípios de Barueri, São Paulo, e Porto Alegre.
O Relator do processo, o ministro Edson Fachin argumentou que ao aprovar a legislação, o município de Poá usurpou a competência da União para legislar sobre matéria tributária e descumpriu a alíquota mínima de 2% prevista na Constituição Federal. “Não há espaço para que os municípios, a pretexto de abordar os aspectos não detalhados pela lei nacional de direito tributário, subtraiam da base de cálculo do ISS aquilo que não foi expressamente autorizado pela Lei Complementar 116/03.” Ainda de acordo com ele, o desrespeito à regra levaria a uma “miríade de leis municipais” em um país que tem mais de 5 mil cidades. A guerra fiscal ocorre quando há a redução do ISS, o que acarreta uma espécie de leilão de incentivos fiscais para a instalação de empresas, gerando prejuízos para a arrecadação.
Especialista em direito tributário e societário, o advogado José Márcio Diniz Filho ressalta que a decisão do STF é importante especialmente ao permitir que os municípios ajuizem ação de reclamação constitucional no órgão, o que antes não era possível, cabendo a eles apenas recorrer aos tribunais de Justiça. “Além de o STF pela primeira vez dar um norte para regular a guerra fiscal, a possibilidade de entrar com a reclamação encurta o caminho para aquele município que se sentir prejudicado pela legislação de outro município”, explica ele.
FALSA PROMESSA A Prefeitura de Poá foi notificada da decisão do STF no mês passado, e agora terá que se adequar ao entendimento dos ministros. Embora a sentença seja aplicada apenas a Poá, cria uma jurisprudência que poderá afetar outros municípios que tenham aprovado leis semelhantes. “Caberá a eles a adequação das normas locais para evitar a falsa promessa de benefícios fiscais que não podem cumprir”, afirma o advogado José Márcio. Ele lembra que caberá a cada cidade criar outras formas para atrair investimentos e fomentar a economia local. Ao modular os efeitos da decisão, os ministros determinaram a retroatividade de seus efeitos a 15 de dezembro do ano passado – data em que foi concedida uma liminar pelo STF suspendendo a vigência da legislação municipal.
Dessa forma, não poderá ser exigido do contribuinte aquilo que ele deixou de pagar em razão dos benefícios fiscais concedidos até aquele dia. Levando-se em conta que cerca de 600 municípios mineiros têm menos de 15 mil habitantes – e dependem basicamente do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), sem grande impacto com a cobrança do ISS –, a guerra fiscal não é tão forte em Minas Gerais.
“O ISS tem pouco peso na receita dessas cidades, assim como o IPTU”, diz Antônio Andrada, presidente da Associação Mineira dos Municípios (AMM). De acordo com ele, o impacto de uma guerra fiscal seria maior nas cidades que estão próximas da divisa de Minas com São Paulo e Goiás.