O que se deve fazer agora é racionalizar a tributação e premiar quem gera postos de trabalho

por Grupo Editores Blog.

 

 

Com pouco mais de um mês para terminar 2020, e uma fila de pendências no Congresso que inclui a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2021, a pauta de reformas estruturantes vai sendo empurrada para o próximo ano, num sanduíche entre as demandas provocadas pela pandemia e a contagem regressiva, no campo político, para as próximas eleições presidenciais.
 
 
 
Nesse cenário complexo, o professor do IDP José Roberto Afonso, articulista da revista Conjuntura Econômica, considera que a prioridade do Executivo e Legislativo deve estar posta na mitigação dos efeitos econômicos do choque sanitário. O que não significa abandonar a agenda de reformas, mas adaptá-la para o atual contexto. No campo do sistema tributário, defende, “em caráter emergencial, racionalizar a tributação de empreendedores e premiar quem gera emprego formal e novos postos de trabalho”.  O que, para Afonso, estaria contemplado na proposta do Simplifica Já. “O Simplifica Já tem a virtude de não ser um projeto de reforma tributária, propriamente dito. Em essência, visa a racionalizar o sistema, sem mudar os tributos. Como tal, sua maior virtude é não pretender mudar impostos em meio a uma pandemia e a uma recessão. Nesse caso, a melhor proposta é combater a pandemia e seus efeitos”, diz.
 
 
 
O Simplifica Já prevê uma nacionalização da legislação do ICMS e do ISS, mantendo-os em suas respectivas esferas, estadual e municipal, ambos sendo tributados no destino. Já no nível federal, aponta a uma unificação de PIS e Cofins, além de tornar o IPI um imposto seletivo. O projeto também contempla uma desoneração da folha de pagamento, a partir da redução da contribuição previdenciária patronal para empresas com maior massa salarial e maior número de empregados. Liderado por associações de auditores fiscais e do setor de serviços, o Simplifica Já ganhou o apoio oficial de prefeitos de capitais e grandes cidades, preocupados em perder competência tributária na proposta de unificação de todos os impostos sobre consumo da PEC 45. “O ISS incide sobre a base de cálculo que mais cresceu e é mais promissora (registrou aumento arrecadatório real de 136% de 2015 a 2018, contra 57% do ICMS, ainda que este continue com maior peso). É louvável que não aceitem trocar imposto próprio por transferência, de modo que não querem abrir mão de sua autonomia. Ao que parece, não se sentem seguros com as mudanças contempladas na PEC 45 e preferem uma opção que preserve suas atuais bases”, diz Afonso.
 
 
 
A PEC 45 prevê a formação de um conselho gestor que definiria a distribuição dos recursos dos cinco impostos sobre consumo (PIS, Cofins, IPI, ISS e ICMS) e que, na proposta defendida pelos governadores, descrita pelo secretário de Fazenda de Pernambuco ao Blog da Conjuntura Econômica, prevê uma formação majoritária de representantes desses entes devido à arrecadação do ICMS ser proporcionalmente maior que a dos demais impostos. “Esse arranjo não resolve a perda de competência própria dos municípios, e a decisão que hoje tomam individualmente, em cada cidade, por outro processo colegiado, ainda mais se for para compartilhar com governos estaduais, que são muito maiores do que os municípios, em termos financeiros e políticos”, afirma Afonso.
 
 
 
O economista reconhece, entretanto, que a não-unificação dos impostos como prevista nas PEC 45 e 110 deixará pendente, entre outros temas, uma adequação do sistema tributário à economia digital. Hoje, o principal problema trazido pelos avanços tecnológicos é a disputa entre ICMS e ISS na competência de tributação, por exemplo, do direito de uso de um software, que dispensa compra em prateleira ou carregamento em computadores. “Essa é uma fronteira inegavelmente cinzenta, e que ganhou novos contornos com decisões recentes do STF, em favor dos municípios”, diz. Em conversa recente com o Blog da Conjuntura, o advogado Leonel Cesarino Pessôa, da FGV Direito-SP, comentou que esse conflito também acontece em outras atividades, como a construção civil, em que muitas vezes um construtor deixa de optar pelo uso de sistemas mais produtivos, como pré-fabricados, para pagar uma alíquota menor de imposto – o ISS, concentrando a produção no canteiro de obra. Nesse caso, entretanto, Afonso considera que a unificação de impostos terá outros efeitos colaterais mais daninhos. “A construção civil hoje goza de um regime especial e tende a ser uma das atividades mais afetadas pela adoção de imposto ou contribuição com alíquota única. Creio que isso estimulará planejamento tributário mais sofisticado, que, inclusive, induzirá a mais avanço da dita pejotização, seja pelo lado dos insumos, com construtoras estimuladas a trocar a contração de empregados pela de serviços, seja pelo lado dos produtos, com os compradores de imóveis passando a preferir o fazer como pessoa jurídica no lugar de física”, descreve. “O efeito colateral pode ser pior que a distorção original que se pretendia combater.”
 
 
 
Afonso reitera que o caráter da crise econômica provocada pela pandemia demanda outro olhar sobre a reforma, buscando mudanças com efeitos mais céleres no estímulo ao investimento produtivo que os previstos nas PECs 45 e 110. “Não vejo prioridade, oportunidade nem pertinência nesses projetos. Agora é preciso racionalizar a tributação e, quando se conseguir controlar a crise, construir as bases de um novo sistema tributário olhando para o futuro, e não atento ao retrovisor, acompanhando os debates internacionais em busca de novos arranjos – e até de novos tributos”, diz.     
 
 

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