A Ministra Assusete Magalhães, da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), anulou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS), proferido em sede de Embargos de Declaração que negou a tributação especial do ISS com base no número de profissionais para uma sociedade de contadores.
O TJ/RS havia entendido que a sociedade de contadores tem caráter empresarial, deixando de apreciar diversos dispositivos do Código Civil que evidenciam sua natureza de sociedade simples de prestação de serviços intelectuais e não empresária.
Desta forma, o STJ determinou que o TJ/RS se pronuncie sobre esses dispositivos legais, ainda que para indicar os motivos pelos quais porventura venha a considera-los impertinentes ou irrelevantes, na espécie (AgInt no ARESP 296.059).
Desde a petição inicial e durante todo o trâmite do processo, foi sustentado que a definição da natureza de uma sociedade advém do seu objeto social, e sendo sua atividade unicamente a prestação de serviços intelectuais de contabilidade, não pode ser considerada empresária por força do Código Civil (artigos 966, parágrafo único¹ e 982²).
Para reforçar sua argumentação, a sociedade alegou que, se fosse empresária, seria obrigada a ter registro na Junta Comercial antes mesmo do início de sua atividade – mas que, justamente por ser uma sociedade simples de prestação de serviços intelectuais, ela é registrada no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, nos termos dos artigos 967³ e 1.150⁴ do Código Civil.
Mesmo após serem apresentados Embargos de Declaração (espécie recursal que tem a finalidade de trazer esclarecimentos sobre questões omissas, obscuras ou contraditórias), o TJ/RS não se pronunciou quanto a tais aspectos. Assim, a Ministra Relatora entendeu que não se considera fundamentada a decisão judicial que não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador.
A decisão prestigiou o princípio da motivação das decisões judiciais, segundo o qual o Judiciário deve se pronunciar sobre todas as questões suscitadas e surgidas no processo – caso não o faça, estaria impondo obstáculos ao acesso à instância extraordinária.
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal apenas julgam os Recursos Especial e Extraordinário, respectivamente, se as questões legais e constitucionais estiverem prequestionadas – ou seja: se as questões forem devidamente enfrentadas pelos Tribunais. Daí a relevância de que todos os aspectos sejam julgados; caso contrário, não se terá o direito ao pronunciamento das Cortes Superiores.
A decisão salientou, ainda, que a eventual atribuição de efeitos infringentes aos Embargos de Declaração é possível, excepcionalmente, nas hipóteses em que, ao sanar os vícios neles apontados, a alteração da decisão embargada surja como consequência natural, lógica e necessária da integração do julgamento embargado.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao julgar cada um dos dispositivos legais sobre os quais havia sido omisso, poderá chegar a outra conclusão, isto é, modificar o seu anterior posicionamento e concluir que a natureza empresarial realmente está definida no Código Civil em razão do objeto da sociedade e não em razão de outros elementos como: o tamanho da sociedade, seu faturamento, sua estrutura, organização ou número de sócios e colaboradores. Isto poderia inverter, portanto, o resultado do julgamento de mérito.
Há, ainda, outro fato sobre o qual o TJ/RS deve se pronunciar: o julgamento do Plenário do STF que declarou, om repercussão geral, a inconstitucionalidade da legislação do Município de Porto Alegre por divergir da base de cálculo estabelecida pelo artigo 9º, §§1º e 3º do Decreto-Lei nº 406/68 em manifesta violação ao art. 146, III, “a”, da Constituição Federal (RE nº 940.769/RS), na medida em que estabelece impeditivos à submissão de sociedades profissionais ao regime de tributação especial do ISS fixo e anual, extrapolando o referido Decreto-Lei.
Trata-se de importante precedente, primeiramente porque reconheceu que as omissões perpetradas pelo TJ/RS comprometeram a prestação jurisdicional, por não ter fornecido fundamentação jurídica adequada; e principalmente, porque a discussão sobre a tributação de sociedade de profissionais, que perdura há décadas, jamais foi devidamente enfrentada à luz do Código Civil, cuja definição de sociedade empresária é totalmente diversa daquela que vem sendo utilizada pelos tribunais.
[1] Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
[2] Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais.
Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.
[3] Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.
[4] Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária.
Autores:
Luciana Nini Manente – Advogada Tributarista | Escritório Eduardo Jardim Advogados Associados.
Contato: luciana@eduardojardim.com.br
José Eduardo Burti Jardim – Advogado Tributarista | Escritório Eduardo Jardim Advogados Associados.
Fonte: https://www.terra.com.br/noticias/dino/iss-de-sociedade-de-contadores-deve-ser-julgado-segundo-codigo-civil-diz-o-stj,207e8c916835c969e765c5d2fb5dd715s5gdp67v.html