O exemplo da cidade de Santos, no litoral paulista, mostra como o uso da tecnologia pode aumentar a eficiência e a economia de recursos. A implantação de gestão de mudança, no entanto, pode ser complexa e exige poder de convencimento.
As possibilidades tecnológicas seguem transformando a vida dos cidadãos. Evoluções e disrupções geraram aplicativos, sites e serviços conectados que permitem atendimento das mais variadas necessidades. Aliadas a modelos de negócios diversificados, economias de escala, inteligência de dados e melhoria na experiência dos usuários, essas inovações possibilitaram uma revolução na maneira como as pessoas interagem e resolvem problemas. Ferramentas para buscar transporte, teto, comida, serviços, informação ou parceiros amorosos mudaram drasticamente nos últimos 20 anos. E nem sempre governos mudaram para se adaptar a essa transformação nos hábitos da sociedade.
A administração pública burocrática é pautada pela predefinição de processos impessoais e estanques, que ofereçam previsibilidade e imparcialidade nas relações entre o Estado e o cidadão. Implementar algo novo implica assumir e gerenciar riscos, ultrapassar barreiras, vencer resistências internas e externas de forma sustentável. Há muita coisa inspiradora por aí, inclusive para ajudar a implementar rapidamente transformações governamentais.
A Escola Nacional de Administração Pública organiza anualmente seu concurso de inovação na gestão pública, reconhecendo práticas transformadoras que resultaram em melhoria na gestão. A prefeitura de São Paulo lançou em 2018 o programa CopiCola, ferramenta que compartilha aprendizados e bastidores sobre inovações implementadas pelo governo municipal, ensinando como replicar a iniciativa.
Já a Agenda Pública, organização especialista no aprimoramento de serviços públicos, lançou uma cartilha online sobre como elaborar a Carta de Serviços, documento a ser criado por cada órgão de uma administração, informando quais serviços oferece, a forma de acesso a cada um deles, os compromissos com o atendimento e padrões de qualidade estabelecidos. O atendimento dos serviços de saúde e o fluxo de informação aos cidadãos na cidade de Terra Santa, no Pará, por exemplo, alcançaram melhora significativa graças à cartilha desenvolvida com o apoio da organização.
Santos, município no litoral de São Paulo, ganhou destaque na implementação de serviços eletrônicos para os cidadãos. Em 2006, a Secretaria de Educação desenvolveu o Sistema Integrado de Gestão Escolar, que permite cadastrar alunos da rede municipal em um único banco de dados. Isso aumentou a efetividade na demanda de vagas de creche, colaborou para o fim do deficit, além de mapear com mais assertividade a evasão escolar. Depois, criou o Sistema Integrado de Atendimento Social, que conecta o banco de dados das secretarias de Assistência Social, Cultura, Educação, Esportes e Saúde, o que possibilitou eficiência na alocação de recursos nas respectivas áreas. Outra iniciativa foi o Sistema Integrado de Saúde e Administração de Materiais para agendamento eletrônico de exames e consultas médicas e controle de estoques de insumos.
A aposta na construção de sistemas integrados trouxe ao município uma escalada inovadora na eficiência da gestão de informações para tomada de decisão e ampliação do acesso ao serviço público. Atualmente, a prefeitura engloba todos os seus serviços digitais no portal Governo Eletrônico. Nele, o cidadão pode se informar por meio da carta de serviços e acompanhar o cumprimento das metas no portal de transparência.
O município alcançou 7º lugar no Índice Brasil de Cidades Digitais, que mediu o nível de digitalização de 75 cidades brasileiras em relação à infraestrutura e serviços prestados à população, aparecendo também em 1º no ranking da transparência do Ministério Público Federal (2016). Em números, o governo eletrônico de Santos já poupou 1,5 milhão de folhas de papel, reduziu em 80% o tempo médio de solução dos processos, gerou uma economia de R$ 670 mil por ano com material, logística e pessoal e de R$ 12 milhões em despesas com publicidade, limpeza, prestação de serviços, entre outras.
Usar o poder da tecnologia para gerenciar informações de forma estratégica e integrada permite melhor alocação de investimentos, facilitando as interfaces e o atendimento aos cidadãos, e aumenta a eficiência e a economia de recursos. Sistemas digitais bem desenhados facilitam a vida dos envolvidos, diminuem a carga de trabalho, aumentam o acesso ao conhecimento e produzem informações gerenciais que ajudam a diagnosticar e tratar problemas.
Mas implementar gestão de mudança implica convencer os atores sobre os ganhos decorrentes e sobre os riscos da não implementação. Por isso, é essencial envolvê-los na definição de prioridades, na compreensão e evolução dos processos. Também é importante reconhecer que as pessoas têm diferentes níveis de letramento digital. Treinamentos, melhorias de interface, tutoriais e outras iniciativas são essenciais para que todos se sintam confortáveis na migração.
Inovação pública pressupõe foco permanente no cidadão. É preciso garantir que ele encontre, de forma fácil e ágil, aquilo que precisa. Portais integrados ou temáticos ajudam bastante. É necessário aumentar o número de sistemas e aplicativos transacionais, garantindo que as atividades de relacionamento entre governo e cidadão possam ser realizadas por meios digitais. Um desafio adicional é tratar cada usuário como um único cidadão, integrando informações, facilitando cadastros, percebendo a complexidade das relações do indivíduo com a administração – sem descuidar do respeito à vida privada dos cidadãos, aí incluída a legislação de proteção de dados pessoais.
Marco legal para tudo isso já existe: a Lei de Defesa de Usuários dos Serviços Públicos estabelece direitos aos cidadãos e obrigações aos entes públicos a esse respeito. Também existem redes de compartilhamento e ferramentas gratuitas de capacitação para serviço público mais digital, aberto e transparente, como os da plataforma Escola Virtual.Gov. O desafio que subsiste é pensar que a reforma administrativa necessária implica uma transformação da mentalidade das lideranças políticas e administrativas combinada com a participação popular, levando em conta o potencial das novas tecnologias.
Guilherme Alberto Almeida de Almeida é ex-diretor de inovação na Escola Nacional de Administração Pública e membro do conselho da Agenda Pública.
Este texto foi elaborado a partir de estudos do autor e pesquisas sobre transformação digital nos município realizados pela Agenda Pública, organização especialista no aprimoramento de serviços públicos simples, inteligentes e humanos.
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