Como amplamente divulgado, a Emenda Constitucional nº 132/2023 promoveu uma profunda reforma no sistema constitucional tributário brasileiro, mediante a substituição total ou parcial de diversos tributos incidentes sobre o consumo de bens e serviços por novos tributos, os quais possuem hipóteses de incidência e regras constitucionais de tributação substancialmente novas.
Dentre as diversas novas regras, abordaremos, neste artigo, aquela prevista no inciso II do § 4º do artigo 156-A da Constituição (CF/88), in verbis:
Art. 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios.
(…)
§ 4º Para fins de distribuição do produto da arrecadação do imposto, o COMITÊ GESTOR do Imposto sobre Bens e Serviços:
I – reterá montante equivalente ao saldo acumulado de créditos do imposto não compensados pelos contribuintes e não ressarcidos ao final de cada período de apuração e aos valores decorrentes do cumprimento do § 5º, VIII;
II – DISTRIBUIRÁ o produto da arrecadação do imposto, deduzida a retenção de que trata o inciso I deste parágrafo, AO ENTE FEDERATIVO DE DESTINO das OPERAÇÕES QUE NÃO TENHAM GERADO CREDITAMENTO.
Conforme se verifica, a regra inserta no dispositivo acima transcrito estabelece que o IBS somente será distribuído ao ente federativo de destino (estado, município ou Distrito Federal) após a realização de uma operação que não gere crédito de IBS para o adquirente. Antes desse momento, o IBS, arrecadado pelo Comitê Gestor, nos termos do inciso II do artigo 156-B da CF/88, deve permanecer sob sua guarda e gestão, não podendo ser distribuído ao ente federativo de destino.
Ora, considerando que, nos termos do inciso VIII do § 1º do artigo 156-A da CF/88, o IBS “será não-cumulativo, compensando-se o imposto devido pelo contribuinte com o montante cobrado sobre todas as operaçoes nas quais seja adquirente de bem material ou imaterial, inclusive direito, ou de serviço, excetuadas exclusivamente as consideradas de uso ou consumo pessoal especificadas em lei complementar e as hipóteses previstas nesta Constituição”.
Conclui-se que, à exceção das operações consideradas de uso ou consumo pessoal e à exceção das operações discriminadas na Carta Magna, todas as demais operações, relacionadas com a aquisição de bens ou serviços, gerarão crédito de IBS para o contribuinte, ainda que ele os adquira na condição de consumidor final e, portanto, não ensejarão a distribuição do IBS ao ente federativo de destino.
Ou seja, caso a operação de aquisição de bens ou serviços realizada pelo contribuinte do IBS não seja considerada de uso ou consumo pessoal, nos termos de lei complementar, ou não esteja excepcionada no próprio texto constitucional, ela dará a ele (contribuinte) o direito de creditar-se e, consequentemente, o IBS decorrente dessa operação não poderá ser distribuído, pelo Comitê Gestor, ao ente federativo de destino.
Consequentemente, essa restrição irá causar, de um lado, um enorme represamento de valores sob a administração do Comitê Gestor e, de outro lado, impactará de forma extremamente negativa o fluxo de caixa dos estados, dos municípios e do Distrito Federal.
Tempo de recolhimento do IBS
Em cadeias de longa duração, como na produção de bens de elevado valor agregado, o tempo entre o recolhimento de IBS ao longo da cadeia produtiva e aquele da sua efetiva distribuição aos entes federados poderá chegar a vários anos. Afinal, a título exemplificativo, o imposto que se recolhe sobre o minério de ferro só será distribuído após a venda do automóvel a consumidor final, se este não for contribuinte. Do contrário, como no caso de um utilitário adquirido por produtor rural e empregado nesta atividade, o valor continuará retido.
Se considerarmos que o IBS terá arrecadação equivalente ao ICMS somado ao ISS, conforme a própria diretriz constitucional, e o tempo médio dos ciclos produtivos ultrapassar um ano, os valores retidos irão atingir e até superar a ordem do trilhão de reais. Afinal, em 2023, foram arrecadados cerca de R$ 700 bilhões e R$ 120 bilhões [1], respectivamente, a título de ICMS e ISS.
E o Comitê Gestor fará o que com quantia tão descomunal à sua disposição? Deixará parada? Emprestará aos próprios governos subnacionais, mas sob qual critério? Destinará a instituições financeiras privadas que cobrarão, como de costume, elevados spreads para repassar aos consumidores e ao setor produtivo?
Esse duplo efeito de retardar a entrega de valores aos entes subnacionais e concentrar quantias tão vultosas sob o domínio do Comitê Gestor, aparentemente, não integrou as razões para se promover a reforma tributária. Trata-se, no nosso entendimento, de uma grave disfunção do sistema a merecer que se altere o citado inciso II do §4º do artigo 156-A da CF/88, antes que essa anomalia se concretize em detrimento do interesse público.
[1] https://www.tesourotransparente.gov.br/