O crescimento da economia compartilhada tem gerado desafios tributários relevantes. No fim do ano passado, o município de Caldas Novas aprovou a Lei Complementar nº 99/2017 para inserir as atividades de locação de imóveis realizadas via plataforma digital (como Airbnb e outras) no aparato jurídico do setor de turismo: classificou os proprietários de imóveis como prestadores de serviço de hospedagem, obrigados ao pagamento de imposto sobre serviços (ISS) sobre o valor da diária e ao recolhimento da taxa de fiscalização de estabelecimento.
A despeito de se tratar da legislação de um único município, a disciplina estabelecida joga luzes sobre o tratamento tributário adequado dessas situações: o proprietário de imóvel que se utiliza de uma plataforma digital para locar seu bem realiza locação por temporada ou presta, efetivamente, serviços de hospedagem?
A tributação dos serviços de hospedagem via ISS está prevista no subitem 9.01 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003, nos seguintes termos: “Hospedagem de qualquer natureza em hotéis, apart-service condominiais, flat, apart-hotéis, hotéis residência, residence-service, suite service, hotelaria marítima, motéis, pensões e congêneres; ocupação por temporada com fornecimento de serviço”.
De outro lado, a Lei nº 11.771/2008, que disciplina o turismo, define “meios de hospedagem” como “os empreendimentos ou estabelecimentos, independentemente de sua forma de constituição, destinados a prestar serviços de alojamento temporário, ofertados em unidades de frequência individual e de uso exclusivo do hóspede”, mediante a cobrança de diária.
O Ministério do Turismo regulou tal norma e detalhou os meios de hospedagem possíveis: de resorts a cama e café, todos pressupõe a prestação de algum serviço (recepção recreação, limpeza, café da manhã etc.).Aplicando-se tais conceitos a plataformas como o Airbnb, salvo casos muito específicos (e raros, eu arriscaria a dizer), o proprietário que disponibiliza seu imóvel nessas plataformas digitais não presta nenhum serviço ao usuário: apenas cede o uso do imóvel, por período certo de tempo, mediante remuneração pré-acordada.
Não há nenhum elemento que o aproxime de um serviço de turismo ou de uma hospedagem estruturada, como nos casos acima mencionados. O instituto jurídico aplicável, portanto, é a locação por temporada, disciplinada no artigo 48 da Lei nº 8.245/1991. Ausente o serviço, evidente que a incidência do ISS é abusiva.
Há inclusive, um projeto de lei em andamento no Senado Federal com o objetivo de alterar o artigo 48 da Lei nº 8.245/1991 para prever a possibilidade de a locação se dar via plataforma digital, sem que isso, ou a cobrança de uma taxa de limpeza, aparte do valor da locação, descaracterizem a locação (PL 748/2015).
A eventual aprovação da proposição naturalmente traria mais segurança jurídica a esse mercado; a despeito disso, contudo, ela não se faz necessária.Ainda que os negócios realizados no contexto da economia compartilhada aparentem possuir uma roupagem diferenciada, a análise detalhada dos casos revela a presença de institutos jurídicos já consagrados.
O fato de alguém se utilizar de uma plataforma digital para anunciar seu imóvel, com o objetivo de locá-lo por temporada em nada se diferencia do velho anúncio de jornal – hoje em desuso pela difusão das novas tecnologias. Como já afirmei em mais de uma ocasião nesta coluna: o direito tributário deve andar ao lado da evolução tecnológica e social e não servir como empecilho a ela.
Pretender tributar pelo ISS operações de locação imobiliária pura e simples, como essas que no geral ocorrem no contexto do Airbnb e outras plataformas, é estender a incidência do tributo de forma inconstitucional e abusiva, em estímulo à judicialização do tema e maior insegurança para o setor.
Fonte: Jornal Valor Econômico.