A POSSIBILIDADE DE QUEBRA DO SIGILO FISCAL PARA, POR VIA OBLÍQUA, QUEBRAR O SIGILO BANCÁRIO.

por Grupo Editores Blog.

 

O presente artigo pretende trazer ao debate e ao crivo dos leitores o recorrente procedimento de quebra de sigilo bancário sem ordem judicial, de forma oblíqua, por meio do acesso à DIMOF – Declaração de Movimentação Financeira, levada a cabo pelas comissões de processo administrativo disciplinar e demais procedimentos administrativos investigativos.

 

A importância do tema reside no sentimento, por parte dos militantes da área administrativa disciplinar, de que as comissões processantes têm ignorado as restrições referentes ao acesso aos dados bancários, que têm cláusula de reserva de jurisdição para acesso ou uso tributário com regras específicas.

 

A premissa reiterada do que aqui se argumenta é simples. O sigilo bancário não pode ser quebrado, senão por decisão judicial. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal autorizou o acesso aos dados bancários pela Receita Federal no curso de processo de fiscalização, o que ensejou a publicação da Instrução Normativa RFB nº 1.092/2014, que institui a DIMOF.

 

A DIMOF nada mais é do que uma compilação dos dados bancários sigilosos que somente podem ser utilizados pela Receita Federal a partir da instauração de procedimentos fiscais. Dessa forma, por conter dados sigilosos, a DIMOF somente pode ser acessível à Receita Federal, ou por ordem judicial.

 

Já as comissões processantes disciplinares podem ter acesso apenas aos DADOS FISCAIS, pois a vedação da divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida, em razão do ofício, sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros, bem como sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades, tem exceção nas “solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.” (LC 104/2001, art. 198)

 

Tendo em vista a possibilidade de que as comissões quebrem o sigilo fiscal por meio de requisição à Receita Federal, questiona-se: pode a Receita Federal, ao quebrar o SIGILO FISCAL, entregar conjuntamente à comissão processante os dados bancários estampados na DIMOF?

 

Considerando a literalidade do dispositivo acerca do sigilo fiscal que envolve as informações do imposto de renda, ou seja, pelo cotejo das declarações informadas pelo servidor ao órgão administrativo e seu crivo de informação junto à Receita Federal, a resposta a tal pergunta seria negativa.

 

Por mais amplo que seja o conceito de sigilo fiscal, pode a Receita Federal disponibilizar diversas informações, desde que não ultrapasse os limites do sigilo bancário. Isso se deve ao fato de que a lei que estabelece e regula tal sigilo, a Lei Complementar 105/2001, proíbe a divulgação desses dados.

 

A Lei autoriza apenas que a Receita Federal tenha acesso a dados bancários sigilosos, devendo, entretanto, ser mantida a sigilosidade. Logo, as informações contidas na DIMOF, ou mesmo na DECRED, referente a dados de cartão de crédito, são sigilosas por força de lei.

 

Pelos motivos expostos, as comissões processantes podem solicitar à Receita Federal os dados fiscais, mas não devem acessar os dados bancários, que são informados apenas à Receita Federal para o seu mister.

 

É importante atentar para o fato de que as ilegalidades e violações aos direitos fundamentais são feitas e urdidas de forma dissimulada. Vivemos em um estado democrático em fase de maturação, com violações ainda gritantes aos direitos fundamentais. Violações, essas, feitas sutilmente por meio de interpretações enviesadas.

 

Por isso, o guardião das normas, que é o Poder Judiciário, deve permanecer atento aos mecanismos de burla da legalidade, devendo-se insurgir, como lhe é costumeiro, para que as concessões em prol do direito acusatório não terminem por esmagar os direitos fundamentais.

 

Em verdade, as comissões disciplinares estão tendo tanto ou maior poder que as investigações policiais ou do Ministério Público. Basta um ofício à Receita Federal para receber o conhecido dossiê integrado, sendo que delegados e promotores ficam vinculados a justificar aos juízos a necessidade de acesso, devendo fundamentar seus pleitos com o crivo da jurisdição.  É de indicar aos investigadores que observam os limites da lei.

 

A indiferença a esse verdadeiro arbítrio administrativo em violação à reserva de jurisdição e, por via oblíqua, à regra de intimidade, talvez ocorra em razão do desconhecimento de que o dossiê integrado da Receita Federal não pode ser liberado para servidores administrativos por conterem dados bancários sigilosos, consubstanciados na DIMOF e na DECRED.

 

A lei é clara ao consagrar o sigilo bancário, limitando a possibilidade de quebra à Receita Federal ou por ordem judicial, devendo, portanto, ser resguardado o sigilo, que não pode ser quebrado de forma manu militare, por meio de simples pedido de outro órgão administrativo estatal, cujo poder, ainda que elevado, não é ilimitado.

 

Autor: Cláudio Renato Farág. Advogado. Mestre em Direito Público.

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