Do topo para baixo.

por Grupo Editores Blog.

 

Embora seja um tema recorrente da agenda, nunca se falou tanto e tão intensamente de reforma tributária. Mesmo os defensores do “Estado mínimo” admitem que a solução para o grave e persistente déficit fiscal já não cabe apenas no corte de gastos sociais; sobretudo depois de terem visto naufragar – ao menos momentaneamente – a reforma previdenciária intentada pelo governo Temer.

 

É forçoso aumentar a receita, mas não há mais margem para fazê-lo por meio da tributação no consumo, seja porque os tributos sobre bens e serviços alcançaram insuportáveis 50% da carga tributária, seja porque, afinal, estamos num quadro de economia praticamente estagnada.

 

Num país que ostenta vergonhosos indicadores sociais e indecorosa concentração de renda e riqueza, que o colocam como um dos mais desiguais do planeta, qual a margem para seguir cortando gastos sociais? Nenhuma.

 

A saída está na margem oposta: a tributação da renda. Não basta revogar a isenção do imposto de renda concedida há mais de vinte anos às pessoas físicas que auferem lucros e dividendos, de modo a restabelecer a isonomia tributária quebrada pela lei instituidora desse privilégio.

 

É preciso uma nova tabela do imposto de renda para fazer cumprir o mandamento constitucional da progressividade, que atualmente só se cumpre para os que ganham até 40 salários mínimos mensais. De acordo com os dados oficiais da Receita Federal, dos 27,5 milhões de declarantes do Imposto de Renda Pessoa Física, em 2016, cerca de 13,5 milhões – quase a metade – ganharam até 5 salários mínimos (SM) por mês.

 

Na parte de cima, cerca de 360 mil contribuintes tiveram renda mensal acima de 60 SM. Esse grupo representa menos de 0,2% dos 210 milhões de brasileiros. Um grupo ainda mais seleto, o dos que tiveram renda mensal acima de 320 SM (R$ 300 mil), reúne pouco mais de 29 mil pessoas, ou seja, um traço em termos percentuais.

 

O topo da pirâmide paga proporcionalmente menos – muito menos – imposto de renda que os brasileiros do meio da tabela.

 

Se quisermos fazer uma reforma tributária de verdade, não há como manter tamanho privilégio. Com o retorno da parcela de lucros e dividendos para a base tributável do IR e a adoção de novas alíquotas para efetivar a progressividade sobre as rendas superiores a 40 SM, é possível aumentar a arrecadação em patamares muito significativos.

 

A depender do grau de progressividade, em razão das novas alíquotas, é possível aumentar a arrecadação do IR em R$ 200 bilhões a R$ 300 bilhões.

 

Além disso, é possível ampliar a isenção para a faixa de até 5 SM mensais, beneficiando mais de 13 milhões de contribuintes. Em vez de isentar os do topo e onerar os de baixo, como funciona hoje, propomos o inverso: isentar os de baixo e tributar os de cima, na medida de sua capacidade contributiva.

 

A cobrança adequada e justa do IR, como defendemos, permitirá, por outro lado, reduzir a tributação no consumo, que compromete o orçamento das famílias, enfraquece a demanda interna e inibe o crescimento econômico. O IR não é o único, mas é o imposto que melhor exprime o grau de justiça ou injustiça de um sistema tributário.

 

Definitivamente, os mais ricos precisam ser solidários com o financiamento do país, seja para ajudá-lo a sair da crise, seja para desenvolvê-lo de maneira equilibrada e sustentável econômica e socialmente. Uma reforma tributária solidária é, portanto, urgente e necessária.

 

Autor: Charles Alcantara, Presidente da Fenafisco (Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital).

 

Jornal O Globo.

 

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